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Em entrevista, Mc Carol conta à Linn da Quebrada e Jup do Bairro sobre tentativa de feminicídio que sofreu

Foto: Palavra Assessoria / Divulgação

O Canal Brasil exibe, na próxima terça, 1º/10, à 0h, o episódio do programa “TransMissão” em que as artistas trans Linn da Quebrada e Jup do Bairro entrevistam a funkeira carioca Mc Carol. Além de falar sobre racismo e gordofobia, Carol contou como começou a cantar e sobre a tentativa de feminicídio feita por um ex-namorado que sofreu em 2018. Leia abaixo alguns trechos da entrevista:

Linn da Quebrada: E o seu corpo? Você sente que o seu corpo foi marcado na sua história, na sua trajetória, por quais diagnósticos?
Mc Carol: Eu acho que eu sofri mais na época da escola e mais por ser negra. E aí quando eu entrei no funk, eu comecei a sofrer por ser gorda. Eu entrei na época das mulheres fruta, não tinha nenhuma mulher gorda no funk, eu já sabia que eu ia sofrer. Mas eu já fui preparada, fui preparada lá atrás pelo fato de ser negra. Eu fui preparada pelos meus bisavós. Eu me lembro que eu cheguei um dia da escola e eu falei que eu estava cansada de ser negra e o meu avô teve uma conversa bem dura comigo, ele falou: “Da porta pra fora você não tem que se importar com ninguém, se essas pessoas morrerem a sua vida não vai mudar em nada. Então por que você está se importando? Por que você está chorando?”. Eu cresci nessa linha. E aí quando eu era atacada no palco – lógico que é difícil, eu não sou completamente gelo – eu lembrava dessas palavras e ia.

Jup do Bairro: A gente também tem profecias que vêm para o nosso corpo, do externo: “lugar de mulher é dentro de casa, a gorda no palco é absurdo. Para você, como foi ter esse resgate de identidade?
Mc Carol: Eu fui criada para ser uma mulher policial. Eu tive essa criação e era o meu sonho e era o sonho dos meus bisavós. E eu cresci acreditando que eu seria policial, que eu teria a minha casa, o meu trabalho. Eu fui morar sozinha com 14 anos e caí no funk do nada porque eu era muito criativa: de desenhos que eu fazia, eu fui fazendo frases e quando eu vi eu tinha um caderno com 30 músicas. Um dia eu enchi a cara de vinho, fui parar em um baile funk, cantei, todo mundo gostou, achou engraçado e eu virei Mc. Então aquela linha na minha cabeça, que eu já tinha antes, de fazer o que eu quero, de ser o que eu quero, eu levei pro funk: eu vou fazer o que eu quero, vou falar o que eu quero, vou falar do meu prazer.

Jup do Bairro: Tu é muito corajosa, né? Você tem letras muito corajosas. Mas do que você tem medo?
Mc Carol: Eu tenho medo de morrer na mão de um homem. Eu acho que esse é o meu medo número 1. Eu vi isso, eu passei por isso. Eu, com toda a visibilidade que eu tenho, aconteceu isso. Imagina para uma mulher que não tem visibilidade. A nossa vida, a vida da mulher preta, não vale nada. Se essa pessoa roubasse um telefone, ficaria presa. Mas como ele tentou matar uma mulher, são seis meses. E aí, quando isso estava acontecendo, eu pedia muito, pedia pelo amor de Deus, até que chegou uma hora em que eu vi que nada do que eu falasse ia adiantar, então eu me calei. Eu vou morrer com dignidade. E aí essa pessoa começou: “cadê a Carol Bandida? Você não era isso, você não era aquilo? Eu vou te esculachar!”. E isso mexeu com o meu ego, mexeu com os meus piores instintos. E eu fiquei imaginando a minha família, os meus amigos, as pessoas que escutam as minhas músicas, principalmente a 100% Feminista. Porque nessa música eu falo da agressão que eu via dentro da minha família, eu não tinha passado por aquilo. E eu fiquei imaginando eu passando na TV esfaqueada. E eu pensei: “não, eu não vou morrer, não hoje”. Eu pedi muito a Deus por um segundo de distração, eu só precisava de um segundo. E aí eu tive. E eu lutei pela minha vida e eu consegui me trancar no banheiro até a polícia chegar e eu sobrevivi.

Jup do Bairro: Se você pudesse descrever um legado, qual seria o seu?
Mc Carol: Persistir. Eu era incansável, sabe? Eu ia lá, cantava numa comunidade, aí tina troca de tiro, começava a “bala a comer”. Eu chegava em casa tremendo e pensava “cara, o que eu estou fazendo”, mas falava “mas eu vou, próxima semana tem e eu vou. Eu era incansável. Continuo sendo mas algumas coisas me abalaram. A tentativa de feminicídio me abalou muito. Porque você fica pensando: “eu só terminei, eu não fiz nada, eu só não queria mais”. Será que eu fiz coisas ruins a esse ponto, pra merecer passar por isso? Eu me perguntei isso durante meses. Por que eu? Eu não estou 100% ainda. Eu vou estar 100%, eu determinei isso.

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