in

O que eu aprendi com a Gretchen

Alexandre Ktenas revela seus valiosos aprendizados com a música latina

Alexandre Ktenas, colunista POPline.Biz é Mundo da Música
Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Se o mundo fosse música (ué, ele não é??), qual seria a capital?

Se você curte Rock’n’Roll vai dizer que, óbvio, a capital é Londres. Se é o cara do Reggae, crava a Jamaica. Se gosta de Country, Nashville. Se é da galera do metal, talvez Bay Area ou uma cidade do leste europeu de nome com duas tremas. Se gosta de Jazz, Chicago. Se prefere Sertanejo, talvez Goiânia ou Barretos.

Se é do Forró, pode ser Campina Grande ou Itaúna, se prefere Grunge, Seattle. Se dança Tango, sua indicação vai ser Buenos Aires. Sendo o Fado, a cidade de Lisboa. Já o Axé, em Salvador. Se for o Samba, Rio. Já se a sua onda é K-Pop, obviamente sua cidade é Seul, e se gosta mesmo é de Punk, pode escolher entre Londres, Califórnia ou Nova York.

Mas, se o termômetro a ser usado para identificar esse local mágico, essa capital da música, for o que tem rolado nos topos das paradas de sucessos do mundo inteiro no decorrer das últimas décadas, então a sua resposta só pode ser uma…SAN JUAN.

 

O que? Onde? San? Juan? 

 

Então, antes de abrir o Google Maps, vamos voltar algumas páginas para trás desta história.

Quando fui trabalhar no mercado latino dos Estados Unidos, achava que minha missão era cuidar de Miami, LA, NY, Texas e tal. Eu não sabia que tinha o Caribe no meio desta história. Do alto do nosso umbigo de centro do mundo, com muito preconceito e pouca cultura musical, nós temos o péssimo hábito de chegar nos lugares sem nem ao menos saber qual música que o povo de lá curte. Não se dá ao trabalho de sequer saber a geografia da região.

Entrei num avião em Miami em direção à San Juan, cheio de certezas, para conhecer nosso escritório de lá e levar as músicas para tocarem. Mal sabia que estava prestes a tomar na cara uma das maiores aulas de música e business da minha vida. 

Minha grande sorte, para não levar uma surra ainda maior de realidade quando aterrissasse, atendia pelo nome de Gretchen Gonzalez. Minha simpática e sempre sorridente assistente na época. Boricua (que é como se chama quem é nascido e criado ali naquela ilha), ela me avisou ainda no avião:

“Você está chegando no país que mais compra música por habitante no mundo. Aqui se respira música em todas as esquinas”

Antes que eu pudesse retrucar defendendo Salvador ou o Rio, discorrendo sobre a musicalidade do Pelourinho ou da Lapa, dei de cara com a placa “BIENVENIDO A PUERTO RICO”. E atrás dela, um amontoado de carros de som, cada um tocando uma música mais alta que a outra, lojas de discos, ambulantes vendendo CDs, músicos de rua, estúdios de gravação no meio das lojas, profissionais de gravadora, rádios, TVs locais, jornalistas, etc.

Imagina um cruzamento da Sapucaí, com a Praça Castro Alves, Bourbon Street, Montego Bay, a Arena de Barretos e com a Telegraph Road. E no meio desta mega encruzilhada musical, uma galera muito sagaz na hora de embalar e divulgar suas músicas. Isso é San Juan. Isso é Porto Rico.

 

Mas e daí? Porque estamos falando de Porto Rico uma hora dessas, assim do nada? 

 

Simples: porque o mundo da música pop mundial não fala de outra coisa. Faz tempo! Na mesma semana que soubemos que o artista mais tocado no mundo em 2020 no Spotify foi ninguém menos que o DJ BAD BUNNY, a capa do álbum da J-LO quebrou a internet com uma estrela no auge da forma. O que eles têm em comum? Adivinha? São Porto Riquenhos.

 

Música mais tocada da década com 7 bilhões de plays? “Despacito” do Luis Fonsi: Porto Riquenho. 

Ritmo que mais cresceu no mundo em todas as plataformas e rádios? Reggaeton (que apesar de ter nascido no Panamá, mudou-se ainda bebê para estourar de verdade em Porto Rico).

Maior artista pop latino de todos os tempos, do alto das 16 milhões de cópias vendidas de “Viva La Vida Loca”? Ricky Martin, Boricua.

Que por sua vez, vem da primeira de todas as boybands, o Menudo. 

Tudo isso é Porto Rico.

Indo e voltando ao Caribe por meses a fio, aprendi a diferenciar suas idiossincrasias. Identificar as características de seus vários povos. Porto Rico disputa com Cuba o trono da salsa. A República Dominicana, logo ali do lado, é a terra do Merengue e da Bachata. O Haiti, com quem divide a ilha, é a terra do Kompas. A Jamaica, um pouco mais pra frente, é do Reggae (como o mundo inteiro sabe). Um pouco mais pra baixo, tem o Vallenato da Colômbia caribenha. E por aí vai…! 

Essa mistura toda foi parar nas praias de San Juan. É, tipo Salvador dos anos 90, que encontrou gerações de empreendedores da música, com talento para fazer andar e tocar no mundo inteiro. Com uma sorte a mais: eram todos bilíngues, pois eram americanos e latinos ao mesmo tempo. Fórmula do sucesso garantido.

 

Daí eu tiro a lição que fica pra gente levar como tarefa de casa e colocar a cabeça pra pensar:

 

Os gêneros genuinamente brasileiros tem tudo para trilhar o mesmo caminho e fazer o mesmo crossover que os gêneros porto-riquenhos fizeram. A internet derrubou as fronteiras e a pandemia acabou de derrubar as distâncias. Em outros tempos era mais difícil, tanto que o Bob Marley fez o Reggae ser mundial e o Luiz Gonzaga não conseguiu fazer o mesmo com o Forró. Outros tempos. Hoje daria!

As línguas não são mais barreiras. Ou você não maratonou “Casa de Papel” em espanhol? O filme de Natal do Leandro Hassum está em primeiro lugar na Alemanha!

Agora nada mais impede nossa turma de ser mundial. Se a Shakira saiu de Barranquilla e botou o mundo inteiro pra dançar de pés descalços, por que não a gente? Por que as nossas estrelas não podem agora, pegar este mesmo caminho, e levar as bandeiras do funk, do samba, do axé, do pagode, do forró, revitalizar esses gêneros misturando com os novos elementos de trap, de rap, de eletrônico – pra tirar aquela carinha excessivamente tribal e dar um tempero global – e conquistar o mundo?

Porto Rico é uma ilha menor que o quadradinho onde fica Brasília, e tem menos de 4 milhões de habitantes. Cabem literalmente 1.000 “PortoRicos” dentro do Brasil. Ou seja, é só a gente se organizar por aqui que todo mundo toca mundo afora. De turma é sempre mais fácil!

E aprender com quem tem dominado as paradas de sucesso, desde antes de eu trabalhar com isso. E olha que faz tempo que estou nessa hein?!

Ah, e sabe a Gretchen? Àquela minha sorridente assistente que me salvou de pagar um mico ainda maior antes de aterrissar em San Juan? Ela hoje é a empresária do Luis Fonsi! E já deu quatro voltas ao mundo botando o mundo inteiro pra cantar “Despacito”!