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Música Clássica virou POP na pandemia? Maestros comentam

Carlos e Felipe Prazeres | Foto: Acervo Pessoal

Pode ser difícil para as gerações Y e Z imaginarem que a Música Clássica foi pop um dia. Que o must have da estação era ir aos concertos, ouvir Beethoven e viajar no universo das notas e instrumentos de uma orquestra. Em meio a batidas e samples, charts, pisadinhas, traps, funks, e números exorbitantes de plays, a Música Clássica está de volta aos ouvidos dos jovens – pelo menos é o que mostra os números revelados recentemente pela Deezer.

De acordo com a plataforma de streaming, o estilo tem ganhado cada vez mais fãs e se reinventado, como comprova o estudo musical “Classical Revival“. Promovido pela Deezer, em parceria com a BPI e a Royal Philharmonic Orchestra (RPO), o relatório descobriu que o público entre 18 e 25 anos agora corresponde a um terço (34%) dos ouvintes de música clássica em todo o mundo – uma audiência que cresceu consideravelmente durante a pandemia.

Para comentar sobre o atual momento do gênero e contar sobre as ações promovidas pelas orquestras para impulsionar a renovação de público da Música Clássica, o POPline.Biz é Mundo da Música convidou os musicistas e irmãos, Carlos Prazeres (maestro da Orquestra Sinfônica da Bahia – OSBA) e Felipe Prazeres (spalla da Orquestra Petrobras Sinfônica – OPES) para trazer o olhar jovem, atento, e de quem está imerso nesse contexto.

Aumento de ouvintes durante a pandemia

Cerca de 35% dos entrevistados na pesquisa da RPO sentem que a música orquestral os ajudou a relaxar e manter uma sensação de calma e bem-estar durante o período de restrição ocasionado pela pandemia do coronavírus. Além disso, outros 18% dizem que ouvir “levantou seus espíritos”.

Para o maestro Carlos Prazeres, há alguns fatores que podem ter contribuído para este aumento exponencial de jovens consumindo música clássica. “O primeiro deles é que a pandemia mudou a nossa noção de tempo. A música clássica necessita ser apreciada de forma meticulosa e o tempo é fundamental para isso”, revela.

Carlos Prazeres | Foto: Gabrielle Guido/Divulgação

Para ele, a juventude, que muitas vezes só escutava música nas festas, nos bares ou mesmo na academia, se encontrou no ambiente perfeito para o consumo deste gênero: a paz da sua casa.

Outro fator pontuado pelo maestro de grande importância é que, “ao se deparar com uma pandemia, algo novo e amedrontador, o jovem pode ter sido atraído por uma música que lhe conecte com algo superior, que dialogue com o inconsciente e que tenha o peso histórico que a pandemia nos imprime”, comenta.

Para Felipe, que participa de uma orquestra que já trabalha olhando para esse público ativamente mesmo antes da pandemia, houve uma migração do público do “ao vivo” para as redes e que esse movimento também impulsionou que as orquestras começassem a gerar mais conteúdo para internet do que outrora. “Talvez isso venha ao encontro de mais jovens estarem procurando também esse tipo de conteúdo na música clássica, o que me deixa, particularmente, muito feliz”, revela o spalla.

Felipe Prazeres | Foto: Renato Mangolin/Divulgação

Renovação de público

Nos últimos anos, o mercado tem acompanhado o movimento da música clássica rumo a essa renovação de público. Seja criando concertos temáticos, mais populares, ou ações de comunicação que tragam o jovem para perto, tornando o gênero acessível e dando ao público o sentimento de pertencimento a este movimento.

Na OSBA, a presença do público jovem tem crescido exponencialmente nos últimos anos em seus concertos. “Posso dizer que isso é a consequência de uma nova forma de atrair esta parcela do público e, por conseguinte, renovar nossa audiência”, revela o maestro Carlos Prazeres.

“Projetos como o ‘Cineconcerto’, onde todos os músicos tocam fantasiados de personagens de cinema ou o OSBA + , onde misturamos a música clássica com ícones do Pop, como fizemos com Beethoven e BaianaSystem, ajudaram a fazer algo essencial: mudar a imagem da orquestra”, conta o maestro.

Ainda segundo ele, algo que, por tradição, tinha uma cara tradicional e arraigada, hoje passa a simbolizar inovação. “Assim, os jovens também são atraídos para os próprios concertos tradicionais da orquestra (como a nossa Série Jorge Amado, sem qualquer presença da música popular), onde cuidamos da parte visual e de comunicação, dando um toque inovador ao mais sério dos concertos”.

O “Cineconcerto” é considerado a porta de entrada dos jovens e o projeto mais popular da OSBA. Já foram realizadas 18 edições com mais de 50 mil espectadores – uma delas virtual durante o período de quarentena. Além deste, a orquestra também promoveu durante a pandemia o “São João Sinfônico”, com músicas de Gilberto Gil, Geraldo Azevedo, Bule-Bule, Mariana Aydar e outros, só clássicos da tradicional festa nordestina. O projeto teve mais de 37 mil visualizações.

Dentro da OPES esses projetos especiais também ganharam muito espaço e notoriedade frente ao público jovem. A Orquestra tem como uma de suas premissas a democratização da música de concerto e desde sua fundação realiza ações visando a realização desse objetivo.

Desde 2016, é possível acompanhar esse movimento com concertos de repertórios populares com uma releitura sinfônica, como Los Hermanos, Metallica, Pink Floyd, Michael Jackson e Coldplay, o mais recente, estreado em dezembro de 2020.

“Somos pioneiros em determinados formatos que foram construídos especialmente para formação de público e para atrair o público mais jovem a usufruir de um potencial de uma orquestra sinfônica, que pode executar desde Vivaldi e Beethoven, até Metallica e Queen”, destaca Felipe.

Desde abril de 2020 a orquestra intensificou a produção de conteúdo com intuito de disponibilizar vídeos de concertos no YouTube. Uma forma que encontrou para se relacionar com o seu público, agora através do digital. De lá pra cá, somou 4.4 milhões de visualizações e alcançou mais de 36 mil novos seguidores no seu canal, beirando a marca de 50 mil. E propôs um novo desafio: “ser o canal de música clássica com o maior número de seguidores do país”.

Estão disponíveis no canal da orquestra vídeos de concertos que agradam a todos os gostos e idades, do rock ao clássico: “Bohemian Rhapsody”, da banda Queen, da Série Convidados, com nomes como Nando Reis e Lucy Alves. Já para a criançada, estão disponíveis “A Arca Sinfônica” – com músicas de Vinícius de Moraes, e “Magia das Cores Sinfônica” – em parceria com o Mundo Bita. Da série clássica, estão disponíveis vídeos com músicas de Ludwig Van Beethoven, Tchaikovsky e Heitor Villa-Lobos.

Mas, afinal, a Música Clássica é POP?

Segundo Felipe Prazeres, a música clássica não está em concorrência com os demais gêneros. Não há uma busca por charts ou por estar entre as 10 mais escutadas das plataformas. Para ele, “a música clássica foi pop por algumas décadas, mas nunca bateu de frente com sucessos da música popular”.

“Eu penso que a música clássica tem o seu lugar, e que com o passar dos tempos, ela continua no seu lugar. Com mais pessoas se interessando ou menos, dependendo do momento, mas ela fica no seu lugar”, revela.

Já para Carlos, é justamente onde se deu este “elo perdido” com o público, que ele usa como objeto do estudo e ações. “Acho que a música clássica pode sim ser mais acessível a todos sem distinção etária ou de classe social. Em certo momento deixamos de fazer parte do dia a dia para entrar em círculos acadêmicos e sociais absolutamente excludentes”, desabafa.

“Voltar a fazer parte do povo e descobrir os meios para isso é o nosso dever. No entanto, não enxergo como meta o “bater de frente” com os figurões do pop, afinal são objetivos diferentes”, declara o maestro.

Para ele, parte da música pop é pensada comercialmente. “A duração, de aproximadamente três minutos, permite uma imensa gama de intervalos comerciais. Os chavões simples, os famosos ‘chicletes’, aqueles que grudam no ouvido, são propositalmente pensados para o faturamento nas plataformas digitais. Seria impensável competir com eles, nosso objetivo deve ser outro”, finaliza.

Essa matéria foi escrita em um dia nublado e chuvoso, ao som da OSBA e da Orquestra Petrobras Sinfônica, e a repórter, de 31 anos, garante: é de arrepiar.

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