Chegou a hora de pagar a conta. As “lives” no YouTube surgiram como uma alternativa financeira para artistas de pequeno, médio e grande porte impossibilitados de fazer shows por causa do coronavírus. Muita gente faturou alto, até milhões de reais. Compositores, no entanto, estavam sem receber nada por isso. Agora, o jogo virou. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e a União Brasileira de Editoras de Música (UBEM) vão cobrar taxas que somam 10% por direitos autorais das músicas tocadas nas lives patrocinadas.
A novidade foi divulgada pelo G1 nesta quarta (24/6) e dividiu o setor. Enquanto compositores comemoram, alguns produtores e empresários reclamam nos bastidores. Como as equipes dos artistas fecham contratos de patrocínio diretamente com as empresas, sem intermédio do YouTube, essa conta terá que ser paga por elas. O ECAD cobra 5% de direitos autorais e o UBEM mais 5%. Desde 2018, o YouTube já paga 4,8% de seu faturamento com execução de músicas ao ECAD. A nova cobrança soma-se à antiga.
“Como empresário e como compositor, acho justíssimo. É uma readaptação. O mercado vai evoluindo, as pessoas vão entendendo novas formas de monetização, e essa divisão contempla nada mais do que o justo. É uma lógica similar ao que já acontece no mercado de shows tradicional”, diz Tiê Castro, empresário de artistas como DAY e Carol Biazin. Ele defende, em entrevista ao POPline, que toda a cadeia criativa seja remunerada.
Como funciona a cobrança de direitos autorais?
O ECAD é responsável pelo garantimento e pela remuneração dos direitos autorais dos compositores. Quando um cantor, grupo ou banda faz um show, é necessário pegar uma taxa ao ECAD pelas músicas utilizadas na setlist. Com as lives, apenas os intérpretes estavam sendo remunerados, os compositores não. Gusttavo Lima chegou a embolsar R$ 3 milhões com uma única “live” realizada em sua casa, com a venda de três cotas de patrocínio de R$ 1 milhão. Atualmente, artistas podem ganhar tanto R$ 1 mil quanto R$ 1 milhão com essas transmissões. As de música sertaneja são as mais lucrativas. Compositores assistiam a essas notícias de longe, sem nada pingar na conta corrente.
Claudio Palladini, autor de músicas de Chitãozinho & Xororó e também de Sandy & Junior, explica ao POPline que a regra é bem simples. Se você realizou um evento que gerou receita, utilizando músicas de outras pessoas, elas devem ser remuneradas. “Elas foram parte das matérias primas utilizadas para a geração dessa receita. É o mesmo princípio de uma loja que coloca música para tocar, porque faz bem para os clientes, então a música faz parte dos insumos dessa loja e, portanto, os autores têm que ser remunerados“, aponta.
Decisão vale de forma retroativa
A decisão é retroativa: vale para todas as lives patrocinadas já realizadas desde março e para as que serão feitas de agora em diante. A novidade vai impactar o bolso de produtores e empresários e também gera divergência de opiniões. Renan Augusto, empresário do cantor Jão, discorda da cobrança retroativa:
“Isso pode pegar bastante gente de surpresa. As pessoas não sabiam, então muitas vezes esse dinheiro já foi distribuído, já foi gasto com outro coisa, já foi pago o artista… Eu acho que isso pode ser mais um problema para as produtoras. Mas acho uma mudança positiva daqui para frente. Que bom que organizou”.
O compositor Claudio Paladini, por sua vez, defende que seja sim retroativo. “Se houve rendimento, receita, e tem como captar quais foram as músicas utilizadas, isso tem que pagar direito autoral”, diz ao POPline. Paladini só se preocupa da maneira que isso será feita. “Não pode haver corrupção. Tem que ser feito dentro da lei, seguindo regras que já existem”, opina. Renan Augusto também levanta essa questão: “online, não sei até que ponto isso vai conseguir ser operacionalizado”. A diretora executiva da União Brasileira de Editoras de Música (UBEM) Michaela Couto, no entanto, diz que será preciso “confiança”. O produtor da live que declara qual o lucro com patrocínio.
As taxas são apenas para lives lucrativas
O ECAD explicou que não haverá cobrança para lives pequenas, sem patrocínio. Além disso, dará desconto de 50% para as lives musicais que sejam beneficentes para o mercado da música, ou cuja renda só cubra a montagem e o cachê o artista.
Em abril, o escritório K2L realizou o festival online “O Show Tem Que Continuar”, para arrecadar fundos para os profissionais da música que estão sem remuneração por conta da suspensão da agenda de shows. MC Rebecca, Jon Jon, e Gabily foram algumas das atrações. Essa é uma live que não precisa pagar os 5% ao ECAD e ao UBEM, por ser beneficente para o setor.
Decisão aponta para mudanças no mercado
Em condição de anonimato, produtores disseram ao G1 que não consideram justa a cobrança de direitos autorais. Disseram que o ECAD “está crescendo o olho”. Alguns temem que a taxação esfrie o setor em um momento em que não há outras alternativas para os artistas. O empresário do Jão discorda. Ele acredita que o impacto será no modelo de live. “Já está caindo bastante. É um modelo que já está se mostrando um pouco esgotado, mas é a única opção que a gente tem no momento”, diz Renan.
“Acho que diminuir não vai, mas vai doer mais no bolso. Algumas pessoas vão pensar um pouco mais na hora de fazer. É igual show: a gente produz e essa é uma taxa que óbvio que impacta. Vem o impacto financeiro na cabeça na hora, mas a gente tem que entender que é o trabalho deles e que devem ser remunerados. Acho que não vai impactar no sentido de volume, até porque quem está ganhando com as lives já está ganhando muito. Eu acho que acaba entrando numa conta de imposto. Você já sabe que vai ter que pagar aquilo”, vislumbra.
O empresário de Day e Carol Biazin vê essa taxação como o início de uma reflexão sobre as novas maneiras de remuneração do setor produtivo. Tiê acredita que a cobrança do ECAD e do UBEM pode abrir porta para outras participações de compositores na receita de artistas. “Quando Fulano de Tal aparece com cueca Calvin Klein no clipe, oq ue acontece na prática para o compositor? Diretamente, nada. O artista é remunerado, seja com cachê ou com investimento direto no clipe. É um movimento moderno. São temas que vão começar a surgir cada vez mais. A gente não pode esquecer de remunerar a cadeia”, levanta a questão.