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Entrevista: Gloria Groove comemora lançamento de “Alegoria”, fala sobre pink money e drogas, e critica cultura do “cancelamento”


(Foto: Divulgação)

Gloria Groove fala com orgulho e entusiasmo de seu novo trabalho, o EP “Alegoria”. São quatro faixas com quatro clipes. O primeiro vídeo, “Mil Grau”, saiu junto com o EP. Os outros três serão lançados ao longo do mês. São investimento e aposta altos. “Estou muito feliz de dar uma tacada desse jeito – um EP visual, uma responsabilidade tão grande – porque eu acredito que o pop é uma construção e ele está sendo construído principalmente pelas mulheres e pelas bichas”, diz ao POPline.

O EP coroa um ano bem sucedido na carreira da drag queen. Foi em 2019 que ela, temporariamente, ultrapassou Pabllo Vittar e se tornou a drag mais ouvida do mundo no Spotify. Em março, mês do Carnaval, ela era a única drag com duas músicas no Top 50 da plataforma – “Provocar” (com Lexa) e “Coisa Boa”. Seu bloco carnavalesco em São Paulo atraiu uma multidão: dizem que um milhão de pessoas. Em setembro, novo feito: foi atração do Rock in Rio e provou sua popularidade com um mar de gente cantando todas suas músicas. Enquanto tudo isso acontecia, ela desenvolvia “Alegoria”, em que utiliza metáforas para mandar seus recados.

– Eu gosto de conceito! (risos) Foi daí que saiu o nome. Quando parei para olhar, liricamente o que cada faixa estava dizendo, eu me dei conta que cada uma era uma metáfora muito forte. Cada uma representava uma figura abstrata de uma coisa muito real. – explica a artista – Foi assim, através do Google, que descobri que um conjunto de metáforas é uma alegoria. Essa palavra mexeu muito comigo. Para mim, tinha um significado só carnavalesco, o que já é um baita de um significado se você pensar: o carro alegórico é a figura do samba-enredo, é a imagem do que está sendo dito. Assim como eu também, que acho que sou uma pessoa com dois ou mais lados e significados. Eu também sou uma alegoria quando eu me monto. Foi uma palavra que começou a amarrar tudo e eu comecei a entender o que estava fazendo. Claro que tudo isso é uma “pira” muito particular, né, muito artística, muito própria, que vou desenvolvendo paralelamente à vida acontecendo. E eu pensando nessas coisas.

POPLINE – As quatro músicas são bem diferentes em termos de sonoridade. Como você chegou a essas quatro faixas do “Alegoria”?
GLORIA GROOVE – Meu processo criativo, desde 2017, nunca parei. Apesar de não ter lançado nenhum projeto inteiro, foram nesses dois anos que eu lancei meus singles mais populares, que fiz os “feats” mais importantes, que comecei a escrever para outros artistas (que é uma experiência muito fo** que estou vivendo até hoje). Então, eu estava sempre ali criando – para mim, para a galera, com a galera – mas nunca consegui parar e me dedicar a um projeto. Quando cheguei a essas quatro faixas, digamos que elas já são o “crème de la crème” do que eu quero lançar. Por isso que pensei “é a chance da gente fazer uma tacada visual” e trabalhar todos os visuais de uma vez só, porque todas merecem e tem gancho pra isso. Tenho uma equipe maluca o suficiente para aceitar e comprar a ideia (risos). Nossa vida virou… uma experiência completamente nova. Eu sabia como era me dedicar a um clipe por vez. Do nada, são quatro informações diferentes, quatro universos diferentes…

Estão todos prontos?
Oh… Estão todos em processo, mas já gravados, tá? Tá tudo rolando. São dois do João Monteiro – “Mil Grau” e “Magenta Ca$h” – e dois do Felipe Sassi – “Sedanapo” e “A Caminhada”. Imagine, então! O nível está altíssimo e eu tô doida para mostrar. Depois que todos os visuais saírem que a gente vai poder conversar sobre o saldo final.

Quando sairão os próximos?
Nosso plano é que todos saiam até o final de novembro mesmo. Porradão! Vão ter ações para liberar esses vídeos, que começo a contar nas minhas redes sociais, e tudo vai rolar nesse meio tempo de agora até o final do mês.

Algum motivo especial para “Mil Grau” ser o primeiro clipe?
Tem, com certeza. “Mil Grau” é uma faixa que eu sempre amei muito e que sempre considerei carro-chefe. Tem muita cara de abertura de show, pra mim. É a música que mais tem cara de “faixa 1”.

(Foto: Rodolfo Magalhães)

Pensando em alegorias, com quais você quis trabalhar neste vídeo?
Eu lembro que, para chegar no clipe de “Mil Grau”, eu parti de dois princípios – quer dizer, três. Pensei: vamos lá, tenho aqui uma música que obviamente o tema é o fogo; eu tenho o João, que a gente já fez um clipe de quebradeira antes, o ‘Bumbum de Ouro’, super bem explorado em estúdio, então eu já sabia que queria fazer o contrário – ir para a natureza; e estava muito interessada no clipe de “Ganja Burn” da Nicki Minaj, que começa com um conto. Eu juntei isso tudo: é um clipe cujo tema é o fogo, é uma externa na natureza, e tem que ter um conto no começo. A partir disso que cheguei na história da rainha alegórica, do fogo, que vive nesse universo paralelo onde o fogo representa a libertação de todo um povo. O fogo representa a libertação sexual, de expressão, da dança. Foi assim que comecei a pirar nisso,e o João comprou super a ideia. A brincadeira foi justamente essa: fazer um clipe mega denso e cinematográfico para uma música super gostosinha, de jogar a bunda. É isso que me interessa.

Em “A Caminhada”, você traz versos em inglês. Significa a intenção de exportar seu trabalho?
Ih, com certeza! Eu penso nisso todos os dias! Eu sou muito paciente com esse tema, carreira internacional, mas a meu ver as carreiras no Brasil estão chegando a outros lugares muito rápido. A gente está fazendo um barulho muito legal. Para uma carreira ser considerada internacional, estou tendo a impressão que falar outra língua já não é mais o que caracteriza isso, sabe? O Kevin O Chris está chegando lá em português. Talvez a carreira internacional seja a gente falando em português e a gente nem sabe! A gente está para descobrir isso ainda, mas eu quero muito cantar em outros idiomas, independente disso. Eu penso muito sobre isso, mas na hora que eu for fazer quero surpreender muito,sabe?

Rodrigo Gorky falou recentemente sobre a dificuldade que artistas LGBTQI, sobretudo drags, tem para entrar na grande mídia, como as rádios. Ele disse que nem com jabá. Qual sua vivência pessoal com essa questão?
O Rodrigo está corretíssimo. As rádios são o lugar mais inóspito para divulgar nosso trabalho. É um meio que parece que está cercado por dinossauros da cultura, que simplesmente não querem entender que as drag queens representam o futuro do que a gente está falando, entendeu? Para se ter ideia, para colocar ‘Coisa Boa’ na rádio, eu ouvi que a música era rápida demais: ‘não tem como diminuir o ritmo?’. De um funk 150bpm! É um dos motivos mais absurdos possíveis para denotar que ‘aqui, drag não entra’. A gente tem essa perspectiva da rádio porque realmente é um lugar em que a gente bate, bate, bate e para ter algum tipo de atenção só mesmo em alguma situação muito específica. A luta das drag queens para entrar nas rádios ainda é real.

(Foto: Divulgação)

Na música “Magenta Cash”, você faz uma reflexão sobre o pink money: “eles querem o nosso cash, cash, cash, cash”. Pensando no mundo da música, como identificar quem realmente está apoiando a comunidade LGBTQI+ e quem está apenas de oportunismo?
Não existe um filtro e é por isso que faço da vida a minha experiência. Você literalmente não tem como saber em quem confiar da porta pra fora do seu arco-íris. Para falar sobre a nossa vida, a gente conta com os nossos. A gente acredita em quem está do nosso lado e não abre. Mas o tema “pink money” já era uma coisa que eu queria retratar no meu trabalho há muito tempo. Amei fazer isso com a ferramenta do trap, amei trazer a Monna Brutal para dentro desse som. É uma pessoa que sou muito, muito, muito fã.

Como você conheceu ela?
“Magenta Ca$h” já existia e eu queria muito colocar alguém, mas eu não gostava de nada que eu pensava. É um tema muito específico, e eu pensava que tinha que ser uma pessoa muito fo**. “Sei lá, não tem ainda”. Um dia, meu amigo Lucas Boombeat, do Quebrada Queer, me mostrou essa mulher. Vi uns três vídeos da Monna e fiquei muito fã. No mesmo dia, mandei uma mensagem falando: “meu Deus, você é tudo que eu sempre sonhei, você é um artista fenomenal…” Para mim, a Monna é a personificação da coragem que eu queria ter. Ela falando, o jeito que ela rima, as coisas que ela fala – ela é muito destemida, sabe? Eu falei “é isso, preciso botar essa pessoa no holofote”. Isso conversa muito outro tema que temos que trazer para cá, que é a reparação histórica do privilégio que a gente tem sendo um homem gay fazendo drag. A gente passa na frente em muitas situações. As travestis são muito preteridas ainda nesse meio da música, né? Ainda é um meio muito transfóbico. Não é porque é o meio da música que elas não são excluídas. A reparação histórica que eu tento fazer dentro do meu trabalho é trazendo as travestis para dentro – seja em uma parceria comigo, seja no meu ballet, seja trabalhando comigo por trás das câmeras. É assim que eu acho que vou conseguir reparar o privilégio de ser um homem fazendo o que faço. Isso é um tema muito importante e ter a Monna comigo tem um peso ainda maior por conta disso.

Ainda sobre essa questão do “pink money”, quando “a máscara cai”, as pessoas reagem com o “cancelamento” do artista. Qual sua visão sobre isso?
Minha visão sobre isso, muita gente conhece. Todo mundo fica puto comigo, porque eu cancelei o cancelamento. Falei: parem de perder tempo cancelando as pessoas, porque vocês não vão chegar a lugar algum. “Ai, Gloria, você tem que entender que tem gente que não tem instrução, aí tem que cancelar mesmo…”. Tá bom, vai lá, cancela. Vamos ver se vai resolver alguma coisa. Não adianta, gente. Estou tomando atitudes condizentes com o que falei. Bater a cabeça e expelir as pessoas para fora de um raciocínio nunca resolveu nada. Só como representante que fui entender essa diplomacia do diálogo. Peraí, vamos conversar, vamos entender o que está acontecendo. Esse rolê de perder a esperança nas pessoas e imaginar um botão de block invisível… isso não existe pra mim, tá ligado? A gente tem mais é que se instruir e instruir ao próximo. Quem não se comunica se estrumbica. Esse rolê do cancelamento, para mim, é uma preguiça das pessoas de trazerem as outras para dentro. É mais fácil cancelar e fingir que não existe. Eu hein!

(Foto: Divulgação)

Em “Sedanapo”, sua metáfora é para maconha para dizer como se sente na mão do boy. Qual sua relação com drogas?
Minha relação com as drogas? Não tenho problema nenhum. Acho todas bem legais. Brincadeira! (risos) É… Eu não tenho um temor de usar qualquer tipo de referência canábica para minha lírica, sabe? Eu canto o que eu sinto, eu canto o que eu vivo. “Sedanapo” não é sobre isso. É sobre ser a segunda pessoa de alguém. Eu não tenho medo, saca? Eu sou isso aí. Esse “embonecamento” das drags é uma coisa que nunca vai rolar. A gente é homem de peruca.

Com esse lançamento, podemos esperar novidades nos próximos shows?
Podemos! Eu estava ensaiando hoje com minha banda! Esse mês tem muita coisa! Tem os Jogos Universitários. Vou fazer três. Tem show no Rio… A galera já quer ouvir “Alegoria” e está tudo entrando na setlist já. Não vejo a hora de fazer os primeiros “lives”.

Para terminar, deixe um recadinho para os leitores do POPline.
POPline, conte comigo para absolutamente tudo! Obrigada por me receberem sempre tão bem, como uma pessoa da família.