Maricota, abelha-rainha, menina dos olhos de Oyá. Pedro Bial, quando criança, a viu e ouviu assim pelas mãos do pai, que o levou ao teatro para conhecer o mundo no musical Opinião. Por sua voz, o apresentador conheceu também a Baixa do Sapateiro, o tabuleiro da baiana e a cadeira do barbeiro. E, tão pequeno, se sentiu grande. Como ela, que cresce “uns três metros” cada vez que pisa, descalça, no palco. Agora, o lugar que reverencia Maria Bethânia é o estúdio do ‘Conversa com Bial’, que se curva à “voz clara como trovão e leve como o cheiro da terra alegre de chuva”. As palavras embargadas do apresentador, meio século depois de maravilhar-se com a força daquela baiana, abrem o programa desta sexta-feira, dia 3.
Bethânia entra cantando “Purificar o Subaé”, mas é com “Pronta para cantar”, gravada com a norte-americana Nina Simone em 1988, que ela deixa Bial mais uma vez emocionado – e um tantinho vermelho – ao dizer que a apresentação da canção, no programa, foi feita afetuosamente pra ele. Com “Olhos nos olhos”, a cantora é acompanhada pelo coro mudo da plateia, que nem se atreve a abafar sua voz. E o carinho é agradecido com a interpretação de “Santo Amaro”, música em homenagem à terra natal, também lembrada durante a entrevista. “Já não penso tanto em ser cremada, mas sim enterrada em Santo Amaro. Gosto da ideia de emprestar meu corpo para a terra do meu lugar. Prefiro ser adubo”, diz.
Bethânia ainda declara seu amor à cidade ao confirmar que, todo janeiro e fevereiro, percorre suas ruas na festa de Nossa Senhora da Purificação – um vídeo exibido pelo programa em que a cantora aparece, suada e de cabelos presos, junto ao povo a diverte e emociona. Ela também revê uma entrevista com o irmão, Caetano Veloso, a quem tem como grande companheiro – foi ele, inclusive, quem escolheu seu nome de batismo depois de ouvir uma valsa do músico Capiba, gravada por Nelson Gonçalves.
A Bial, Bethânia conta que inicialmente Caetano tinha medos bobos relacionados a religiões e que achou que seria difícil convencê-lo a ir ao terreiro de Mãe Menininha de Gantois, mas o irmão não titubeou em acompanhá-la no Candomblé.
Das histórias de família, Bethânia recorda, com um alegre suspiro, do pai inundando os corredores da casa com poesia: “Ele e seus amigos conversavam assim. As palavras voavam soltas e eu, criança, tentava pegá-las como a um balão”. A lembrança responde ao comentário de Bial sobre o fato de a cantora viver em estado de poesia. “Pedro, eu vivo na realidade, mas gosto de devaneios. A realidade é insuportável, como as provas de matemática eram insuportáveis pra mim, na fase escolar. Eu fico tão nervosa na véspera dos meus shows que até hoje sonho com provas de matemática nos dias em que me apresento”, completa arrancando gargalhadas da plateia. O momento se repete por várias vezes durante a entrevista.
Bethânia está alegre e corajosa, como ela mesma enfatiza ao afirmar que “felicidade não há”, mas também brincalhona: ela debocha de Bial, diz que é namoradeira, solta um tímido “Bom demais!” ao confirmar o namoro com Fábio Jr. e conta histórias hilárias do irmão. Quem a conhece bem diz que fazer graça é raro, assim como raras são as aparições na TV.
Pra dormir, ela confessa que gosta de ler histórias em quadrinhos: “Da Turma da Mônica, de super-heróis, justiceiros…”. E, caso lembre dos sonhos ao acordar, anota-os imediatamente para não esquecê-los. “Num caderno?”, pergunta Bial. “Em qualquer pedaço de papel, até em bula de remédio”, conta. Depois de brindar a todos com mais uma canção, ela se despede da plateia com uma suave saudação e logo, como é comum em seus shows, ergue o braço direito, abre a mão ao céu e some por trás do cenário do programa, em meio aos aplausos.