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“O filme é a oportunidade de saber o que aconteceu com ele e sua família após uma fake news”, diz Fabricio Boliveira sobre Wilson Simonal

“Humanizar este personagem tão complexo foi um desafio e a oportunidade de contar essa história que ficou no imaginário brasileiro. Antes a gente só julgava e tratava da persona construída do Simonal. Agora podemos olhar por trás e saber o que aconteceu com ele e sua família depois de uma fake news. Foi algo cruel e que acabou com a carreira dele”, sintetiza Fabrício Boliveira em conversa com o POPline sobre a cinebiografia de Wilson Simonal (1938-2000), que chega nesta quinta-feira (8) aos cinemas em todo o país.

Wilson Simonal (Fabrício Boliveira) em início de carreira como cantor dos Dry Boys, banda que fazia parte antes de partir para a carreira solo (Foto: Divulgação)

“Simonal” trata da ascensão e queda de um artista com talento ímpar e que conquistou uma carreira sem precedentes no Brasil. Em pouco tempo, tornou-se um campeão de vendas, ganhou um programa de TV, assinou o maior contrato de publicidade de um artista brasileiro até então (com a empresa anglo-holandesa Shell), mas viu tudo ruir em pouco tempo. “A história do Simonal é um tanto peculiar. Ele foi o único brasileiro não anistiado depois desse período todo de ditadura. Ele sofreu algo que ninguém sofreu. E a gente conta isso com uma música fantástica embalando isso tudo, servindo de pano de fundo de uma época”, conta o diretor do filme, Leonardo Domingues.

Depois das novelas “Sinhá Moça” e “Boogie Oogie”, além do filme “Faroeste Caboclo”, Fabrício Boliveira e Isis Valverde emplacam o quarto trabalho juntos. “Um acaso este novo encontro. Riram da nossa cara como se dissessem: ‘Agora corram atrás de fazer alguma coisa diferente dos outros trabalhos'”, conta Isis, que dá vida à Tereza. Como não teve encontros com a Tereza da vida real, a atriz apoiou-se nos depoimentos dos filhos de Simonal – Simoninha, Max de Castro e Patrícia – para elaborar a personagem que abre mão de seus sonhos artísticos para dedicar-se integralmente à família.

“Não acho que ela abriu mão espontaneamente. A sociedade impôs que ela abrisse mão. Até hoje lidamos com o machismo, mas naquela época era um pouco mais agressivo porque as mulheres ainda não tinham ido às ruas ou se unido para combater essa opressão. No início do filme, Tereza dança para ele e fala: ‘Queria muito, mas meu pai não deixaria’. E você vê essa mulher artista, com espírito livre, definhando aos olhos dos telespectadores porque ela foi obrigada a se conter. E ao mesmo tempo esse amor a salva porque ela ama demais esse homem. E você a vê saindo de dentro de suas feridas pra poder trazê-lo de volta à vida. E ele fazendo o mesmo. Eu acho que é esse movimento que a salva desta situação social que ela vive”, define Isis.

Wilson Simonal (Fabrício Boliveira) e Tereza (Ísis Valverde) dançam na cena que mostra como eles se conheceram (Foto: Divulgação)

Para Fabrício, interpretar Simonal foi a oportunidade de mostrar subjetividade nele. “É uma coisa que falta muito nos personagens que são dados aos atores negros, que é sempre ocupando uma função em relação a alguma coisa. É sempre um bandido, sempre determinado sem humanidade, sem uma família, sem sentimentos”, revela o ator que espera ter desfeito a imagem de arrogante atribuída ao cantor no auge do sucesso. “Ele foi um negro que ocupou um lugar de sucesso, bem resolvido com sua profissão e questão social. E por isso era acusado de arrogante. Eu vivi situação parecida em Nova York, quando me chamaram de ‘swagger’, que em tradução livre seria a mesma coisa. Aprendi com ele a ficar atento sobre isso. Nós, negros, temos menos direito de errar”, completou.

Simoninha comentou o desempenho de Boliveira e Valverde. “Eles mergulharam num trabalho de pesquisa profundo, de um jeito muito especial e trouxeram uma força, cada um dentro de suas características e as dificuldades de cada personagem. Tenho maior respeito e admiração por eles e por todos os atores que participaram. Todos os personagens são feitos de uma forma muito intensa, até os menores personagens que dão veracidade aos fatos, ajudam a contar a história de uma forma muito poderosa.”

“Não dá para conhecer Simonal sem conhecer sua música”, afirma Max de Castro, que ao lado de seu irmão cuidou da trilha sonora. “Ela ajuda a contar a história dentro do enredo que o Leo imaginou para o filme. Eu acho que pela nossa experiência, também como artistas, vejo que a garotada tem uma identificação bacana com a música do Simonal. Um moleque de 15 anos me parou na rua uma vez e me disse que o maior ídolo dele era o Simonal. Puxa, logo um artista que não estava presente no imaginário dos brasileiros há tantos anos. É inacreditável o poder da música”, completou.

Simonal (Fabrício Boliveira) no ápice do sucesso (Foto: Divulgação)

Ser artista negro no Brasil ontem e hoje

Ainda que “Simonal” trate de uma história que aconteceu há cinco décadas, alguns temas são recorrentes: além das fake news, do machismo e da polarização política, a injustiça racial é uma questão fundamental no longa. “O fato dele como homem negro ter chegado num lugar onde as pessoas não acreditavam que um homem negro pudesse chegar é uma grande questão. Por isso é bacana assistirmos ao filme para entendermos o desdobramento dessa questão. Tenho certeza que se o Simonal fosse branco, metade das coisas que aconteceram com ele não teriam acontecido. Eu acho que o filme contribui nesse sentido”, afirma Max de Castro.

Com o sucesso comercial e a aclamação popular, Simonal decide abrir uma produtora e gerenciar a própria carreira. Porém o dinheiro que entrava rapidamente no caixa saía em velocidade ainda maior. Não tardou para que os problemas surgissem e o cantor desentendeu-se com seu contador. Suspeitando ter sido roubado, pediu ajuda a um agente do governo. Mas ao envolver-se com figuras do governo ditatorial, perdeu o controle da situação e foi acusado de “dedo-duro” e apoiador do regime militar. E jamais teve o perdão da opinião pública. “Ele foi o único brasileiro não anistiado depois desse período todo de Ditadura”, completa o diretor.

De toda forma, Simoninha garante que este é um filme para todos, mas que pode ser importante para a vida do jovem negro que aspira o sucesso através do trabalho, assim como fez Simonal. “Eu adoraria que este filme chegasse às periferias do Brasil, que pudesse chegar aos olhos e corações dos jovens além da Zona Sul porque diz muitas coisas que eles vão entender de uma forma diferente”.

Boliveira acredita que “Simonal” provocará nas pessoas o desejo de empatia pela história do outro. “A diferença para a época do Simona é que agora somos as maiorias – negros, mulheres, LGBTQIs – e estamos de mãos dadas. Naquele instante, ele tinha apenas a família ao seu lado. Não havia uma multidão a favor dele. Hoje estamos juntos, de verdade. Não apenas pelo social, mas pela conversa, pelos vários encontros para debatermos sobre o assunto e o quanto já aprendemos com essa história. Que não percamos de vista a possibilidade de estarmos juntos sempre, apoiando uns aos outros.”

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