Leonardo Torres

Coluna do Leonardo Torres: Não é o momento para criticar Pabllo Vittar ou qualquer artista LGBTQI+

Em sua coluna, Leonardo Torres fala sobre a importância de valorizar artistas LGBTQIs ao invés de criticá-los.

(Foto: ErnnaCost)

No segundo dia do ano, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma medida provisória que excluiu a população LGBTQI+ das diretrizes do Minitério dos Direitos Humanos (que virou Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). Na mesma ocasião, a ministra disse que “é o início de uma nova era: menino veste azul, menino veste rosa”, porque ela acredita que identidade de gênero é uma ideologia que deve ser combatida. Ela, em tese, deveria se preocupar com as “minorias”. O descaso do governo com pessoas LGBTQI+ é explícito e chegou ao extremo nesta semana, quando a maior voz gay ativa na Câmara, o deputado federal Jean Wyllys, foi obrigado a desistir de cumprir o mandato para o qual foi eleito por conta de ameaças de morte. Isso é gravíssimo. Jean vai deixar o Brasil porque ameaçam assassiná-lo caso ele insista em lutar politicamente por quem representa. Intimidado, pressionado e silenciado. O presidente, sem reconhecer a seriedade do assunto, twittou: “grande dia!”.

“Mas vai falar de política em site de música pop?” – você pode estar se perguntando.

Sim. Tudo é política. Qualquer contato entre dois ou mais seres humanos envolve política.

Comece a lidar com isso.

Já estou falando.

Nós, brasileiros, temos Jair Bolsonaro, que para o bem ou para o mal (depende do ponto de vista), promete fazer um governo inesquecível. Ele foi eleito democraticamente com 57 milhões de votos. É uma adesão enorme aos seus ideais. Por outro lado, nós, brasileiros, temos também Pabllo Vittar, a drag queen mais popular do mundo na era digital. Em outubro passado, às vésperas do primeiro turno das eleições, Pabllo se tornou a única artista brasileira a estrear todas as músicas de um álbum (“Não Para Não”) no Top 50 do Spotify. É também uma adesão enorme. O clipe de “Problema Seu” tem 65 milhões de visualizações – mais do que o número de votos que o presidente conquistou nas urnas. É uma dualidade que traz um equilíbrio necessário para a democracia.

Por que estou falando isso? Porque eu acredito que não é todo mundo que entende que Pabllo Vittar é uma importante aliada nos próximos quatro anos. É urgente assimilar isso. Pabllo, Aretuza, Gloria, Lia, Pepita, Lulu, Maria, Silva, Johnny, Mateus, Davi, Anavitória, Romero, Daniela, Preta, Mel, Liniker, Caio… são eles – e não qualquer outro artista ‘gay friendly’ – que realmente vão iluminar e dar visibilidade para as lutas diárias micro e macropolíticas das pessoas LGBTQI+ em um país extremamente discriminador, vivendo um crescente de preconceito. Nos primeiros dias do ano, após as atitudes intolerantes do ministério, foi Romero Ferro o primeiro artista musical que eu vi se pronunciar. Depois, Mateus Carrilho, depois Gloria Groove, e por aí vai. Vai se pronunciar quem sente na pele. É simples assim. Quem não se sente ameaçado rapidamente vira a página ou só se manifesta quando a hashtag vira moda. No atual cenário, ter pessoas LGBTQI+ no pop mainstream, capazes de se comunicar fora da bolha, é uma arma que eu valorizo. Sem ideias opostas, não há debate, não há reflexão e muito menos esclarecimento. É imprescindível que existam pessoas públicas capazes de fazer barulho. Representatividade importa, mesmo, e talvez mais do que nunca. Em menos de um mês de governo, o deputado gay teve que fugir do país. Há quem entenda o real significado disso e quem veja a notícia e siga em frente.

Grandes artistas heterossexuais, quando puderem, vão se isentar, como já fizeram tantas vezes antes. Não digo isso com demérito. Simplesmente não é uma luta deles. Cada um tem suas causas. Todos os dias, cantores são contratados por prefeituras para shows pelo país. Qualquer declaração de cunho político pode pesar no bolso. Não posicionar-se é uma estratégia para não se indispor com esquerdas, direitas e centros, e poder fechar contrato com todo mundo. A abstenção é financeiramente inteligente. Afinal, o artista quer mesmo é fazer show. Está certo. Nesta altura do campeonato, a comunidade LGBTQI+ já enxerga melhor com quem NÃO PODE contar. Isso é importante. Perder tempo reclamando disso, não. Ninguém é obrigado a lutar nossas lutas. O que se pode fazer – e é muito mais interessante e útil – é apoiar e fortalecer quem te representa.

Uso Pabllo Vittar como alegoria neste texto. Falo sobre ela, Lia, Gloria e todos cantores assumidamente LGBTQIs

Como eu posso dizer isso da maneira mais clara possível? Não é importante se você acha que Pabllo Vittar tem a voz irritante. Ou que a Lia Clark é vulgar. Ou que o bigode do Mateus Carrilho não é legal. Ou que a Gloria Groove… sei lá. Estamos no começo do que será um governo muito difícil para pessoas LGBTQI+ e todas essas figuras são muito necessárias. As drags e trans, principalmente, estão na linha de frente. Elas não podem ser enfraquecidas internamente, dentro da própria comunidade, e entre os fãs de música pop, que tendem a ser um público mais tolerante. Incentive esses artistas, apoie-os, ou cale-se. Você não precisa fazer um comentário negativo em todo post da Pabllo que aparecer na sua timeline. Lembre-se sempre que já existem milhões de brasileiros que irão destilar o ódio deles nesses posts. E não se engane: são pessoas que não odeiam só a Pabllo, mas o que ela representa, e ela também representa… você. Não se comporte como tais. Não faça coro para essas vozes. Se não pode ser amor, não seja ódio. Vá comentar nos posts de quem você gosta. Eu obviamente entendo as tretas e rivalidades entre fandoms (isso existe literalmente há séculos), mas agora é um episódio especial da história do Brasil, em que a rixa dos seus ídolos deve ficar em segundo plano. Não ataque e difame quem defende as mesmas causas que você, quem luta pelo seu direito de existir. Pabllo Vittar estar no mainstream é também um ato político. A ideia de “ninguém larga a mão de ninguém” tem que ser real. LGBTQIs brigando entre si é tudo que LGBTQIfóbicos querem ver. Eles não vão precisar nos matar se nós mesmos nos matarmos. Palavras matam. Enquanto alguns artistas gastavam vários stories para limpar a própria barra nos últimos dias, Pabllo Vittar usou o mesmo espaço para chamar a atenção para a depressão e o suicídio de pessoas LGBTQI+, informando uma maneira de buscar apoio. É disso que nós vamos precisar.

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