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Festa no vale! É lançado 1º livro ‘young adult’ brasileiro com beijo de dois garotos na capa

“O Primeiro Beijo de Romeu” é inspirado em censura que marcou a Bienal do Livro do Rio em 2019, quando o prefeito quis tirar HQ de circulação por trazer ilustração de um beijo entre dois homens.
Festa no vale! É lançado 1º livro 'young adult' brasileiro com beijo de dois garotos na capa
(Foto: Divulgação)
ERRATA – Trata-se da primeira capa com beijo entre dois garotos em uma obra young adult nacional publicada por uma grande editora. Livros independentes já haviam feito antes.

O livro “O Primeiro Beijo de Romeu” virou notícia em tudo quanto é lugar antes mesmo de seu lançamento, nesta terça (16/11), por conta de sua capa. É a primeira vez que uma obra nacional do segmento ‘young adult’ traz a ilustração de um beijo entre dois homens. A imagem não é à toa.

Festa no vale! É lançado 1º livro 'young adult' brasileiro com beijo de dois garotos na capa

(Foto: Divulgação)

O autor do livro é Felipe Cabral, roteirista e ator, que estava na Bienal do Livro do Rio, em 2019, quando o prefeito Marcelo Crivella censurou uma HQ por trazer a imagem de dois homens se beijando. O caso, antidemocrático, gerou uma onda de protestos e marcou Felipe. “Foi muito tenso estar no meio daquele turbilhão. Eu tenho orgulho daquele protesto pelos corredores do evento, com as pessoas levantando no alto seus livros LGBTQIA+, mas aquela marcha improvisada foi uma reação diante de um horror que estava acontecendo”, o autor diz ao POPline.

“Quando eu entrei na Arena #SemFiltro, li um manifesto a favor da democracia escrito pela própria Bienal do Livro. Foi impossível não se emocionar. Quando você precisa ler um manifesto a favor da democracia, você percebe que ela está em risco”, completa.

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(Foto: Instagram @felipecabralrj)

A ideia para o livro surgiu um mês depois na cabeça do escritor. Na história, Romeu é arrancado do armário para toda escola quando está prestes a dar seu primeiro beijo. Ao mesmo tempo, descobre que o livro que seu pai lançaria na Bienal foi censurado pelo prefeito… por trazer a ilustração de um beijo entre dois caras. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

“Pensei como seria para alguém que ainda estava no armário, que fosse bem mais novo do que eu, ligar a TV e ver o Prefeito da sua cidade censurando um beijo igual ao que você deseja dar. Que peso tem uma autoridade pública ser declaradamente homofóbica para uma pessoa LGBT ainda adolescente e ainda construindo uma visão positiva de si mesma?”, reflete Felipe Cabral.

POPLINE – A capa do livro chama atenção, por ser inédita no segmento young adult. Até fazer, você sabia que nunca havia sido feito?

FELIPE CABRAL – Desde o começo do processo de escrita, eu e a Rafaella Machado, minha editora, tínhamos o desejo que a capa fosse a ilustração do beijo entre o Romeu e o Aquiles, seu melhor amigo e crush. Não por polêmicas, mas porque o beijo é central para minha história. Quando Romeu vai dar seu primeiro beijo, é interrompido pelo filho do Prefeito do Rio, que o tira do armário para toda escola. Mais tarde, o livro que o pai do Romeu lançaria é censurado pelo próprio Prefeito devido a uma ilustração de dois meninos se beijando. Acostumado a negociar cada selinho dado na televisão aberta (na novela “Bom Sucesso” eu escrevi o primeiro beijo gay do horário), fiquei surpreso e feliz quando a Rafaella se mostrou disposta a colocar o beijo na capa. Na própria Galera Record, ela já havia publicado o livro “Dois garotos se beijando”, do David Levithan, com a silhueta de dois meninos se beijando. Mas nós sabíamos que seríamos os primeiros a colocar uma ilustração com um beijo bem nítido na capa de um YA nacional publicado por uma grande editora. Sem falar que a ilustração do Johncito é perfeita. Não podia ser melhor.

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(Foto: Instagram @felipecabralrj)

POPLINE – De onde veio a inspiração para o personagem Romeu?

FELIPE CABRAL – Escrever esse personagem foi uma oportunidade de voltar aos meus medos de quando eu mesmo tinha dificuldade em me aceitar como um garoto gay, com um recorte que abrange uma realidade que não é a minha, já que o Romeu é um menino negro. A decisão de colocar o Romeu como um garoto preto se deu porque eu já vinha escutando uma demanda muito forte por personagens negros LGBTQIA+, uma constatação de que a maioria das narrativas escritas ainda eram protagonizadas por personagens brancos, o que fazia com que muitas pessoas ainda não se sentissem representadas. Juntou-se a isso, o fato de que o Romeu foi adotado tardiamente, aos 10 anos. Já tendo feito uma pesquisa semelhante sobre adoção para a reta final da novela “Totalmente Demais”, onde fui colaborador, eu sabia que o perfil mais desejado no Brasil pelos candidatos à adoção são bebês do sexo feminino brancos. Então, fazia muito mais sentido o Romeu ser negro, caso contrário, seria um embranquecimento de uma realidade.

POPLINE – Por que o nome Romeu?

FELIPE CABRAL – Já sobre o nome, foi um acaso (risos)! Eu tinha adotado um cachorrinho chamado Romeu há uns anos e achei que também seria um nome fofo para essa história. Como a história se passa na Bienal do Livro, gostei do protagonista já ter um nome que todos imediatamente relacionam com um clássico da literatura.

POPLINE – O livro trata do primeiro beijo de Romeu. Como foi o seu primeiro beijo?

FELIPE CABRAL – O primeiro primeeeiro não conta (risos)! Eu devia ter uns 12 ou 13 anos e beijei uma menina no condomínio onde eu morava, mas aquilo não fazia o menor sentido pra mim. Eu estava só tentando me encaixar no círculo de amizades da época, me enturmar com os outros meninos e, por isso, precisava gostar de alguma menina também. Mas o meu primeiro beijo em outro homem, que aí sim, eu considero meu primeiro beijo, foi em 2006, quando um amigo meu estava se mudando para a Suécia e eu, claro, tinha que gostar justo de quem estava indo para outro país. Então, na festa de despedida dele, simplesmente comecei a chorar e a sair do armário para toda nossa turma de teatro (eu fazia o Tablado, no Jardim Botânico). No fim da festa, nós ficamos e ele foi embora. Mas somos grandes amigos até hoje.

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(Foto: Instagram @felipecabralrj)

POPLINE – Dois anos depois daquela tumultuada Bienal, você chega com seu livro – com um beijo entre dois garotos na capa. Acredita que pode haver alvoroço similar de novo?

FELIPE CABRAL – Olha, há poucos dias eu vi meu livro impresso pela primeira vez e muito em breve ele já estará nas livrarias e começará a ser visto pelas pessoas nas vitrines das livrarias, nos shoppings. Eu não sei o que pode acontecer, mas estaria mentindo se dissesse que não estou preocupado. Há poucas semanas, com o beijo do filho bissexual do Super-Homem, em um quadrinho que ainda nem foi lançado lá nos Estados Unidos, já teve um rebuliço nas redes. E não só nas redes, mas na vida real. Ilustradores e autores do quadrinho foram ameaçados de morte lá fora e tiveram que ter suas seguranças reforçadas. Então, óbvio que espero não passar por nada disso aqui, mas também não sou ingênuo de ignorar em que país eu vivo e qual nosso contexto político atual. O que me conforta é saber que conto com o apoio integral de toda a editora, que já conversou comigo que me dará todo suporte necessário.

POPLINE – Você tem um canal no YouTube onde fala de livros com temática LGBTQIAP+. De que modo seu trabalho no canal influenciou na escrita do livro?

FELIPE CABRAL – O “Eu Leio LGBT” me proporciona ler mais livros com protagonismo e/ou autoria LGBTQIA+. A ideia quando criei este espaço no Instagram e Youtube era compartilhar essa literatura e mostrar que nós tínhamos obras com as quais podíamos nos identificar. Esse ímpeto permanece na escrita do livro. A história se passa quase toda em uma Bienal do Livro, os personagens são apaixonados pela literatura, citam várias referências ao longo da história, comentam sobre outros livros, tal qual fizemos em “Bom Sucesso”. Assim como a novela queria incentivar os espectadores a irem atrás dessas histórias citadas e a tomarem gosto pelo hábito da leitura, com “O primeiro beijo de Romeu” eu também quero gerar esse movimento nos leitores. Como uma espécie de caça ao tesouro, eu espalhei 182 títulos de livros LGBTs pela história e, ao final, compartilho essa lista para que os leitores possam ir atrás. É um livro para apaixonados por livros.

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