Toda vez que se arrecada dinheiro pelo uso de música, a conclusão ideal desse processo é que o montante coletado seja pago para as músicas que foram tocadas durante aquele uso, e proporcionalmente à quantidade de vezes que cada uma foi tocada durante esse uso. Isso é o que se chama de distribuição direta.
Então vamos pensar num dos casos mais simples e claros de uma distribuição direta: shows. Alguns anos atrás, quando ainda estavam ocorrendo grandes eventos, o Foo Fighters tocou com o Queens of The Stone Age no Maracanã. O produtor deste evento negociou com o ECAD uma taxa de royalties pelo uso de músicas durante o evento, baseada em um percentual da receita bruta arrecadada com ingressos e pagou esse montante ao ECAD.
Assumindo que os dois shows tenham sido tratados como eventos principais, a receita foi dividida pela quantidade total de músicas tocadas, estabelecendo assim um valor fixo por música e assim foi feita a distribuição do dinheiro entre as obras. Sim, há mais detalhes desse processo que não descrevi mas essencialmente é assim que funciona e serve para exemplificar.
Em um mundo ideal, seria possível aplicar essa lógica a todo e qualquer método de distribuição, mas não podemos esquecer que no meu exemplo estamos falando de um universo de músicas muito pequeno e de fácil identificação. É praxe do ECAD gravar esse tipo de evento para poder ter uma referência na hora de verificar os setlists e compor a distribuição. Para outras fontes de receitas, muitas vezes as coisas são bem mais complexas e precisamos começar a entender o problema de escala e custos de arrecadação versus distribuição.
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Entendendo os conceitos de analogia e amostragem
Então vamos falar sobre os casos em que acontece a distribuição chamada “indireta”, que foge do que seria o ideal e porque ela acontece desse jeito. Uma distribuição indireta acontece quando para o dinheiro que foi arrecadado de uma dada fonte usuária de música não foi possível conhecer o repertório utilizado por aquela fonte. Os exemplos mais básicos desse tipo de uso são os que chamamos de usuários gerais: bares, restaurantes, academias, consultórios e shopping centers.
Utilizam música em seus negócios como um fator de valor agregado e pagam direitos por isso, com base em região socioeconômica, área sonorizada, etc. Os critérios estão publicados nas regras de arrecadação do ECAD para quem tiver interesse, não são secretos. O grande desafio com esse tipo de usuário é a escala. São dezenas de milhares de usuários espalhados pelo país. Isso resulta em arrecadação custosa.
Como conhecer com exatidão todo o repertório que toca em todos esses lugares para fazer a distribuição? Tecnicamente possível? Talvez. Mas aí, a distribuição ficaria cara também. E chegamos a um ponto onde arrecadar e distribuir se torna mais caro do que o que de fato se arrecada. Como resolver? Adota-se o método de analogia: utilizar um universo de músicas de fontes com repertório conhecido, como rádio e televisão como referência para distribuir esses valores.
E por que esse método tem alto grau de precisão? Porque é frequente que esses usuários utilizem estações de rádio e televisão como sonorização de seus ambientes. Essa é uma realidade em transição já que sonorizações passam a ter outras fontes e é possível vislumbrar um futuro onde esse tipo de uso possa ser monitorado de forma economicamente viável para uma distribuição de fato direta. Não chegamos lá ainda.
Somos um país continental e complexo, precisamos equilibrar sempre nossas expectativas. Mas há mais um método internacionalmente usado e que não cabe exatamente nem na definição de distribuição direta nem indireta.
Entra em cena o conceito de amostragem, que muitos consideram confuso. É um conceito estatístico que usa um universo menor de dados para extrapolar um universo maior desconhecido com uma exatidão dentro de margens de erro aceitáveis para o tamanho do universo em questão. Como esse método é aplicado globalmente há décadas por entidades de gestão coletiva de direitos de música, surpreende que tanta gente utilize sua existência como argumento de que o sistema de distribuição é “indireto” e portanto injusto.
Ele é bastante utilizado para distribuição de fontes como rádio e TV, onde a qualidade dos dados recebidos pelos usuários pelo que toca em seus serviços oscila consideravelmente. Nesse aspecto, a tecnologia se tornou um grande aliado e hoje em dia é possível monitorar integralmente grandes usuários de forma automática, sem intervenção humana para fazer as audições. E a partir desse universo de músicas captadas e identificadas, cria se o universo de obras utilizadas para distribuir também o dinheiro de fontes que não são monitoradas e das quais se tem pouca ou nenhuma informação.
Resumindo os fatores envolvidos: custo de arrecadação, custo de distribuição, presença ou não de dados confiáveis e/ou monitoramento economicamente viável de uso de música. Se fazer uma distribuição direta custa mais caro do que o que se arrecada daquela fonte, é preciso usar o próximo método mais justo: a amostragem e por fim a analogia.
Tudo leva crer que cada vez mais distribuições serão feitas no futuro de forma direta, mas a evolução tecnológica, não ocorre em um vácuo e tem um efeito que não pode ser ignorado: o volume quase inconcebível de músicas lançadas diariamente no mundo digital. Desafio tremendo pela frente.