Se os críticos lhe davam apenas “seis meses de existência”, a melhor resposta que Madonna poderia dar seria “permanecer por aí”. Nesta quinta-feira (6), um dos maiores e mais longevos ícones vivos da cultura pop celebra 40 anos do lançamento de seu primeiro single, “Everybody“. Foi o primeiro capítulo de uma carreira que acumulou números astronômicos e que ditou as regras para todas as cantoras (e por que não cantores?) que desejavam ser um artista global.
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Não há cantora que ouse questioná-la: de Britney Spears à Dua Lipa, de Christina Aguilera à Taylor Swift. Artistas bem diferentes como P!nk, Adele, Miley Cyrus e Rosalía reconhecem sua influência. Lady Gaga a definiu como “a maior popstar de todos os tempos” em entrevista ao DJ Zane Lowe.
Beyoncé soltou um remix de “Vogue” e “Break My Soul” que é pura devoção: “Rainha Mãe Madonna, eu te amo“, canta sem que elas sejam necessariamente amigas. Ok, Mariah Carey talvez seja a exceção nesta lista. Afinal, conhecemos o tamanho do ego da intérprete de “My All“…
Mas para contar essa história é preciso voltar à 1979. Madonna já vivia há dois anos em Nova York, onde corria atrás do sonho de ser uma dançarina profissional. A música apareceu em sua vida de forma acidental, quando o então namorado Dan Gilroy a convidou para ingressar na Breakfast Club, sua primeira experiência numa banda de rock. Lá aprendeu a tocar bateria, guitarra e tomou gosto pelos holofotes ao assumir os vocais.
Um ano depois, ela forma a Emmy and The Emmys com Stephen Bray, ex-namorado dos tempos em Michigan (sua cidade natal). Ao seu lado gravou uma fita demo com quatro faixas, mas que não resultou em algo próspero. Ansiosa pela fama, decidiu lançar-se em carreira solo em 1981 e começou a compor com mais frequência. Foi nesta safra que surgiram canções como “Burning Up“, “Lucky Star” e “Everybody“.
Mas foi por causa de um encontro no famoso clube Danceteria (e uma boa lábia) que a sorte começaria a sorrir para Madonna. Ela convenceu o DJ Mark Kamins a tocar “Everybody” durante seu set. O público adorou e então ele fez a proposta de um contrato de gravação, desde que ele produzisse o single. Acordo feito e eles foram até a Sire Records para conversar com os executivos.
Mas ela não é negra?
As gravações de “Everybody” aconteceram no Blank Tapes Studios e não correram de forma tranquila. O orçamento baixo e a inexperiência de Kamins na produção aliada à impaciência da artista novata deixaram o ambiente explosivo. Mas a história curiosa sobre este single não está propriamente em Madonna – mas em sua ausência.
A capa do single foi produzida por Lou Beach, artista plástico que criou uma representação distópica dos subúrbios novaiorquinos – mas sem a foto de Madonna na capa. Ao ser lançado naquele 6 de outubro de 1982, ninguém sabia como era o rosto da cantora que imprimia uma voz sensual em cima de uma batida dançante e pitadas de r&b. Ao acreditarem que Madonna seria negra, as rádios voltadas para o público afro-americano começaram a tocar “Everybody” (e a gravadora se divertiu por algum tempo com isso).
Para desfazer a confusão, os executivos liberaram uma pequena verba para a gravação de um clipe. Ed Steinberg foi recrutado para a missão, mas teria apenas US$ 1.500 para a produção. O montante representava 10% da verba destinada para os clipes de Michael Jackson ou Duran Duran naquela época.
Por mais simplória que fosse a produção, o profissionalismo de Madonna já chamava atenção dos executivos. Com a ajudinha de amigos como Debi Mazar (com quem ainda mantém amizade), o clipe foi gravado em uma danceteria. Dois dançarinos e um jogo de luzes: era o suficiente para que houvesse um videoclipe. Com ele finalizado, várias fitas foram enviadas para discotecas pelos Estados Unidos. Enfim, o rosto escondido na capa do single seria descoberto por milhões de estadunidenses.
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Não foi um grande hit, mas…
Por mais que os executivos da Sire Records demonstrassem empolgação, ainda levaria algum tempo para que investissem de verdade naquela promessa. Com isso, “Everybody” não teve bom desempenho nos charts. Sequer chegou à Billboard Hot 100, mas graças às discotecas, alcançou um honroso 3º lugar na parada Dance.
Em seu livro “Media Culture: Cultural Studies, Identity, and Politics Between the Modern and the Postmodern”, Douglas Kellner observou que em seu primeiro vídeo, Madonna já estava implantando moda, sexualidade e a construção de uma imagem individual para se apresentar como um sedutor objeto sexual e como transgressor de normas estabelecidas.
Desde então – entre polêmicas, sucessos e (poucos) fracassos – são quatro décadas de uma vida artística sem precedentes. E a melhor explicação para tamanha longevidade foi dita por ela própria em 2016: “Eu posso ter chocado o mundo cantando sobre gravidez na adolescência, por ter queimado cruzes em videoclipes e simulando masturbação no palco. Mas acho que a coisa mais polêmica que já fiz foi permanecer por aí“.