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Especial 2010/2019: os “feats” vieram para ficar, fortalecem à cena e reforçam discursos importantes


Tente iniciar uma conversa categorizando um gênero musical para rapidamente ver o papo transformado em um debate sem vencedores. Está cada vez mais difícil descrever o que puramente é pop, funk, sertanejo e não é exagero dizer que isso é excelente! Nenhum artista quer ser colocado dentro de uma caixa já que é experimentando que se arrisca. Ficar preso a um determinado modelo limita e impede o mais legal da arte: criar.

Os últimos dez anos mudaram a forma que os brasileiros fazem, consomem música e vimos aparecer cada vez com mais frequência uma palavrinha em inglês, mas que virou parte do nosso dicionário sem precisar de tradução. O “featuring” ultrapassou fronteiras permitindo que os artistas somassem forças, brincassem com gêneros musicais fora da sua zona de conforto e ampliassem seu público de maneira orgânica. “Ajuda a gente a furar nossa bolha e não ficar preso numa prateleira só. Quando penso numa parceria com alguém, além da parte musical, penso muito no que essa pessoa pode agregar ao meu trabalho e vice-versa. Elemento surpresa é algo bom pra todo mundo”, nos explicou Silva em entrevista.

O cantor é um dos muitos que apostaram em ótimas colaborações nos últimos meses. Anitta, Ludmilla e, em breve, Ivete Sangalo, estão na lista de Silva que também cantou com Fernanda Takai (Pato Fu), Tiago Iorc, Clarice Falcão e Marisa Monte em sua discografia. Apesar de nos ter revelado que chegou a ser criticado por pessoas da indústria, as parcerias deram a Silva um espaço nas rádios pop que ainda não havia conseguido. Dá para ouvir Lady Gaga, por exemplo, e “Um Pôr do Sol na Praia” ou “Fica Tudo Bem” na sequência em causar estranhamento. “Isso acaba apresentando nossa música para pessoas que nunca ouviram falar do nosso trabalho, pessoas que não costumam ouvir o tipo de música que faço e talvez essa seja a melhor parte da brincadeira. Fazer isso deixa tudo mais diversificado e interessante”, acredita.

“Sempre me disseram que eu tinha que escolher um gênero pra defender porque quando comecei, minha música era um pouco mais difícil de classificar mesmo. Em algum momento eu percebi que o que melhor definiria o que faço seria ‘mpb’. Só que todo rótulo, com o tempo, vai virando algo que te define e também te limita. Nunca gostei desses termos como ‘a boa música brasileira’ e essas coisas todas que segregam e descredibilizam alguns gêneros. Escolhi convidar Anitta e Ludmilla para gravarem comigo porque as duas são cantoras de muita personalidade, cantam muito bem e fazem música para as pessoas ficarem felizes. Isso claramente só poderia agregar coisas boas à música que eu faço”, reforçou.

É o que Projota definiu em uma só palavra: liberdade. “Sempre procurei não me limitar a rótulos e tento não cair em paradigmas para permitir que minha arte seja livre. Se eu admiro outro artista e tenho uma música que o visualizo como possível parceria, vou correndo convidar. O mesmo acontece quando sou convidado. Se eu estiver muito afim nada me impede. É preciso ser audacioso!”, explicou.

Essa “cara de pau”, que ele mesmo nos disse que tem, o colocou ao lado de artistas plurais. Em três álbuns, o rapper paulista viu nos “feats” uma das principais estratégias de apresentar não só seu trabalho, mas o do (s) companheiro (s) de música. “Tem uma galera jovem que não conhece o trabalho do Orishas e que agora com ‘Qué Pasa’ pode ver o quanto é bacana”, disse. Foi assim também com Giulia Be antes do sucesso solo da jovem, “Menina Solta”, ao convidá-la para show no Rock in Rio e com Vitão em “Sei Lá”. Com um EP e várias colaborações em 2019, Vitão já não é um nome estranho justamente por unir forças em início de carreira. Além de Projota, é possível ouvi-lo na rádio e nas playlists de streaming com Anitta, Luísa Sonza e Luccas Carlos aumentando o interesse pelo single solo “Café”. No final, todo mundo ganha.

É verdade que para que a parceria faça sentido e o “crossover” de gêneros musicais dê certo, os artistas além de química também precisam ser versáteis. A própria Ludmilla citada por Silva, por exemplo, explodiu em 2019 com Anitta, que segue um estilo parecido de som, mas também com Léo Santana, Jão, Simone e Simaria e está com música gravada com Ivete Sangalo. Brincou com funk, pop, eletrônico, R&B e, em breve, vai lançar um EP de pagode.

Anitta então nem se fala. Com 27 clipes lançados só ano passado, a carioca foi de Mc Cabelinho, até então desconhecido da grande maioria dos brasileiros, a Madonna. Foi ela também que entregou recentemente o que muitos chamaram de o “Lady Marmalade” brasileiro com Lexa, Luísa Sonza e Mc Rebecca em “Combatchy”. “Esta união tem aumentado cada dia mais e isto só nos fortalece”, acredita Luísa. “A mulherada está sacando o quanto estamos juntas nessa onda de valorização”, reforça Rebecca que acredita ainda que esse respeito pela nossa música nacional está cada vez mais em alta – um apoio que cresce exponencialmente com os “feats”. “É só olhar o Top 50 Brasil e ver que a maioria é nacional, tipo 40 músicas. As rádios mais populares, por exemplo, tocam muito mais músicas brasileiras. Gente, tem que ser assim mesmo!”, nos disse.

Mc Rebecca tem razão. No Top 10 Pop Nacional, divulgado pela Crowley1, apenas duas músicas da Iza (“Brisa” e “Talismã”) e o atual single do Melim, “Gelo”, não são colaborações. Uma rápida olhada no Top 50 do Spotify Brasil2 recente, dez músicas são “solo” – e isso contando com músicas de dupla sertaneja como um “único artista”. Um reflexo claro de que parceria ajuda.

Além da questão mercadológica com ganhos de streaming e exposição, há outros recados que podem ser transmitidos com um simples “feat”. Uma “internacionalização”, que veremos adiante aqui na nossa série de matérias, um reforço sobre respeito, diversidade e feminismo. Para Ludmilla, mulheres dando as mãos cada vez mais na nossa música é uma mensagem de força e precisa ser continuado. “Estamos cada vez mais unidas e esta é a ideia! Continuarmos unidas nos fortalecendo. É com certeza um dos melhores momentos do pop. Me sinto muito feliz por fazer parte de tudo isto. Estamos num caminho muito irado!”, nos disse.

“A música pop é isso. Ela pode beber do funk, do reggae, do rock, do próprio pop pop. Ela é muito democrática neste sentido. Quanto mais você abre, mais você expande para outras pessoas chegarem, mais vai haver oportunidade para diferentes artistas chegarem juntos, sabe? O sertanejo dominou bastante porque eles tem uma força grande de união. O pop tá começando a ter isso. Não só com os artistas, mas com produtores, todo mundo que tá ali. Então é uma cena com pessoas que se conhecem, que são amigos, que trocam, que se entendem… isso tudo ajuda. Isso tudo ajuda a entender o outro e democratizar esse espaço”, resumiu bem o compositor e produtor Pablo Bispo.

1 Lista datada de 23 a 27 de dezembro de 2019
2 Acessado em 2 de janeiro de 2020