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POPline entrevista: DAY LIMNS explora dicotomias no videoclipe de “Minha Religião”

Em conversa com o POPline, cantora explicou como está ressignificando traumas através da arte
Foto: Divulgação

DAY LIMNS aproveitou o feriado de Corpus Christi para apresentar o single “Minha Religião“, trazendo uma atmosfera romântica e cheia de reviravoltas. Revelando uma nova camada do seu próximo projeto, a cantora disponibilizou a música nas principais plataformas de áudio e entregou aos fãs um videoclipe ousado em seu canal no YouTube.

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Em “Minha Religião“, DAY brinca artisticamente com dicotomias como bem e mal, sagrado e profano, céu e inferno, unindo tudo em uma única entidade. A artista traz ainda uma analogia entre o corpo de Cristo e o corpo de Vênus – personagem revelada no videoclipe de “Vermelho Farol” e por quem a cantora se diz devota e apaixonada. O single foi produzido por Los Brasileiros e marca o segundo lançamento da cantora em sua nova fase.

Confira o videoclipe de “Minha Religião“:

Em entrevista ao POPline, ela falou sobre o processo de composição da faixa e a escolha de lançar a música durante um feriado religioso, referenciando o seu passado traumático com a igreja e reforçando sua voz ativa em relação as demandas da comunidade LGBTQIA+. O bate-papo aconteceu no dia anterior a apresentação de DAY no festival Best of Blues and Rock, que recebeu nomes como Buddy Guy, Tom Morello e Goo Goo Dolls.

Leia, abaixo, a entrevista com Day Limns:

Você está cavando o seu lugar na cena pop. Uma galera te chama de rainha do pop underground, como você se sente em relação a isso? 

Cara, é meio que isso, pop underground. É uma coisa que, quando se fala não faz muito sentido, mas faz. É que as pessoas vão me ver ali no underground e, de repente, vão me ver extremamente pop e vai encontrar em todo quanto é tipo de lugar, vai me encontrar na música da Luiza sonsa, mas vai me encontrar nas minhas músicas. Sei lá, eu gosto. A gente falou de estar cavando meu nome nesse lugar e é uma decisão que eu tomei de representar isso há uns anos.

E ver que está dando certo e ver que está, de fato, acontecendo uma coisa que eu me propus a fazer correndo todos os riscos possíveis, inclusive – porque eu estava seguindo por um caminho onde eu estava tendo todos investimentos, todos os olhos para mim numa questão mais e aí, de repente, eu decido falar “mano, meu coração tá pedindo para eu fazer isso porque eu quero me tornar isso. Eu sei que tem uma lacuna aqui”. Então, a gente foi com tudo, sem olhar para trás e ver que está dando resultados… Ver, por exemplo, meu nome em um line up tão grande, em um dos maiores festivais de blues e rock da América Latina, junto com esses nomes, é uma coisa que valida essa decisão que eu tomei, esse risco que eu quis tomar. Eu acho que tem dado certo. Tomara que mais mulheres surjam e apareçam e tenham a oportunidade de terem suas artes mostradas para o mundo pois ainda temos poucas representantes. Espero que essa movimentação inspire mulheres para essa cena.

Como você está fazendo para equilibrar as suas influências musicais neste novo trabalho? Qual a sua pegada agora? 

Então, acho que com esses lançamentos, com “Vermelho Farol”, eu consegui englobar muito de tudo que eu já fiz e fazer uma coisa coesa. A gente vê algo bem pop, mas, de repente, no refrão é algo extremamente pesado e tem bastante do flow do rap, dessa coisa de colocar bastante palavra, que são coisas que eu sempre gostei muito de misturar. É algo que as pessoas que me acompanham a mais tempo esperam do meu trabalho, de ter esse tipo de linhas melódicas. Então, eu tenho misturado muito e, a partir de “Vermelho Farol“, acho que eu começo a desdobrar isso. O próximo lançamento já é algo mais pop rock, eu diria até que caberia numa trilha de filme ou de novela, uma coisa mais assim, então a gente vai se desdobrando. Eu não tenho medo de cair em contradição quando se trata da minha arte, quando se trata da minha música. Eu acho que tenho pregado que eu sou uma contradição desde o começo. Desde o começo, eu estou avisando. Acaba que essas contradições não pegam as pessoas de surpresa, porque é o que se espera quando se trata da DAY, sabe? Eu vou fluindo nesse rolê com muita liberdade. A próxima vai ser mais pop rock, mas aí de repente uma próxima vai ser outra coisa, mas tudo caminhando sempre no mesmo universo do pop, rock e do rap. Minha missão é criar a coisa mais autêntica possível, que, para além da sonoridade, tem um storytelling, tem uma estética, tem um porquê. E eu acho que é isso que me faz mover com muita liberdade. Para mim, tudo faz muito sentido por mais que pareça contraditório. Para mim, tudo está muito conectado e faz sentido com o que eu estou vivendo. Uma coisa que eu tenho batido muito na tecla nesses lançamentos, eu comecei “Vermelho Farol” com isso, é que é baseado em sentimentos reais. Desde a sonoridade a estética e os clipes, é tudo baseado em sentimentos reais, baseado no que eu estou sentido, no que eu acho que tem ser e vou fluindo com muita naturalidade. E repito: não tenho medo de cair em contradição quando se trata desse rolê.

Contradição faz parte da nossa existência, certo? 

E faz parte do meu signo. Eu sou de gêmeos. Eu sempre vou botar a culpa no signo. Eu tenho essa brecha (risos).

Como você compôs “Minha Religião” e de onde surgiu a inspiração para a letra? 

“Minha Religião” foi uma música que eu escrevi no ano passado, já faz um tempo. Já estava pensando nessa próxima era, então isso já estava na minha cabeça. Eu queria introduzir esses temas mais controversos, de fazer essas analogias em relação a religião no meu trabalho, que é o que eu fiz no meu livro “Esta Não é Apenas Uma Carta de Amor“, mas eu queria trazer mais para a minha música, deixar mais escancarado. E eu fiz “Minha Religião” como uma declaração de amor mesmo. Para mim, “Minha Religião” é um pop rock romântico e é, basicamente, eu me colocando numa posição completamente devota a uma pessoa que eu considero Deus, no nosso caso, uma Deusa.

Quando a gente fala de religião [na nova música], falamos não só de algo que as pessoas conhecem no conceito religioso mesmo. A gente fala de algo que a gente faz religiosamente, algo que a gente faz sempre. “Nossa, ouvir Beyoncé é a minha religião” ou “ouvir Taylor Swift é a minha religião”. Então, também tem essa pegada um pouco mais leve do rolê, que dá para a gente trabalhar, mas eu quis muito trabalhar as analogias baseado em tudo o que eu vivi também. Essa música começa como uma declaração, eu estou falando para uma pessoa “minha religião é te ver pelada na minha frente”, tipo, eu estou completamente devota a você, mas eu também me coloco numa posição de pecadora. “Eu estou devota a você, você que é tão santa, mas eu não sou. Eu sou pecadora. Olha só eu confessando o meu pecado para você”. E aí tem esse lugar, dessa deusa gostar disso, do fato de eu não ser santa como ela. A música caminha nesse sentido, de alguém ser santa no seu olhar e você ser muito pequeno e pecador. Acho que isso leva para lugares tanto de relacionamentos vividos, mas também, pra mim, é uma coisa que eu quis trazer para dentro do rolê que eu vivi na igreja, que foi muito do “eu te aceito como você é, mas não tanto”. Eu quis trabalhar muito essas duas coisas, quis juntar esse útil ao agradável, especialmente neste momento,  em que a gente está vivendo muitas coisas conflituosas em relação a religião e as questões LGBTQIAp+. É uma pauta da qual eu quero falar bastante na real, porque eu tenho muita experiência e muita vivência em relação a isso. Por mais que “Minha Religião” seja uma música pop rock romântica, que pode ser levado para esse lugar de declaração de amor, mas ao mesmo tempo quis trazer o peso dessa discussão do santo do profano, do certo do errado, e da religião perante essas questões LGBTQIAP+.

Hoje em dia você tem uma religião? 

É ver ela pelada na minha frente (risos). Eu diria que a minha religião hoje é a música, a arte, que é uma coisa que eu faço religiosamente. Para mim, é uma coisa muito diferente a espiritualidade, que é uma coisa que eu tento trabalhar de outras formas, mas que não tem nada a ver com aquele conjunto de regras e rituais que eu estava acostumada. Mas não tenho não, minha religião é a arte.

Você falou sobre tudo ser baseado em sentimentos reais, então essa música é baseada em uma história real…

Definitivamente. Eu lembro que eu a fiz realmente pensando em ser uma declaração sobre ter alguém na sua vida que te aceita e te olha como você é. Eu sempre falei muito nas minhas músicas que eu sou de lua, que eu sou difícil, o quanto eu sou problemática e caótica, e é muito louco quando você encontra alguém que parece estar okay com tudo isso, que olha para isso e fala “está tudo bem, eu te aceito, estou com você”. Veio desse lugar. Conforme o tempo vai passando, o sentimento vai se transformando e indo para outro lado. Eu consegui unir todo esse conceito da igreja, com o que eu vivi, com relacionamentos e tal. Então, definitivamente, é baseado em sentimentos reais. É claro que, como artista com ascendente em câncer, eu exagero em absolutamente tudo. Eu costumo dizer que os nossos sentimentos criam as próprias narrativas, então imagine o sentimento de um artista, que está ali criando e inventando em cima do que ele está sentindo. Não diria para as pessoas levarem tanto para o literal, mas é definitivamente baseado no que eu senti.

O que o seu “Minha Religião” adianta em relação ao seu novo projeto? Vai nessa mesma toada? 

Vai nessa mesma pegada e eu acho que as pessoas podem ir unido tudo o que tenho mostrado. Nesta casa servimos à Taylor Swift, então a gente aprendeu que temos easter egg em todo canto, de cabo a rabo. Desde o começo da minha carreira eu trabalho com easter egg. Então, as pessoas precisam prestar atenção nas coisas que eu tenho postado, eu tenho deixado várias dicas nos clipes, inclusive, de coisas que vão fazer sentido um pouco mais para frente. Vai ter um pouco disso, um pouco daquilo. Eu preciso que as pessoas, de fato, prestem atenção nas coisas que eu tenho mostrado que tudo vai fazer sentido depois. Eu acho que, agora, com “Vermelho Farol” e com “Minha Religião” já conclui-se algo. No clipe de minha religião também tem dicas, então prestem atenção nos detalhes.

Falando em easter eggs, tem a personagem Vênus. De onde ela surgiu e qual a sua proposta com esse personagem, que também é mitológico? 

Eu tenho trabalhado alguns conceitos que vem desde a mitologia romana, a parada gótica quando você fala de arte, tenho trabalhado a religião, a astrologia, então esses universos eles meio que estão se conversando. Eu não vou falar muito sobre Vênus porque eu quero que as pessoas continuem a prestar atenção nos detalhes e criando as suas narrativas em cima do que eu tenho mostrado, não quero dar tudo agora. E, como eu falei, eu quero faça mais sentido mais para frente, mas eu sempre amei criar histórias, eu tenho um livro baseado em tudo o que eu vivi e senti, então é mais uma oportunidade que eu encontrei de brincar com isso, de fazer as pessoas viajarem nesse rolê, nesse storytelling todo. Mas eu não vou falar muito sobre vênus, eu quero deixar as pessoas olhando, criando teorias, se mordendo e se matando para entender até, de fato, fazer sentido. Eu posso dizer que esses conceitos estão dentro do projeto – a mitologia, religião, astrologia dentre outras coisas. Tem bastante coisa para se trabalhar e para se pensar e virar uma coisa só.

Você falou de religião e estamos no mês do orgulho LGBTQIAP+, você a sua história com a religião no passado. A sua forma de trabalhar a sua arte, trabalhando todos esses temas, é também uma maneira de você acessar esse passado e ressignificar ele? 

Veio literalmente por causa disso. Eu percebi que eu tenho tanta trava, percebi que eu queria correr riscos na minha carreira que eu não estava com coragem por causa de tudo que me passaram. Então, eu falava “não, mas eu não posso ir para esse caminho porque, né”, “não, mas eu vou chocar”, e eu querendo fazer as coisas. Até em “Vermelho Farol”, [eu pensava] “não, mas eu vou falar ‘tirando sua calcinha’? Não, aí, mas nossa…”. E eu querendo muito falar, querendo muito desbravar e eu “não, mas, Jesus amado”, “será?”, “não, mas e fulano”, “vai dar ruim”, e eu com aquele desejo de falar. Então, veio muito de um lugar de até um pouco de raiva. Eu falei “mano, que raiva, quero fazer e tem essa trava de coisas que eu não quero que me pertença mais, mas que está aqui dentro porque foram 21 anos da minha vida”. Inclusive, minha mãe estava me contando umas histórias hoje. Quando eu estava namorando a minha última namorada, assim que eu comecei a namorar, a gente ia para Goiânia visitar [a minha mãe]. Antes da gente ir, minha mãe foi até o pastor e falou “pastor o que eu faço? Eu recebo a fulana de tal lá em casa? Eu posso receber a namorada da minha filha na minha casa?”. O pastor falou assim para ela, olha a analogia do pastor: “se a sua filha estivesse usando drogas, você aceitaria o traficante na sua casa?”. E minha mãe me disse “eu nunca tinha questionado nada até esse dia”. Como assim você deixa uma coisa guiar a sua vida inteira e não questiona nada? A pessoa fala “faz” e você faz sem questionar absolutamente nada, como se fosse um robô? A minha mãe me falou isso hoje. Nesse dia, quando o pastor falou isso, ela falou “isso aí não está fazendo muito sentido para mim, não”. Ela questionou e fez o contrário – comprou uma cama de casal, botou lá em casa e falou “você venha, venha com a tua namorada, você vai ter um quarto aqui com a tua cama”. Depois, ela nunca mais pisou [na igreja] e quase mandou o pastor ir cagar. Então, essa foi a minha vida, a minha história. Eu tenho muita história para contar em relação a isso. Para mim, é estar ressignificando esse trauma, porque é um trauma – que me traz gatilho, me dá raiva -, então, não tem forma melhor de fazer isso do que através da arte, usando sentimentos reais, que eu senti na pele, sabe? Inclusive, em relacionamentos tinham coisas que eu reproduzia e que vieram desse lugar, mas só agora eu vejo e penso “olha porque eu fiz isso, por causa disso e disso”. Muita terapia, muita coisa envolvida ali para entender, mas, definitivamente, tudo o que tem vindo agora é para ressiginificar esse rolê que eu, honestamente, achava que já tinha resolvido na minha cabeça, mas não. Além de ressignificar e ser uma coisa baseada na minha vivência, é uma coisa que eu acredito muito que possa chegar em outras pessoas que se identifiquem. Acredito que a gente pode criar uma comunidade seguira, em que a gente possa falar livremente sobre essas coisas e viver livremente quem a gente é, sem essas amarras e essas travas. Quero que as próximas pessoas possam se aceitar com menos pressão e mais facilidade. Eu quero muito contribuir de alguma forma para isso com a minha arte e minha música, porque pra mim foi difícil.

 

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