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A Trilha Sonora do ano em que a Terra parou

Alexandre Ktenas, colunista POPline.Biz é Mundo da Música
Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

E aí, do dia para noite, tudo parou.

As engrenagens do modo como a gente conhecia o mundo da música emperraram, e foi imediatamente aberta a temporada de chutes pra ver como proceder com um cenário absolutamente inédito (pelo menos, não me lembro de ter existido indústria musical na época da febre espanhola, preciso perguntar pra rainha da Inglaterra, RS.).

O primeiro movimento automático natural dos artistas e seus pensadores, foi um fenômeno hoje conhecido como “a era das lives”. E foram muitas (ainda são), de todo tipo, onde vimos de tudo: cantoras de pijamas, artistas quase em comas alcoólicos, merchandisings embaraçosos e muita ideia e música boa também!

Quem teve as melhores idéias, acabou se sobressaindo, e quem demorou a reagir teve que ser criativo pra ter um lugar ao sol. E aí que reside o grande diferencial de tentar ser trilha sonora em plenos tempos de perdas doídas, despedidas, isolamentos e toques de recolher: a CRIATIVIDADE.

Tente se colocar no lugar do Tierry, por exemplo, que lançou a Rita, maior hit de sua carreira, bem no meio desse deserto de shows para onde a pandemia nos empurrou.” Justo agora!?”, deve pensar ele todo dia. (Mas correu atrás e já encontrou seu caminho.)

Ou, pior ainda, tente imaginar o que passou na cabeça dos Barões da Pisadinha, ou do Tarcísio do Acordeon, que finalmente depois de tantos anos viram suas músicas estourar em nível nacional, ganhar as paradas e aparecer na grande mídia “do sul”. E não conseguirem fazer um showzinho sequer pra poderem sentir o calor do público e o tilintar das bilheterias gordas. Impossível não bater sentimento de injustiça ou falta de sorte. Será?!

Antes de liberar o muro das lamentações e imitar a hiena triste do desenho, é hora de tentar botar a cabeça pra trabalhar no modo alternativo. Girar a tal “chavinha” pro outro lado – até pra tentar respirar – e entender outras voltas que a engrenagem pode dar.

Você estava quase ganhando a partida quando jogaram todas as peças do tabuleiro de “WAR” no chão e quem tinha território conquistado, foi obrigado a catar tudo no chão e recomeçar, sem saber por onde, nem pra onde. Se o critério era cachê ou bilheteria pra saber quem era grande ou pequeno, hoje, não mais. Se era a quantidade de shows mensais o que mensurava tudo, muito menos. As paradas de sucesso das plataformas não conseguiam ler nada.

Até a poeira assentar no meio do furacão, a gente começa a tentar ler para qual lado ir

E como sempre, a corda arrebenta do lado mais fraco: quem estava começando, teve mais dificuldade; pra quem já estava difícil, piorou; e quem era do backstage, então, ficou literalmente sem ter para onde correr. As despedidas de gente querida só aumentando. E lá se vai um ano inteiro assim. Cada um correu para onde pôde, quando pôde, e a dificuldade não diminuiu. As histórias se multiplicam nas nossas caixas de mensagens.

Aqui faço um convite a uma reflexão de possibilidades, à todos estes, e inclusive aos artistas da linha de frente do palco e seus gestores: como sobreviver a um mundo parado, num momento tão triste da humanidade com tantas perdas tão doloridas todos os dias?

Os dados do mercado americano dão como mais de US$ 14 bilhões de dólares que deixaram de ser investidos em patrocínios de shows. Por aqui, os números, guardadas as proporções, devem ser percentualmente parecidos. Ou seja, esse dinheiro da publicidade que deixou de ser gasto nas turnês e festivais deve ter migrado para algum canto. Se não foi ainda, vai ter que ir, porquê os diretores de marketing têm essa gordura para queimar e com o taxímetro ligado.

 

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Com essa necessidade veio o segundo ciclo, os dos publiposts. Nunca as empresas que vivem de vender posts em redes sociais de artistas faturaram tanto. Uma verba que inicialmente foi em grande parte destinada aos mega, em um segundo momento aos grandes, mas, cada vez mais chega até os micro e nano artistas/influenciadores – desde que estes provem os seus engajamentos para seus respectivos nichos de mercado – e engajar pode muitas vezes não custar dinheiro, mas sim, criatividade.

Taí o ponto que permeia todo o discurso aqui. Criar. Tá difícil para todo mundo criar em meio ao caos, à tristeza, à falta de tudo? Tá. Para muitos, tá muito difícil, para vários tá quase impossível. Mas, não tem outro jeito que não seja tentar enxugar as lágrimas, sacudir a poeira e batalhar com criatividade para fazer o trabalho aparecer no digital.

Se reinventar, seja nas redes ou nas plataformas, para ser notado: pelo público, por patrocinadores, por marcas, ou até mesmo pelas próprias plataformas.Se fazer notar pela diferença, pela criatividade, na hora de compor, e mais até na hora de divulgar o seu trabalho. Seja na linha de frente ou não.

Momento bom pra citar Umberto Eco em seu “Apocalípticos e Integrados”, e traduzir seu texto hermético pra uma frase simples de entender: a gente pode escolher desistir ou ir à luta. Os boletos não param de chegar, como nos lembram os memes diários, então, parar não é uma opção.

Podia até ter sido quando a gente achava que a quarentena ia durar 40, 60,  90, 180 dias. Agora que a gente percebeu que ela tá durante meio que pra sempre, o jeito é CRIAR a própria alternativa. E elas existem. Em casa, em lockdown, em quarentena, de home office, com toque de recolher, mas existem.

 

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Tem empresas a fim de investir em artistas pequenos e em negócios pequenos de música, desde que façam sentido. O dinheiro do streaming, seja ele “justo” ou não, inundou os grandes players do mercado de vontade de contratar gente. As distribuidoras, gravadoras e agregadoras estão numa fase “compradora”.

Selos de todos os tamanhos (todos mesmo) estão buscando gente para lançar, e gente para ajudar a tocar o negócio. Aqui mesmo neste portal todos os dias pipocam as mais diversas oportunidades, é garimpar e correr. Mas, não tem mais bobo no futebol, nem na música. Os selos e escritórios vão comprar o que faça sentido para eles. Pois mais do que nunca, tem números “vigiando” tudo.

E a resposta de como fazer sentido para marcas, para os grandes players, contratantes, é simples. Tem que sair do “mais do mesmo”, e ser mais criativo que nunca. Não tem outro jeito. Tem que tirar forças não sei de onde, respeitando seu momento, levantar a cabeça do travesseiro de manhã e se reinventar, mesmo que seja pela milésima vez. Pois, só assim seu caminhão vai desatolar.

 

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O artista tem que ser combustível de si próprio, assim como, sua equipe de marketing, seu agente, seu empresário, seu técnico, seu escritório de comunicação, seu roadie, toda a cadeia produtiva. Mais fácil para uns, mais difícil para outros, mas, esse é o único jeito: sendo relevante, engajando, usando com inteligência, seu network e expertises particulares, explorando todas as possibilidades num mercado que, mais que nunca, está atrás de ideias. E pagando bem por elas.

Já estou nessa há muito tempo, “reinventar” talvez tenha sido o verbo que mais conjuguei na vida. E posso dizer de cadeira: quanto mais fundo vai a crise, mais alto vai o movimento em sentido contrário quando tudo passa. As previsões do mercado do “live” internacional não me deixam mentir.

E o ‘efeito espiral’ que rege o mundo do entretenimento, vai atuar novamente como já está atuando, apesar de terraplanismos negacionistas, de governos incompetentes e de novas cepas. O negócio é buscar os meios de sobreviver até lá, criar as oportunidades para fazer o seu negócio e a sua música aparecerem é a única alternativa.

Sem tempo para discursos de livro de auto-ajuda ou textos prontos de diário da escola. É hora de criar caminhos. Cavar no concreto. A pandemia está aí, firme e forte, destruindo vidas, de quem vai e de quem fica, as vacinas estão chegando muito lentamente, os shows vão demorar ainda mais a chegar. O jeito é fazer a tal limonada. Não tem outro!

Sua música e seu negócio de música podem e devem achar esses tantos novos rumos alternativos. E no final das contas a trilha sonora do ano em que a terra parou, e chorou, tem mais que nunca que ser o da sua cabeça pensante.

P.S.: Pra ler ao som de “Fetch The Bolt Cutters “, o álbum que a Fiona Apple produziu em casa durante a pandemia.

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Alexandre Ktenas trabalha com música desde sempre, nos quatro cantos desse negócio, com larga experiência na indústria fonográfica no Brasil, America Latina, Caribe e EUA. Hoje é sócio da agência de conteúdo digital Kontente e de lindos selos de música pop como o Inbraza. Habitante do mundo da música.