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ENTREVISTA: Rico Dalasam fala de seu “movimento de retorno”, João Gomes e queer rap

Rapper tem esgotado ingressos de shows com o seu álbum “Dolores Dala Guardião do Alívio”
Foto: @liloliveira

Rico Dalasam conversou com o POPline por meio de videochamada na semana passada. O rapper, de Taboão da Serra, aproveita o seu “movimento [bem sucedido] de retorno” à cena e tem um dos show mais disputados da temporada. O seu último álbum, “Dolores Dala, o Guardião do Alívio“, foi uma unanimidade nas listas de melhores discos do ano passado.

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Capa: @diegolimberti e @larizaidan

Catapultado pelo sucesso do single “Braille” – eleita a canção do ano de 2020 pelo superjúri do Prêmio Multishow – DDGA devolveu a Rico um espaço que já lhe pertenceu no passado. Focado em seus shows, chamados de “Encontros DDGA“, Dalasam segue rendendo momentos emocionantes e vídeos impressionantes nas redes sociais.

Em um deles, ele aparece no centro de um salão lotado de fãs. Enquanto entoa os versos “É mínimo igual meu short/ Lá em cima, igual lage/ Esse moleque me tira do sério/ Me deixa triste mais tarde”, a voz de Rico é abafada pelo coro comovido do público. A sensação é de que as pessoas esperaram muito por aquele momento, pelo alívio.

Foto: @liloliveira

Considerado um dos melhores letristas da atualidade, Dalasam responde às nossas perguntas traçando linhas de raciocínio tão complexas quanto a sua arte. Talvez personalidade esteja em falta no mainstream, mas esse não é o caso aqui.

POPline: Queria começar falando sobre os seus shows, seu retorno aos palcos. Esse parece ser o seu foco agora. Fico vendo os vídeos e você parece ter criado um ambiente catártico ali, como você tem recebido isso, essa reação do público?

RICO: Tem sido muito especial. Acho que eu estou gerando isso desde ‘Braille’. Em 2019, estava fazendo outro disco e aí veio ‘Braille’, ali, nas tardes em que a gente estava produzindo, e isso me animou muito. Entendi o ‘Braille’ e foi havendo essa campanha, que está acontecendo até agora, que é do ‘Dolores Dala Guardião do Alívio‘.

Depois eu vi que o ‘Braille’ dava caldo para ter coisas em torno disso e aí veio ‘Mudou Como?’, veio “Vividir” e veio o EP do DDGA. A gente viu que a história podia ser ainda mais desdobrada e surgiu o álbum. E agora a gente está podendo fazer os encontros DDGA, com essa distância. O disco veio no ano passado, mas nesses dois anos a gente conseguiu segurar essa história e fazer essa história estar viva nas pessoas, na galera que me acompanha.

Foto: @liloliveira

O primeiro encontro a gente fez no dia 20 de novembro. Agora, a agenda tá indo e a periodicidade diminuindo porque está sendo possível realizar. No primeiro a gente não sabia o que ia acontecer. A gente sabia que foi um disco que falou muito no coração de uma galera, que foi um disco que fez companhia para as pessoas em momentos muito complexos de todos nós. E era isso que a gente tinha e duas ou três músicas que tinham ajudado a gente (“Braille”, “Mudou Como” e “Estrangeiro”).

Eu comecei, com o Dinho, a montar o show e entender os momentos, dividir o show em três partes e fui colocando isso para sentir. Veio o primeiro encontro DDGA e foi uma coisa muito especial. Era em um lugar que cabia, talvez, umas 700 pessoas, mas acabou que lá dentro tinham mil e poucas pessoas. Isso, por si só, já era uma coisa que eu não estava esperando. E quando começamos a tocar as pessoas cantavam mais alto do que eu, só que todas as músicas as pessoas cantam mais alto. Não são músicas de pular, nem música de dançar. Não é uma catarse num lugar pélvico, da dança, mas é um lugar onde visita…Não sei, é muita gente revisitando alguma dor. Isso provoca uma energia também. E tudo isso para irmos na direção do alívio. Não é a dor com um fim em si, né? É a proposta do disco essa saga entre dor e alívio. E as pessoas cantam todas as músicas, de ‘Expresso Sudamericah’, que é a música que começa o show, até o ‘Braille (original)’, que é a que fecha. E no meio do show a gente faz umas coisas só no piano, é um pouco mais íntimo e as letras são grandes, são letras de um rapper, né? São letras complexas e longas e as pessoas cantam as letras inteiras, uma ou outra tem um refrão mais popular. Isso a gente não estava entendendo e ficou assim ‘caramba, o que é isso?’.

Tem muita gente que chora muito do começo até o final. Se eu deixar, se eu me desconcentrar um pouco do trabalho, também choro com as pessoas porque fica uma energia no ar, assim, muito de que a gente está conseguindo dar nomes para coisas que estavam presas dentro da gente há muito tempo. É um disco disso, de nomear as coisas que estavam inflamadas, causando dor na gente nesse campo das relações. É um grupo de pessoas que viu no disco, nas faixas uma síntese das coisas que está tentando nomear a bastante tempo. Isso é libertador, isso revisita um lugar doloroso, mas para que não doa mais. Eu não saberia situar isso num lugar dentro do mercado, da indústria e tal, mas é meio essa a experiência do encontro DDGA.

POPline:  Eu estava vendo as suas redes sociais e vi você falando sobre um show que estava com os ingressos quase esgotados. Como um artista independente, como é a sensação de estar esgotando ingressos, de estar sendo procurado pelo público, de colocar um show na rua? 

RICO: Eu tenho a minha caminhada especificamente, não é algo costumeiro, a gente não está falando de um processo ou outro. Meu processo é específico e as pessoas acompanharam. E conseguir dar sequência ao meu poema, para a minha música, é sem dúvida algo muito vital, muito mágico e especial. Agora, é uma dádiva, mas é uma dádiva muito desenvolvida na energia e no trabalho que a gente vêm fazendo. A gente está muito concentrado – eu, o Dinho e todo mundo que é do disco -, a gente anda muito sem querer se distrair com qualquer outra coisa e colocar tudo que a gente tem. No fim, é tudo o que eu tenho. Tudo que eu tenho hoje é o disco, as pessoas que compram ingresso e, hora ou outra, alguém que se dispõe a querer saber, a falar como você está fazendo aqui, para que isso vire um documento sobre o tempo, que descreva a história em tempo real. É isso que a gente tem e é a isso que eu estou dedicando todo valor, toda energia que eu possa ter. A gente já fez outras coisas, em outros momentos, muito especiais e nunca foi assim. É a primeira vez que a gente vive uma sequência de quatro ou cinco sold outs, com público de mais de mil pessoas em média, em cidades diferentes, com um disco que vai fazer um ano de lançamento. Isso é muito especial.

Foto: @liloliveira

Eu estou muito feliz com esse reconhecimento das pessoas, ainda é um movimento de retorno. Tem muito lugar para eu voltar, tem muito lugar para retomar, tem muito lugar para que a minha fala e as coisas que eu penso ganhem, de novo, o lugar que elas têm de importância. A gente está fazendo o trabalho de base, de conseguir fazer shows baseados em bilheterias e merchan. A gente botou a lojinha [ de produtos merchandising] e em todos os shows as coisas que a gente leva esgotam – as camisetas, as bandeiras e os ingressos sobretudo. Eu fico muito emocionado com isso, estou tentando dar o meu melhor, fazer o melhor show possível e criar a oportunidade de fazer o encontro DDGA acontecer em várias outras capitais. Acho que isso é um sinal de que a música tem alguma coisa comigo e que é para eu seguir fazendo. E que a gente inventar novos caminhos é só parte natural do curso natural das coisas. Existem caminhos que são rotas já feitas e tem coisas que é para gente inventar mesmo.

O meu lugar sempre foi um lugar que eu precisei inventar para ter. Antes de mim não tinha um rapper gay fazendo alguma coisa. O ‘Modo Diverso’ acaba sendo o primeiro registro fonográfico de rap queer no Brasil. Essas coisas são indícios de que eu estou sempre tendo que inventar o meu caminho por não ter outro, não existir. É um lugar muito fronteiriço na hora de você me situar dentro do mercado. É fronteiriço, é rap. E aí tem os seus ‘poréns’. Quando é popular, é popular com os seus ‘poréns’. Então, é a invenção de um lugar e a compreensão do público sobre esses códigos vai dando a possibilidade da gente fazer shows com bastante gente. É importante celebrar, sim, cada sold out. É nessa felicidade que a gente vai caminhando.

Foto: @liloliveira

POPline:  Você citou o fato de ter sido precursor desse movimento, de ter sido o primeiro rapper gay. Nesse sentido, você acha que esse espaço está consolidado dentro da cena? 

RICO: Não, acho que não. Com toda a tranquilidade, eu digo que fundar uma manifestação cultural no Brasil requer tempo. O país tem suas manifestações culturais desde o seu primeiro dia até agora e, de tempo em tempo, novos signos e novas atualizações disso, novos desdobramentos, acontecem na música ou em outras disciplinas. Só que entender o queer rap no Brasil – que é algo que já veio com esse nome americanizado – é entender uma manifestação cultural. porque são signos, com, muitas vezes, códigos de periferia, estética de periferia, dentro do hip hop e feito por corpos dissidentes, abrangendo o todo…cis, trans, outros corpos, outras narrativas, gêneros e sexualidade. Mas é fundação. Se o “Modo Diverso” fez cinco anos no ano passado, estamos em cinco anos dessa história. O “Modo Diverso” é o marco, o “aceite-c” é o marco dessa história, a primeira coisa. Então, é muito recente, mas existem indícios de que isso, a curto prazo, consegue ser entendido como manifestação cultural. Não como um subgênero do hip hop, um sub isso, sub aquilo.

Como isso não está posto no código brasileiro de cultura e ao mesmo tempo vem com essa demanda de algo que é feito em outro lugar do mundo e aqui não tinha, como grande parte das coisas, demora tempo para se traduzir e se criar os próprios códigos, mas se você vai à Macapá, tem queer rap, se você vai à Belém, tem queer rap, se você vai no extremo sul do Rio Grande do Sul, tem queer rap, se você vai às periferias de todas as grandes cidades do Brasil, tem queer rap. Tem alguém inspirado num Rico Dalasam, tem alguém fazendo queer rap inspirado em manifestações que já alcançam grupos maiores. Isso é fundação. Uma hora isso vai ter o seu próprio modelo, a sua própria trajetória e, aí sim, é possível disputar um lugar no popular, mas com esses códigos – dá para se estar no popular mantendo os códigos de uma manifestação cultural, o forró é assim, o piseiro é assim, enfim, tantas coisas podem ser feitas dessa maneira.

O mais incrível é que o queer rap não está preso ao som, a sonoridade específica, de algo engessado do hip hop. Ele bebe dessas coisas, ele se caracteriza em muitos momentos, mas ele pode ser feito, no Brasil sobretudo, dentro de qualquer gênero musical. Isso leva tempo para que seja diluído, tenha uma adesão e uma compreensão. Enquanto isso, esses códigos vão servindo de inspiração para artistas populares. Isso é natural, né? Coisas que estão sendo feitas nesse lugar, do under, as pessoas vão entendendo aquilo como código de mera inovação e vão usando no popular, vai difundindo a cultura.

POPline: Tem um momento no seu show em que você canta pisero. Por que você incluiu esse gênero no seu repertório? Pretende gravar algo neste estilo no futuro?

RICO: A gente começa o DDGA convidando as pessoas ao “Expresso Sudamericah”, descrevendo que a gente está neste lugar. Entender as periferias do sul da América, a nossa periferia no Brasil como um todo, a gente vai entendendo os fenômenos populares disso. E lá de onde eu sou, na rua sem saída, no Intercap, Taboão da Serra, periferia da zona sul de São Paulo, a coisa que está batendo agora, nesse momento, é o piseiro, é o Tarcísio do Acordeon, Rogerinho, João Gomes, o Zé Vaqueiro. Isso caracteriza a gente porque é o que a gente está ouvindo ali. A gente ouve um rap, ouve um pagode, mas junta ali e escuta um piseiro. Hoje não tem como você dar uma festa na minha rua e não botar um piseiro, tá ligado? Isso nos caracteriza e ao mesmo tempo é um diálogo de periferia do Brasil. Eu estou fazendo isso no sudeste, mas eu consigo estabelecer um diálogo com pessoas de outras regiões. E acho que está no mesmo tempo que Zé Vaqueiro, que João Gomes, são caras que escutam rap pra caramba. Eu troco ideia no twitter, de vez em quando, com o João Gomes. Ele é um menino que faz rap, só que viu, ali, a saída dele dentro de um gênero que era de uma manifestação cultural da região dele, que é a vaquejada.

O João Gomes tem o mesmo desenvolvimento lírico do L7nnon, do Matuê, e que não fica longe do desenvolvimento que eu tenho, tanto melódico quanto na coisa das rimas mesmo.

Meu Pedaço de Pecado”, do João Gomes, é um rap, tá ligado? Tem um flow de um rapper que está praticando bastante.

Ao mesmo tempo, eu faço coisas que estão fora da estética sonora de rap. Já experimentei isso e faz parte de mim. Em determinado momento, a gente vai experimentar de novo essas músicas do popular, músicas que tem a ver com festas populares. O piseiro é uma coisa assim, o samba reggae também é, o pagodão e são coisas que, durante os shows, a gente passa porque é o que me diverte. Eu vou muito mais a shows de forró do que qualquer outro show, do que show de mpb ou de rap. Eu não vou a shows de rap há muito tempo. E também não me sinto situado nas festas, assim, desse pop norte-americano que tem suas festas aqui no Sul da América e tal. Gosto, mas não me vejo também. Pô, mas vira e mexe eu estou lá no CTN (Centro de Cultura Nordestina) em todos os shows que tem de forró, de piseiro. Eu vou, compro minha batida, e fico lá curtindo. Faço amizade com as pessoas ali, na hora, porque é outra galera, e quando eu vejo é sete horas da manhã e estou indo para a casa feliz, com a minha bota, com meu espetinho, então eu me vejo neste código também, sabe? E as letras têm coisas em comum com as coisas do “Modo Diverso”, tá falando de amar de um jeito, de um lugar, de uma forma de se ver dentro da relação. Então, é basicamente isso.

Foto: @liloliveira

A gente não para de gravar, tem muita coisa gravada, que possivelmente exista a continuação do DDGA ou eu parta para uma nova história. Eu não sei. Mas tem muita coisa gravada. Tenho raps gravados, tenho arrocha gravado, tem piseiro gravado e eu vejo tudo isso dialogando muito em paz, né? Tem muita coisa que a gente grava e nunca lança. Eu sou um artista muito desse lugar, de ter muita coisa gravada que nunca vem e se perde no tempo das coisas porque eu também não sou da rotatividade. A gente pensa e vai fazendo dentro do que a gente sente muita paz de estar fazendo, não é por uma demanda. A gente não cria demanda nem com o público, nem com o mercado, então não se espera nada da gente, assim, tanto. Quando aparece, aparece e as pessoas olham, mas a gente não fica criando expectativa de que vai ter. Pode ser que eu fique nessa, passe dois anos, e eu não soltei nada que eu fiquei, ali, fazendo ou animando. E é natural, é o nosso processo.

POPline: Você disse em entrevista que “O “DDGA” não vai ter fim, essa narrativa, em algum momento, vai transacionar pra outra”. Essa narrativa já transacionou para você? Como você definiria o seu momento enquanto compositor e artista? Já prepara uma continuação?

RICO: A gente tem uma agenda pra esse ano, que precisa ser cumprida porque sonhos são metas com data para acontecer. Tem coisas que virão já agora, por março já começa e assim vai. Eu estou muito feliz, vou me encontrar com pessoas que eu admiro na música, coisas que já estão gravadas e tal. Vou me encontrar com elas em música, em visuais, e isso vai ser muito legal.

Eu acho que DDGA tem uma densidade porque a gente trata de muitas questões, violências, coisas vividas e o show mostra isso. Talvez eu, e boa parte do público, não esteja mais neste lugar, daquelas violências. Foi vivido? Foi. Doeu? Doeu, foda, mó bosta. Mas a gente precisa criar um movimento de se ver em outro lugar, porque a gente elabora, dá nome às coisas, para isso. Eu acho que a sequência dessa história, que vem aí, é um pouco isso, talvez trocando ideia sobre assuntos da mesma ordem, só que de outro lugar. Então, acaba sendo um pouco mais leve e vai caminhar para, tal hora, a gente se ver aberto de novo a se encontrar com alguém, ver algo, quem sabe se apaixonar e ser romântico. Isso é da natureza dos ciclos das coisas, né?! Mas a gente ainda está em um momento, no DDGA, que talvez não esteja exatamente bem para começar uma coisa nova, precisa ainda elaborar um pouquinho mais para que seja saudável quando vier. Isso é meio semelhante a minha vida também, tá ligado? Na verdade, é a minha história.

Foto: @liloliveira

POPline: Uma coisa que chama a atenção no DDGA é a gama de produtores. Você escolheu profissionais bem diferentes um do outro para a produção do disco. O que te chamou a atenção nesses produtores? Essa escolha eclética foi proposital?

RICO: Eu acho que a gente tem muita gente incrível. Muita mina, muito cara, muita gente incrível no nosso tempo. Nesse momento, tem pelo menos umas quatro ou cinco gerações de produtores musicais em atividade no Brasil – de caras lá de trás, de quem está agora descobrindo e entendendo agora, da galera que começou no quarto, com um computador, e não necessariamente tem o domínio de um instrumento, mas faz música e alguns já com pesquisas mais específicas. E esse último grupo que eu levei para o DDGA – o Mahal Pita, o Rafa Dias (RDD), o Chibatinha, o Pedrowl.

São pessoas que têm muitas coisas em comum, têm trajetos distintos, mas tem coisas muito em comum. Todo mundo resolve as coisas a partir de um computador, ninguém precisa, necessariamente, alugar ou ter um estúdio ou ter mil instrumentistas, bandas. São pessoas que têm o advento dessa coisa solitária, de fazer as coisas sozinhas no quarto e que é o meu processo também. Só que são expertises diferentes. O Pedrowl é debruçado sobre esse pop internacional, ele olha e cruza isso com signos brasileiros. Já o Mahal e o Rafa Dias eles estão muito abarcados nas células rítmicas do mundo afro e da música eletrônica. Dinho e Moisés têm umas referências do R&B, das coisas de igreja que fica muito mais presente no “Expresso Sudamericah”. O Netto Galdino, que é um menino lá de Caravelas, sul da Bahia, que já é outra perspectiva afro, é outra, é esse forró. A música no sul da Bahia é uma coisa, em Salvador ela já passa por outras lógicas, né?

É entender também que a gente está ouvindo as mesmas coisas, sabe?! Se eu for fazer uma playlist do DDGA, de coisas que são referenciais, a gente vai do Burna Boy a Jorja, a Rosalía, a Kali Uchis, vai para esse lugar que é o que o jovem que gosta de música urbana hoje no mundo tá ouvindo e estão, ali, impressos dentro do DDGA.

POPline: Você está com um baita show e eu queria saber a sua opinião, se você pretende de alguma forma entrar para o circuito de festivais ou se isso não está nos seus planos e você realmente pretende continuar apenas com os encontros.  

RICO: Eu tenho pensado muito sobre isso com as pessoas que trabalham comigo, porque quando eu lanço uma música que tem uma recepção boa, como “Braille” tem tido, é um movimento de retorno pra mim, quando eu vou ao Prêmio Multishow, e ganho o prêmio, é um movimento de retorno pra mim. Não são lugares novos, são lugares em que eu já estive e depois estive ausente. Agora, é um movimento de retorno. Eu toquei em grande parte dos festivais brasileiros. Em 2015 e 2016, quando eu era uma novidade, eu toquei de tardezinha, naquele primeiro horário, em vários festivais. Não é sobre uma estreia, mas um movimento de retorno.

E aí você tem um disco que é bem recebido, que sai em todas as listas de melhores do ano, você tem um show agora, que é um show que disputa imaginário, que é um show que tem densidade e possibilidade de ser um dos shows a serem vistos assim, nesse lugar brasileiro mainstream, assim…Talvez a data de um festival hoje não é sobre subir num palco e tocar, mas é algo amargo eu ir a um festival, com tudo que um festival acolhe, no meu processo, no meu movimento de retorno. Então, eu ainda não consigo visualizar esse dia, essa hora, de festival que eu preciso ir lá oferecer meu show para fazer isso. Não sei se os festivais estão de olho no que eu estou fazendo. Eu estou fazendo os encontros DDGA com pessoas que têm relação com o disco, o festival não necessariamente é isso. No festival, são pessoas que gostam de inúmeras coisas que estão ali, então não sei se é o melhor instante. Lá para o fim do ano a gente vai conseguir saber mais o que é, vai entender essa hora. Na hora que eu for subir no palco de um festival, eu preciso muito que a galera do encontro DDGA esteja lá comigo na frente do palco porque é assim que a gente vai conseguir fazer nossa coisa e continuar sendo um encontro DDGA.

Foto: @liloliveira

Eu estou muito mais preocupado em fazer o encontro DDGA em várias capitais, em várias cidades para que quando a gente chegar num festival seja muito especial, do que voltar por voltar. Nada do que eu estou fazendo é sobre voltar por voltar. Tudo é voltar dentro do meu movimento de retorno e, para mim, cada coisa é especial. Cada encontro, cada sold out, cada camiseta, lojinha que esgota, cada lançamento que vem aí e vai ser tratado com muito carinho, porque é um movimento de retorno e isso precisa visitar a energia nova das coisas. Não posso fazer nada contando com uma energia velha ou com uma memória ou imaginário antigo sobre a minha arte. Se as coisas são novas, tudo precisa ser novo. Se eu não me movimentar e vibrar o novo, o novo não vem. O novo não está nas pessoas, o novo flui de mim. Se eu não montar e organizar o meu novo, ele não vem. Vai ter muito encontro DDGA ainda até a hora que eu achar que é seguro, que é bonito, que é válido a gente ir para um festival e nossa galera colar junto para a gente fazer uma apresentação especial e marcante. 

 

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