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Especial 2010/2019: A Ascensão do Funk

De bailes de comunidade para os maiores palcos do mundo, o funk cresceu muito e se internacionalizou.

Se alguém me falasse, em 2010, que o funk se tornaria um dos ritmos mais bombados do mundo no final da década e que artistas como Drake, Cardi B e até Madonna se aventurariam no ritmo carioca, eu provavelmente chamaria a pessoa de louca.

Não que eu não acreditasse na potência do funk e nem tenho nenhuma síndrome de vira-latas que acomete muita gente que vê a cultura brasileira como inferior ao que vem do exterior, mas na época, o funk era algo que ainda estava confinado a alguns bailes de comunidade, que não tocava nas maiores rádios, não aparecia na TV com frequência e ainda era extremamente criticado por seu teor lírico. Por isso, a internacionalização me parecia um sonho muito distante.

Mas o que aconteceu foi exatamente isso: o funk cresceu. Saiu dos bailes de comunidade e ganhou o chamado mainstream, não só aqui do Brasil, mas da indústria da música internacional.

A origem

Para falarmos de funk, a gente tem que lembrar de quando tudo começou. Segundo o DJ Marlboro, a principal influência para o surgimento do funk carioca foi a música “Planet Rock”, de Afrika Bambaata e Soulsonic Force. Lançada em 1982, a faixa misturava o funk de James Brown e a música eletrônica.

E é exatamente isso que é o funk: uma leitura da música eletrônica de forma bem brasileira. O estilo Miami Bass também é uma das fontes que o funk carioca mais bebe, desde suas batidas mais rápidas, passando por uma letra mais erotizada.

Confinado aos bailes das comunidades mais carentes do Rio de Janeiro, o estilo ganhou imensa popularidade com esse público, principalmente por abordar o dia a dia das favelas, falando de violência e até mesmo tráfico de drogas.

Ser artista desse gênero não era também nada fácil. “A gente precisava se impor em tudo. Por respeito, por espaço e até por cachê. Mas eu sempre ficava me impondo! Mas eu já sou assim desde criança, Carol Bandida. Então acho que imponho meu respeito na marra, nem que seja na porrada! (Risos)”, afirmou MC Carol sobre as dificuldades no início da carreira.

MC Carol (Foto: Divulgação)

Apesar de ser considerado um estilo musical muito machista, o funk também abriu espaço para as mulheres falarem de suas vidas, de seus problemas e também de sua sexualidade. Apesar de muita gente achar que para ser feminista, “mulher não precisa balançar a bunda”, é falando sobre a dominação de sua própria narrativa sexual que as mulheres do funk tornaram o estilo um dos mais feministas hoje em dia. Se os homens podem, por que não as mulheres?

“No início, a maior dificuldade era a aceitação das mulheres no baile funk, era complicado demais entrar num baile e os homens aceitarem que tinha mulher cantando funk também”, explica Valesca Popozuda. “Eu fui uma que colocou a cara a tapa sem medo dos julgamentos que viriam, hoje eu vejo que valeu a pena é sempre vai valer dar voz a essas mulheres”, completou a funkeira, revelada à frente da Gaiola das Popozudas.

Nomes como MC Carol, Tati Quebra Barraco, Deize Tigrona e Valesca Popozuda foram alguns dos mais proeminentes do funk entre as mulheres. “Quando eu falo de sexo, é sobre o que acontece realmente, sobre o que pode ser bom ou o que pode ser ruim. Sobre as pessoas que incomodam de tal forma que você acha que vai acontecer um estupro, ou sobre aquelas que você vai amar para a vida toda”, explicou Deize Tigrona em recente entrevista para o UOL.

Deize Tigrona, inclusive, foi uma das primeiras brasileiras do funk a ter sucessos fora do Brasil. No final da década de 1990, ela já era conhecida por duas músicas de sucesso na Europa. E a partir daí o mundo começou a olhar para o Brasil como um lugar que vai muito além do samba, musicalmente falando.

A renovação

Lexa, Mc Rebecca, Anitta e Luísa Sonza (Foto: Eduardo Bravin/Divulgação)

No início da década de 2010, o Brasil já via o funk passear um pouco pelo mainstream. Mas mesmo assim, não era nada exatamente um espaço aberto com frequência. Algumas rádios tocavam as músicas, em suas versões sem palavrões; as TVs abriam um espaço, mesmo que pequeno para os artistas mais populares, como o próprio DJ Marlboro, a dupla Claudinho & Buchecha e o Bonde do Tigrão.

Mas foi mesmo em 2013, com uma garota chamada Anitta, que o Brasil viu uma renovação no cenário do funk e um crescimento que até hoje não parece parar.

Já conhecida nos bailes da Furacão 2000, uma espécie de “Soul Train” do funk carioca, com programa na TV, DVDs e tudo mais, Anitta resolveu misturar o funk com o Pop e iniciou uma verdadeira renovação do gênero no Brasil.

Com “Show das Poderosas”, ela deixou o funk mais Pop, mantendo alguns elementos característicos do gênero, como o famoso “cornetão”, e se transformou em um dos maiores nomes da música nacional da atualidade.

“Anitta e Ludmilla são necessárias porque hoje em dia o funk não envolve só a favela, envolve outras coisas. Elas estão num outro patamar, que é o do capital. Hoje em dia os produtores investem no funk, na minha época não existia isso. Eu e a Tati Quebra Barraco fomos totalmente precursoras em insistir nisso. Porque hoje Anitta e Ludmilla podem até cantar pop, mas elas dançam como se fosse funk”, opinou Deize Tigrona, em entrevista ao UOL.

Internacionalização do Funk

“Hoje não tem como fugir do funk. Ele faz parte da cultura. Ainda me surpreendo quando vou para fora do país e vejo os gringos cantando minhas músicas”, afirma MC Carol.

Não há como negar, o funk (que já passou de ser chamado de carioca e se tornou algo completamente brasileiro, com o Rio de Janeiro como capital do funk, é claro) é agora um estilo musical global. O mundo viu no funk um estilo que pode ganhar o mundo ainda mais.

“O funk pra mim é o ritmo que você toca e as pessoas ficam contagiadas, independente de onde a pessoa é. Se ela é gringa, é brasileira. Independente da língua que ela fala. O funk é um ritmo que o corpo da pessoa entende. E isso pra mim é incrível porque ficou uma coisa muito universal”, afirma Pedro Sampaio, um dos nomes mais fortes do chamado Bregafunk, ritmo que surgiu em Pernambuco como um braço do funk carioca tradicional.

“É o estilo musical brasileiro mais ouvido fora do Brasil”, afirma Lexa, com orgulho. A própria Lexa, inclusive, já fez várias turnês fora do Brasil, na Europa e nos Estados Unidos.

Assim como Lexa, nomes como Anitta e Ludmilla também estão sempre fazendo shows fora do Brasil e já conquistaram a atenção de grandes nomes da música internacional. As duas, inclusive, possuem parceria com Cardi B para ser lançada neste ano.

“É um trabalho feito durante anos e que atualmente, junto com a ajuda da internet, ajuda na divulgação, porque os músicos podem literalmente mostrar o trabalho deles para o mundo”, comenta Ludmilla.

Ludmilla (Foto: Reprodução / Youtube)

Esse trabalho de anos, envolve nomes como Deize Tigrona, DJ Marlboro, MC Fioti (que estourou fora do Brasil com o sucesso “Bumbum Tam Tam”) e até estrangeiros, que ajudaram a levar o funk para fora do Brasil da forma deles, como Diplo e a cantora M.I.A.

“O funk é um ritmo contagiante e envolvente que toca e geral se anima!”, explica Kevin O Chris, outro brasileiro que ganhou a atenção internacional. O funkeiro já se apresentou com Post Malone e gravou com Drake.

No final desta década, até Madonna se rendeu ao funk e um instrumental inspirado no estilo, com elementos clássicos conhecido por todos, serviu de trilha sonora para o comercial do tradicional e clássico comercial do perfume Chanel Nº 5.

Preconceito

Valesca Popozuda (Foto: Reprodução/YouTube)

“É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado”, já cantava Amilcka e Chocolate em um dos maiores sucessos dos bailes funk, apontando que o estilo estava quebrando a bolha das comunidades e ganhando o Brasil, mas ainda assim sofrendo muito preconceito.

“Não podem mais fechar os olhos pro funk. Só espero que as pessoas não fechem os olhos para a perseguição e usem o funk só quando for conveniente, sabe?”, deseja Mc Carol.

Leis, entra ano e sai ano, são propostas para proibir o funk de alguma forma no Brasil. “É uma raiz muito mais embaixo, o preconceito com o funk. Vem da educação. É mais do que isso, respeito”, afirma Lexa.

“Muita coisa precisa mudar, mas pra começar a gente deve ser respeitado como gente e artista. Porque isso não acontece ainda, não mesmo”, comenta Mc Rebecca, também exigindo respeito.

Kevin O Chris (Foto: Reprodução/Instagram)

“Muita coisa tem que mudar, mas a galera deve se ligar que é um som brasileiro e também é arte e cultura. Quem não gosta; não precisa escutar, mas proibir quem gosta e querer que isso vire crime, como tem alguns aí entrando nessa onda, não tem nada a ver”, afirma Kevin O Chris.

A pauta do preconceito sofrido pelo funk, é de longe a mais comentada por todos os artistas do gênero. Eles sofrem isso no dia a dia e pedem apenas respeito.

“O problema do Brasil não é o funk, tá bem longe disso”, completou Lexa. “Temos que continuar fazendo nossas músicas, shows, e mostrando que o funk não é só um ritmo, e sim um movimento cultural que salva a vida de muitos jovens, mostra a realidade da periferia, está ganhando o mundo e vai continuar”, afirma PK.

Futuro

Pedro Sampaio (Foto: Reprodução/Instagram)

Com os últimos dez anos sendo incríveis para o funk, que ganhou o Brasil e o mundo, os próximos dez parecem ser ainda mais promissores. Nomes já consolidados, como Anitta, Ludmilla, Lexa e Kevinho, devem crescer ainda mais, com colaborações nacionais e internacionais.

Mas os novos artistas também prometem. MC Rebecca, Kevin O Chris, PK, Pedro Sampaio… Enfim, tantos outros que despontam como o futuro do funk.

E o que esperar dos próximos dez anos? “Eu espero que em 10 anos o funk atinja todos os lugares possíveis, quebrando barreiras e perdendo o preconceito que ainda o atinge”, afirma PK.

PK (Foto: Gabryel Sampaio)

Enquanto no passado o funk apostou em uma vertente mais light, romântica, com o funk melody, para entrar no mainstream, agora que o estilo já está na cabeça do mundo todo, a aposta é em aumentar as batidas, já nervosas, chegando a 150 BPM.

“Acho que além dessa onda com o 150, vai ter muita mistura tipo com o trap ou o bregafunk”, afirma Mc Carol, relembrando que o funk também se mistura com outros ritmos para se tornar ainda maior. Uma dessas que já mistura o funk com outros ritmos é Tati Zaqui, que em 2015 misturou o ritmo carioca com o reggaeton na música “Água na Boca”, um dos grandes sucesso daquele ano.

Enquanto MC Rebecca e Kevin O Chris esperam que o preconceito seja finalmente erradicado do cenário do funk, com muito “respeito” e “sem rótulos ruins”, Valesca Popozuda e MC Carol esperam que o estilo não perca sua essência, sua raiz, que vem das comunidades. “Continuaremos marginais, continuaremos perseguidos, mas a favela continuará chegando em todo mundo. Não podem mais fechar os olhos pro funk”, afirma Mc Carol. “Que o funk nunca perca a essência dos bailes!”, deseja Valesca Popozuda.

“Eu vejo um potencial enorme no funk. Estou também nessa batalha para o funk ser ainda mais reconhecido, mais bem visto lá fora. O que já tá acontecendo. Eu vejo um futuro ainda maior para o funk, assim como aconteceu com o reggaeton eu vejo acontecendo o mesmo com o funk”, afirma Pedro Sampaio, com desejos de coisas ainda maiores para o ritmo, tipicamente brasileiro.

E para encerrar, ficamos com a frase de Lexa, uma afirmação em forma de desejo que já é quase uma certeza: “O funk vai crescer ainda mais em 2020”.

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