Por Renato Nassar
Lembro claramente de há três anos, em um momento conturbado da minha vida, estar dentro do avião que voava de volta de NY ao Brasil escutando no “looping” “Empire State of Mind Part II” enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto. Eu não queria deixar aquela cidade, aquela energia e a música forte e sensível, expressava tudo o que eu sentia.
“Fast forward” para 2016. Cá estou de volta na mesma NY, dessa vez para falar com a própria Alicia Keys. “Concrete jungle where dreams are made of, there’s nothing you can’t do, now you’re in New York, these streets will make you feel brand new, big lights will inspire you, hear it for New York”. Tudo agora faz sentido.
Já no escritório da Sony Music, faço a audição do novo álbum da cantora, “Here”, e assisto ao curta “The Gospel”, inspirado e idealizado pela Alicia. São duas obras coesas, que falam sobre temas atuais e super relevantes da nossa sociedade como racismo, a brutalidade policial, empoderamento feminino, direitos LGBT, todos os preconceitos que nos dividem ao invés de nos unirem e também sobre muros às vésperas da mais importante eleição presidencial dos Estados Unidos. Tudo embalado em uma música crua, poderosa e ao mesmo tempo elegante, com vocais potentes, cheios de alma.
Chega a hora de entrevista. Frio na barriga e ao entrar na sala vejo essa figura forte, sem maquiagem, irradiando uma beleza natural, plena em si e no “Here”. Peço de cara para gravar uma chamada para o site e ela me dá uma tirada, dizendo, “só no final, se eu gostar de você”. Vinte minutos depois, entrevista feita, pergunto: “E agora Alicia, você já gosta de mim?”. Ela responde sorrindo largamente que “sim” e diz, “vamos gravar”.
Popline: Primeiramente gostaria de te parabenizar pelo álbum.
Alicia Keys: Obrigada.
É um resultado maravilhoso, com o filme, de verdade…
Obrigada, obrigada.
Você juntou tudo em uma declaração poderosa sobre todos os assuntos importantes que estão acontecendo na nossa sociedade, como empoderamento feminino, racismo, brutalidade policial. Então… está tudo atrelado a uma música que transmite emoção.
O melhor!
Como esses assuntos se juntaram e inspiraram sua nova arte?
Eles se juntaram porque acho que estamos em um lugar no mundo onde nós temos bastante visibilidade. O que há ao nosso redor e o que podemos enxergar com nitidez. Tem tanta coisa acontecendo que talvez… acho que esperamos que mude, sabe? Que seja diferente. Acho que é bastante óbvio, e é bastante… sabe, tipo, levando em consideração a crise dos refugiados, sabe… é muita coisa acontecendo, é tanto medo, é tanta divisão…
Exatamente…
E acho que não há muita tolerância ou compaixão e vemos isso no mudo todo, vemos aqui na América, vemos isso em todo o lugar. Acho que isso é muito agressivo, frustrante, é enfurecedor. Acho que estamos em uma posição em que, como geração, somos muito mais vocais, estamos muito mais prontos para ser, tipo, catalisadores da mudança. Não vamos apenas receber isso tudo e ficar parados, dizer “ah, tá”, sabe, somos bastante motivados.
Sabe, isso está acontecendo bastante no Brasil!
Isso é ótimo! Acho que isso é muito importante e que a música é uma parte muito importante de tudo isso. Ela só fala da verdade dos seres humanos, sobre o que estamos passando, o que vemos, o que sentimos, as emoções que estamos tendo, os desafios, as complexidades da vida, tanta coisa, mesmo que apenas dentro de nós mesmos. Então compreender essas coisas e poder falar mesmo sobre isso… esta é a grande meta desse disco. Apenas acender as discussões sobre o que está acontecendo a nosso redor e como isso tudo nos afeta.
Em um período político como este, vocês têm eleições na próxima semana, e acabei de ler em um website que você gostaria de ouvir as histórias das famílias dos seus fãs, as “blended families”. Ser mestiço nos dias atuais é um assunto em evidência porque parece que estamos ficando cada vez mais divididos que unidos. Então, você está falando sobre isso, mas como você sente este período e como ele influencia sua música?
Acho que tudo isso é meio louco… ultrajante, até. Mas eu acho que destacar partes disso tudo, onde estamos politicamente, especialmente aqui na América, é um período definitivamente desafiador. Até mesmo quanto ao fato de haver tanta negatividade contra o que deveria, quero dizer, contra o que eu acho que deveria ser comemorado como nossa primeira mulher Presidente, sabe… é muito estranho.
As pessoas chegam a mencioná-la como se ela fosse um homem.
Ou como se ela devesse sentir vergonha pelo fato de ser uma mulher forte, que tem uma visão, um plano, ideias, e eu acho que isso dialoga com o quão sexista o mundo é! É importante que saibamos disso, não é mesmo? Que possamos ter consciência e que comecemos a trocar as posições nesse diálogo para fazer as mudanças que queremos fazer. Conhecer o poder que temos para fazer essas mudanças. Espero que minha música ao menos toque as pessoas e que elas sintam a força vindo dela, que mergulhem nela, a amem, que ela as faça chorar, que dancem ao som dela, que façam festa, internalizem algo em suas próprias vidas sobre ela, se inspirem, sabe… sintam esperança. É isso o que mais espero que as pessoas sintam.
No início da produção do seu álbum, “Here”, você disse que este era seu melhor trabalho até hoje, algo muito mais cru e poderoso. Então, “Songs in A minor”, seu primeiro disco, é muito cru e poderoso. Na sua opinião, quais são as maiores diferenças entre esses dois trabalhos?
Eu tenho que dizer que eu acho que este e o “Songs in A Minor” são muito próximos. E isso é uma outra coisa que me deixa bem animada, porque sei que as pessoas vão falar que “Songs in A Minor” era o álbum favorito delas, sabe? E eu acho um dos meus favoritos também. Acho que todo mundo vai ter a mesma sensação neste disco porque acho que encontrei a “eu” de lá atrás, com uma energia parecida de quando eu fiz o “Songs in A Minor”, que foi muito menos editado, muito mais cru, muito mais real, muito menos, tipo, “censurado”, mais consciente do que eu queria dizer ou do que não queria dizer, e eu acho que eu encontrei essa mesma parte de mim com esse disco. E mesmo no processo de gravação das músicas foi bem daquele jeito. Não foi tão polido, mas de forma proposital. Tipo, o momento que tocamos, que fizemos, que sentimos, que cantamos, e isso, e aquilo, e estava pronto! E quando íamos ouvir pra saber onde e o que iríamos consertar, só se dizia “nossa, é isso!”… então, até isso tem energia própria.
Olhando para sua carreira no passado, podemos ver seu crescimento de forma bastante clara, você está mais solta ao falar de assuntos polêmicos, ao dar voz às suas opiniões. O que te fez mudar ao longo do caminho? Bem, todos nós mudamos, mas você acha que hoje é mais necessário que você se expresse?
Sim, primeiramente, sim, eu sinto que é mais necessário ser clara e ter uma opinião, falar sobre ela e falar sobre o que estamos vendo, quem nós somos, o que estamos atravessando. É como a Nina Simone disse: “o trabalho do artista é falar sobre a verdade”. E eu realmente acredito nisso e sinto que é o que esse disco faz, na verdade, mas eu acho que o que mudamos ao longo do caminho é apenas crescimento, como você colocou, todos nós mudamos. Comecei como aquela garota, que mesmo que ela ainda exista, mas ao longo do caminho você passa a se encontrar em vários lugares diferentes, então eu senti que após algum tempo passei a reconhecer que onde quer que aquele lugar fosse, ele era longe demais da minha verdade. Então, eu não queria ser aquela pessoa, não queria ser aquela pessoa que não podia entrar em contato com minhas emoções, com a minha dor, que não podia encarar isso, o queria tentar fazer tudo ser bom, é perigoso! É perigoso tentar viver atrás da parede da perfeição, é muito perigoso.
É isso o que você sente quanto ao estar “aqui”?
Isso, porque eu fiz aquelas perguntas a mim mesma e me dei conta de que não queria ser aquela pessoa que não podia se expressar da forma adequada, ter uma opinião ou ter mesmo uma opinião diferente, sabe… Comecei a me dar conta de que queria saber mais de mim mesma, não quero ter que disfarçar tanto, e eu quero poder ser apenas, tipo, explícita, brutalmente honesta. Então esta é uma forma de me encontrar comigo e uma das maiores razões de eu chamar esse álbum de “HERE”. Porque eu estou “aqui”, agora. E você também está “aqui”, agora, e, assim, nós, então… o que queremos fazer disto?
Você ainda tem um diário para suas anotações ou já não o tem mais?
Ainda amo fazer um diário. Vou por essas coisas que faço bastante e então eu paro, recomeço, mas a cada vez que eu registro essas coisas, seja em um diário ou escrevendo em um livro, é melhor para mim.
Você lembra de alguma coisa que tenha escrito no Brasil?
Oh!
Ou tipo, alguma experiência de que você lembre que te faça dizer “uau”?
Ah, eu amo a arte de rua no Brasil. Amava poder andar na rua e ver graffitis magníficos. Amei a comida, amei o espírito do povo, e a praia, ia à praia o tempo todo que via uma no Brasil. Eu iria à praia o tempo todo, porque eu amo praia.
As suas mudanças de visual. Especialmente pelo fato de você não estar mais usando maquiagem, o que chama a atenção do público e espalha essa mensagem de autoconfiança. Você falou recentemente que mudou bastante, mentalmente, e isso não se refletiria apenas exteriormente, mas também em suas composições. Como você enxerga essas transformações?
É tudo muito relevante porque para mim o importante é me revelar, me encontrar de várias formas, pela primeira vez. E me perguntar “de quem são esses pensamentos que você tem?”. Acho que, muitas vezes, os pensamentos, as coisas que pensamos são os medos de outras pessoas, são os sistemas de crença de outras pessoas, nós apenas os adotamos. Porque essas são as pessoas com quem convivemos ou são as pessoas que acompanhamos e muito desse processo que eu estive atravessando se trata de “desaprender” as coisas que eu achava que eram minhas! E agora, eu estou identificando o que é meu.
E o que você descobriu nessa jornada? O que para você foi mais surpreendente?
Descobri que o medo é um parâmetro muito bom para que você se pergunte sobre o que você teme. Tipo, o que causa esse medo? O que te assusta tanto? Uma outra pessoa que tem tanto medo de uma ideia, ou medo de perder, ou de… sabe o que quero dizer?
Temos tanto medo, o tempo todo!
Isso! Isso torna a existência tão feia! Cara, isso é demais, mas o que eu também acho uma coisa positiva que te provoca a se perguntar o que está por trás daquilo.
Então… vai voltar logo ao Brasil?
Quero muito, mesmo! Mal posso esperar por voltar, mal posso esperar para me apresentar. Mal posso esperar por ver vocês e… já tem um tempinho, eu sei… tenho saudades.
Temos só mais uma pergunta dos fãs…
Ok, sim!
Há uma preocupação muito grande… sobre o vídeo que você gravou com a Beyoncé, em 2010…
Eu seeeei…
E os fãs estão, todos, ainda esperando alguma coisa… talvez você possa voltar ao Brasil e gravar um outro vídeo…? (risos)
A gente faz! Vamos tentar outro, vamos lá e fazemos outro! (risos)
Você pode tentar outro? (risos)
Vamos, vamos trabalhar em outro!
Porque os fãs ficam todos, tipo…
Ficam, tipo “o que aconteceeeeeeu??”
“O que aconteceu??”, e as pessoas ficam tão animadas…
Talvez, um dia…
E as capturas são tão lindas…
Verdade, foi muito bom!
Um dia, talvez.
Um dia, talvez!
Tradução: Amanda Faia e João Bezerra