Em turnê pela Europa, Emicida esteve nos estúdios do programa RFI Convida, gravado na França, e lá aproveitou para explanar os motivos da existência de poucos artistas gays na cena rap/hip hop. Vale lembrar que o rapper lançou recentemente o single “AmarElo” e convidou Pabllo Vittar e Majur, dois dos nomes mais fortes da cena LGBTQ do país. “Quando a gente convida Pabllo e Majur para o epicentro da coisa, é para colocar a música rap na frente do espelho e se perguntar: por que não temos mais artistas assumidamente gays? Que tipo de atmosfera a gente construiu que faz essas pessoas se sentirem agredidas na nossa presença?”, questiona o artista.
No fim de junho, o rapper Lil Nas X revelou ao mundo sua orientação sexual. A declaração despertou respostas variadas por tratar-se de um artista internacional e que, de quebra, lidera há múltiplas semanas a parada de singles da Billboard. Uma das reações de maior repercussão foi de Young Thug, que declarou que o jovem astro deveria ter evitado revelar sua homossexualidade. Este é apenas um dos (muitos) casos de intolerância dentro da cena rap. E é por isso que “AmarElo” chamou atenção por ser um ponto fora da curva dentro de um movimento considerado “machista”. E, principalmente, pelo momento político que o Brasil atravessa.
“Quando o país tem 13 milhões de desempregados e a preocupação do presidente é impedir que pessoas transexuais tenham acesso a um vestibular especifico para elas, eu acho que a gente precisa lamentar, não rebater. A gente não está retrocedendo: a gente está caminhando rumo ao suicídio coletivo não só do projeto político inexistente desse governo atual, mas da nação como um todo”, avalia Emicida.
Jogar luz sobre alguns tabus da sociedade brasileira sempre foi uma tônica na carreira de Emicida e desta vez não é diferente. “Em que momento, da nossa trajetória, enquanto movimento cultural que emancipa tantas pessoas ao redor do mundo, a gente deixou de ser um braço, de estender a mão para essas pessoas? ‘AmarElo’ visa também fazer essa reflexão”, explica.
Vivendo um bom momento criativo na carreira, Emicida não se furta de falar de outros temas espinhosos como a questão do negro na sociedade e a política no país. Algumas semanas antes de lançar “AmarElo”, o rapper se juntou à paraense Dona Onete, o paulista Jé Santiago e o português Papillon no single “Eminência Parda”, que ganhou um clipe que aborda o lugar que os afrodescendentes ocupam no imaginário da classe média brasileira.
“A letra fala sobre existir, com poder, com grandeza. Sobre se olhar no espelho e se sentir grandioso. Mas o vídeo tem uma força perturbadora, que é um paradoxo muito presente na realidade das pessoas do Brasil. Esse tipo de racismo é quase uma exclusividade do Brasil. Desconheço um lugar onde aconteça de uma maneira tão sutil e, ao mesmo tempo, tão perversa”, conclui.