Quem é você na boate? A pergunta, carregada de provocação e ironia, deve ter nascido da mente de algum “hater” em um passado não muito distante e, juntamente com “Quem é fulano na fila do pão?”, queria desabonar alguém, diminuir e fazer chacota. Reciclada, a questão passou a me perseguir e atentar feito fantasma desde 2018, um pouco antes da pandemia que ainda nos assombra. Quem sou eu na boate???
Não vou à uma padaria e não frequento um “night club” faz um bom tempo, mas a indústria do entretenimento, onde trabalho com comunicação há quase 3 décadas, contém as mesmas características de uma “ balada”: tem música, público, bebidas, serviços, egos, pista, camarotes, filas, modismos… Lembro do dia em que fui nocauteado com a imagem do Museu Nacional pegando fogo, aquele foi o período em que a disputa política transformou o Brasil em guerra, a mídia nacional já apresentava uma grave crise com demissões em massa, extinção de diversos títulos e programas e a Internet virou um oceano de ódio e de criaturas assustadoras.
Quando vi, eu estava diante da que seria a minha primeira crise existencial e de identidade, me perguntava “o que eu estava fazendo aqui?”, e no que a “boate” do showbusiness havia se
transformado? Senti o chão saindo debaixo dos meus pés já calejados, que começaram a caminhar nesta rota, quando eu ainda era um fã adolescente que viu na Madonna uma espécie de estrela guia do universo pop, que abriu a minha mente para essa máquina de seduzir a audiência, fazer doidos e muito barulho.
A história é longa mas, entrei profissionalmente neste backstage no início da década de 90 quando não existiam celulares, computadores pessoais, internet, redes sociais, serviços de streaming e o Brasil ainda não era rota do showbiz mundial como virou nas décadas seguintes. O tempo fez a
sua parte e tudo se transformou veloz e intensamente, quando percebi, virei o principal fornecedor de comunicação dos maiores promotores de shows, eventos e concertos do Brasil.
Vivi no olho do furacão que me fez trabalhar com astros de primeira grandeza. A Media Mania / Midiorama, minha empresa, serviu de elo entre conteúdo, mídia e o público. Neste nosso “aeroporto” congestionado passaram nomes como: David Bowie, Madonna, Eric Clapton, The
Police, Pearl Jam, Jonnas Brothers, Justin Bieber, Sex Pistols, Iron Maiden, Beyoncé, Kiss, Placido Domingo, Lenny Kravitz, U2, Diana Ross, Ariana Grande, Michael Bublé, Roger Waters, AC/DC, Sting, Bob Dylan, Black Eyed Peas, Katy Perry, Santana, Bruno Mars, Rush, Amy Winehouse e centenas de outros.
Nesta Jornada também respondi pela comunicação de nomes nacionais como Milton Nascimento, Marisa Monte, Ana Carolina, Elza Soares, Daniel, Dennis, Saulo e Preta Gil, entre outros. Nesta eclética “playlist” aprendemos a promover desde filmes da Disney, o salgadinho Doritos, lançar estádios, casas de espetáculos, festivais como Lollapalooza e SWU e até o astrólogo portorriquenho Walter Mercado, o “Ligue Djá”. Doses cavalares de tudo que pode se chamar de entretenimento e mais um pouco.
Imagina que esse coração de consumidor, que passou a atuar em campo por tanto tempo e aprender com cada passo, olhar para o “estádio” que ajudou a levantar e não se reconhecer, ou não mais reconhecer o campeonato, seus jogadores? Pouco antes da famigerada Covid colocar nossos “times” para fora das arenas “físicas”, fossem do Axé, do Forró, do Sertanejo, do Samba, e do Pop ou do Rock, do Funk… Senti uma espécie de “Dejà Vu” inverso, um “Deja Vem”, tudo parecia estar funcionando, mas havia algo no ar que me dizia, “algo está morrendo”, se transformando.
Pensei que era comigo, “virei dinossauro, só pode ser”, mas percebi que o entorno dava sinais de colapso de identidade, se não perda total, estávamos prestes a viver uma transformação. Isso em meio a uma Olimpíada de métricas digitais, a onipotência e onipresença do Deus Algoritmo, a proliferação de personalidades de último minuto com notoriedade e expressão bem maiores que nossos baluartes, a maior rede de televisão ser chamada de “lixo”; o castelo e a ilha da revista de “famosos” desaparecerem do inconsciente coletivo e as guerras por likes e views serem disputadas a cada segundo.
Midiorama Comunicação from Horacio Brandao on Vimeo.
O dinheiro das verbas publicitárias de veículos que “ditavam as regras” foi parar nas mãos de jovens e conglomerados universais, lojas de discos e livrarias foram para o espaço e nossas vidas
abduzidas pelo aparelho celular. Sem querer julgar a qualidade de cada retalho dessa colcha infinita, trocamos “eu sei que vou te amar”, por “senta, senta, senta, senta e senta mais um pouquinho”. Entre notícias de mortos por segundo e tatuagens na “rabiola”, tá tudo bem, mas o conteúdo virou qualquer coisa que nos faça chocar por alguns segundos e seguir para a próxima tela.
Se as crises nos tornam mais fortes e criativos, se as dores nos fazem mais cascudos e atentos, creio que consegui acessar o subsolo do meu ser, fui buscar conforto na espiritualidade, no autoconhecimento e hoje reconheço que o futuro de todos nós deverá passar por outros caminhos não menos difíceis, mas carregados de propósito.
Chegamos ao momento da humanidade em que cada pensamento, ação, imagem ou mensagem pode provocar destruição ou fazer uma revolução. O Entretenimento é um celeiro de ideias, talentos e produtos mas precisa servir a transformação coletiva. Podemos usá-lo como um escapismo, como uma fuga da caótica realidade mas devemos e de maneira consciente, entender que nossa ação deve promover uma evolução.
Quem tem uma voz, uma grande janela ou vitrine, quem tem por perto alguém que é ouvido por milhões, pode ter um papel fundamental nesta nova era e retomada. O ato de vender e consumir pode encontrar propósito e realização. Se a fama tem um preço, que ela encontre um valor capaz de ser dividido com todos.
“Quem é você nesta boate?”, o que tem a dizer? Qual é o seu legado? Sua mensagem? O que faremos dessa nossa existência, o que queremos comunicar? Qual é a sua causa?Qual será nosso destino quando isso tudo passar?
Hoje sei que meu propósito é comunicar o que tenha real valor para o outro. Eu sou porque nós somos !
Vamos evoluir juntxs, quero acreditar.
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