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Especial 2010/2019: entenda a “newstalgia”, onda que influi em fenômenos da música pop


(Foto: Divulgação / Manuela Scarpa / Brazil News)

Da entrada de Pepê & Neném em “A Fazenda” até a megaturnê de alto faturamento de Sandy & Junior, os anos 2010 foram marcados por retornos musicais no cenário nacional. Já existe até um nome para essa onda cultural: “newstalgia”. A junção das palavras “new” (novo) com “nostalgia” indica justamente esse novo tratamento, contemporâneo, para algo do passado que deixa saudade – daí o resgate. Em outras palavras, uma reinterpretação do passado. Sandy gostava de dizer que os shows que estava fazendo com o irmão eram uma chance para eles e o público “escreverem novas histórias”. É mesmo por aí.

Neste hiato de quase doze anos, enquanto dupla, nossos fãs nunca deixaram de pedir ao menos um reencontro, mesmo sabendo de nossas escolhas artísticas individuais. A gente tem total consciência de que hoje eles são adultos, curtem novas sonoridades, mas acho que muitos devem se recordar do som que fazíamos na infância e adolescência com o mesmo carinho com que nós dois recordamos. E hoje as playlists podem proporcionar essas lembranças com muito mais facilidade. – fala Junior Lima, que saiu ainda mais rico desse “comeback”. Dos 10 shows inicialmente previstos, a turnê de reunião com Sandy totalizou 18 apresentações, com direito a paradas em Nova York e Lisboa, gerando um faturamento de R$ 120 milhões com a venda de 567 mil ingressos.

A “newstalgia”, como tendência de consumo, passou a ser teorizada muito recentemente. Mas o nome apareceu em 2013 como título de um álbum do rapper americano Time. A reinterpretação do passado acontece na moda (a explosão do “vintage”), no cinema e na TV (os “remakes”, “revivals”, “spin-offs” e “prequels”, em ambos os casos), mas é sobretudo na música que é mais facilmente compreendida. Uma pesquisa de 2018 da Deezer, realizada com cinco mil entrevistados no Brasil, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha e na França, mostrou que as pessoas param de descobrir novos artistas, em média, antes dos 30 anos. Mais precisamente, 27 anos. No Brasil, acontece ainda mais cedo, aos 23 anos. Isso quer dizer que, depois dessa idade, o ouvinte já tem seu gosto musical formado e apresenta maior resistência para novidades. Querer de volta o que já conhece, então, faz muito sentido.

Para Li Martins, do Rouge, o público sempre será saudosista com o que marcou sua infância e adolescência. “Eu acredito que tanto o Rouge quanto Sandy e Junior marcaram uma geração e esses retornos são uma maneira de matar saudade mesmo, ouvir aquela música que te lembra a infância e a adolescente”, diz ao POPline.

Sem nenhuma música nova, o grupo Rouge e a dupla Sandy & Junior viraram notícia por esgotarem ingressos para shows de retorno em minutos. Em 2017, pegando todo mundo de surpresa, a girlband voltou aos palcos para quatro apresentações na festa “Chá da Alice”. O público? Justamente uma galera na casa dos 30 anos – que se apaixonou pelo grupo quando era criança ou adolescente. O sucesso da quebra de hiato do Rouge foi tanto que elas entraram em turnê, cantaram em estádio, quebraram recordes de audiência ao aparecerem em programas da TV Globo e assinaram contrato com a Sony Music para distribuir seu catálogo digitalmente e lançar impensáveis singles, clipes e um álbum novo. O que era para ser uma celebração pontual durou mais de um ano – para alegria dos fãs.

O saldo da experiência com o retorno do Rouge foi totalmente positivo: a gente teve esse reencontro com os fãs, e eles puderem matar essa saudade. Eu acho que era esse o grande desejo: rever nós cinco juntas e ouvir aquelas músicas que marcaram a época de colegial. Ter a oportunidade de reviver isso foi um grande prazer, um grande presente. – avalia Li Martins.

(Foto: Beto Vilela/Divulgação)

Entre 2010 e 2019, Br’Oz, Wanessa Camargo e Kelly Key também voltaram para o pop, dadas as devidas proporções e diferentes contextos. Além disso, o KLB quer fazer seu retorno em 2020, para comemorar o 20º aniversário de seu primeiro álbum, que traz sucessos como “A Dor Desse Amor” e “Ela Não Está Aqui”. Quer mais? Xuxa, uma das maiores vendedoras de álbuns do país, fez seu retorno aos palcos, “só para altinhos”. Nada mais pop do que a rainha. A pedido dos fãs, que cresceram, ela desceu da nave de novo, de botinha e peruca, acompanhada de paquitas drag queens (captou a “newstalgia”?), cantando “Doce Mel” – clássico infantil de 1986. Sua turnê, que começou por casas de shows de pequeno e médio porte, chegou à Arena Fonte Nova em Salvador em 2017 – mesmo local em que Sandy e Junior colocaram 15,8 mil espectadores em 2019.

Eu acredito que existem artistas que marcam a vida do público de uma maneira muito especial. – diz o empresário Pablo Falcão, criador da festa “Chá da Alice”, responsável por levar Xuxa, Rouge e Kelly Key de volta aos palcos – Então quando, anos depois, esse artista retorna é como se o público pudesse voltar no tempo e viver aquela fase de sua vida novamente. Se você reparar bem, todos esses artistas tocaram num lugar muito lindo da vida do público: a infância. Poder viajar no tempo e voltar a ser aquela criança pura e cheia de sonhos depois de já ter passado por tanta coisa enquanto adulto, é recuperar, mesmo que por um momento, a esperança em mundo melhor.

De todos os retornos nacionais, Sandy & Junior foram os mais bem sucedidos – com uma turnê produzida pela Live Nation. O maior público foi o do último show, no Parque Olímpico do Rio de Janeiro – onde é realizado o Rock in Rio: 100 mil pessoas. O faturamento desta apresentação foi pontuado até pelo jornal Washington Post. E tudo poderia ter sido ainda maior. Em entrevista a Sabrina Satto, Junior Lima contou que, ao invés de quatro shows com 184 mil ingressos esgotados no Allianz Parque em São Paulo, a Ingresso Rápido os informou que havia uma demanda para oito shows no mesmo local. Matematicamente, isso resultaria em 368 mil ingressos vendidos só na capital paulista. Mas a dupla não queria estender muito a celebração: tinha que ser pontual, com caráter de imperdível. Ainda assim, os fãs ganharão presentes em 2020, pois estão anunciados os lançamentos de um DVD e de uma série documental na Globoplay.

Na minha opinião, para um “comeback” funcionar, acredito em dois pontos chaves: a dimensão que esse artista teve na sociedade e o momento que ele “atingiu” a vida do público. Se na infância, a probabilidade de ser um grande sucesso é imensa. – pondera Pablo Falcão, que também sempre foi entusiasta da reunião de Sandy e Junior.

A “newstalgia” na música não é uma tendência nacional, claro. Na mesma década, Janet Jackson, Spice Girls, Jonas Brothers, McFly, Ashley Tisdale e Pussycat Dolls também voltaram aos holofotes. Se você ainda torce pela volta do RBD, do ‘N Sync, do One Direction ou do Fifth Harmony, você já vive a “newstalgia” em seu coração. Provavelmente você bateu os 23 anos.