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Diretores e os desafios em fazer videoclipes durante a quarentena

Conversamos com Felipe Sassi e Rafa Marques sobre as estratégias do mercado audiovisual durante a pandemia.

Quais são os desafios de se fazer videoclipes durante a quarentena? (Foto: Reprodução/Instagram)

O isolamento social é a medida mais eficaz para evitar a propagação do novo coronavírus. Entretanto, a restrição interferiu diretamente no trabalho de muitos profissionais. Sem os shows, os artistas “descobriram” as lives. E os videoclipes, poderosa ferramenta de divulgação, sofreram mudanças em seu modus operandi. Conversamos com os diretores Felipe Sassi e Rafa Marques sobre os desafios do mercado audiovisual durante a quarentena.

A pandemia fez com que os profissionais do setor audiovisual elaborassem novas estratégias (Foto: Reprodução/Instagram)

Mas antes é preciso contextualizar minimamente como o Brasil tem reagido à pandemia nos últimos meses.

A Organização Mundial da Saúde declarou “pandemia de coronavírus” no início de março. A China e alguns países da Europa já viviam o ápice da infecção, enquanto no Brasil os primeiros casos começavam a ser confirmados. Entretanto, as descrenças e atitudes do presidente Jair Bolsonaro divergiam do que a comunidade médica recomendava. A demora na tomada de decisão fez com que milhões de brasileiros ficassem expostos ao Covid-19.

Na sequência, o ministério da Saúde regulamentou critérios de isolamento e quarentena para que o número de infecções por coronavírus diminuísse. Porém, Bolsonaro – que chegou a perder dois ministros da Saúde (Luiz Mandetta e Nelson Teich) em menos de dois meses – seguiu desdenhando das orientações e não contribuiu para que a pandemia começasse a ser erradicada.

O avanço do Covid-19 no Brasil é real e segue sem expectativas de melhoria nos números.

A escassez de gravações na quarentena

Com a redução dos serviços rodoviários e aéreos, bem como o fechamento de todo o comércio (exceto serviços considerados essenciais como farmácias e supermercados), os brasileiros foram obrigados a permanecerem em suas casas a fim de diminuir a propagação do vírus.

Com a proibição de aglomerações, os shows também foram proibidos. Sem a principal fonte de renda, os artistas reinventaram o conceito de apresentações ao vivo e investiram nas lives, com direito a patrocínios generosos de grandes marcas.

Por outro lado, o universo dos videoclipes também sofreu com o impacto do isolamento social. Em um primeiro momento, os artistas pararam de procurar os profissionais que trabalham atrás das câmeras. Afinal de contas, ninguém queria sair de casa. Mas se não tem produção, não há pagamento. Como lidar com esta situação?

“Eu tento me conectar com o momento e entendê-lo. Claro que me assustou sobre a questão financeira. Mas acredito que o atual momento vem de um reflexo de nossos comportamentos e consumo”, avalia Felipe Sassi.

Felipe Sassi e Gloria Groove em sintonia nas gravações do clipe “Sedanapo” (Foto: Reprodução/Instagram)

Normalmente um diretor de videoclipes conta com uma grande equipe de profissionais. Lidar com a escassez de trabalhos é um duro golpe.

“Como 95% das pessoas que trabalham comigo são freelancers, foi mais tranquilo. Consegui ajudar duas pessoas que são fixas (produção e assistente de produção), mas precisei renegociar valores. É complicado quando você sabe que tem pessoas que dependem de você, tem um fluxo de trabalho contigo, sustentam famílias. E você precisa deixá-las na mão”, lamenta Rafa Marques.

Adotando estratégias criativas

É possível criar soluções com uma equipe reduzida? Para Sassi, a sensibilidade do diretor é o que faz a diferença nessa situação. “Temos limitações, claro. Mas nesse momento é bom evitar contar uma história que tenha muitas pessoas, muitas mudanças de ambientes ou que necessitem de uma complexidade maior de luz, movimento de câmera e arte. Existem outras diversas limitações também, mas é possível produzir boas ideias que se tornam grandes clipes”.

O clipe de “Canto da Liberdade”, do cantor Caio, é um desses experimentos sobre fazer arte em tempos de pandemia. Apesar de dividirem o apartamento, Sassi conta que muitas das etapas foram feitas à distância.

“A diretora de arte, Poliana Feulo, deixou alguns materiais de seu acervo pra gente na portaria do prédio. Montamos as luzes e a câmera com assistência via videochamada do Victor Alencar, o diretor de fotografia; alinhamos o figurino com o Maika Mano, stylist, pelo Whatsapp, dias antes, e encomendamos umas peças pela internet. O Caio até cortou o próprio cabelo. Fizemos um making of para mostrar essas etapas. Foi bem diferente e divertido”, conta Sassi.

Marques também dirigiu um videoclipe de forma remota, mas alega não ter gostado da experiência. Para ele, esta foi uma sacada de marketing que não deu muito certo. “Tentei implementar este sistema de fazer uma direção à distância, mas não rolou. Porque o feeling do diretor é presencial, o olhar dele na locação, o sentimento da interação com o artista, ver a luz… Fica meio impossível cuidar disso se não tiver minimamente uma equipe ou somente você no set”.

Além de outros videoclipes, Marques também dirigiu uma live de Lucas Lucco. Mas esses últimos meses não foram apenas de trabalho, mas também de compartilhamento de ideias. Em seu Instagram, ele mostra aos seus seguidores todas as etapas da gravação de um videoclipe.

“Fiz um canal no IGTV onde analiso um videoclipe que eu fiz e conto o passo a passo da produção. É legal para quem é leigo no assunto, para o fã do artista que vê as sacadas que tive na direção e para quem pensa em criar videoclipes. Compartilhar conhecimento é olhar para o outro e entender que o mundo está tão fragmentado que precisamos nos juntar. Desta forma você fixa este aprendizado na mente e fica pronto para aprender novas experiências”, acredita.

A proatividade do artista

Se antes da pandemia os artistas costumavam estar cercados de dezenas de pessoas, agora é preciso adquirir o verdadeiro espírito de colaboração. Com poucas pessoas no set, se faz necessário a proatividade em trabalhar junto do diretor – diante das câmeras e (sobretudo) fora dela.

Porém, ambos os diretores têm percebido a vontade dos artistas em participarem mais do processo criativo. “Normalmente eles confiam nos caminhos que apresento, trocamos bastante sobre a emoção e o sentido da música, e logo surge uma narrativa”, explica Sassi.

Marques conta que alugou uma casa com a ideia de morar e que servisse de estúdio para que evitasse ao máximo ter que sair.

“Agora eu faço o trabalho de umas 15 pessoas. Até comida já fiz para um artista [risos]. Sempre preciso achar soluções diferentes para cada artista neste lugar. Obviamente, a qualidade que a gente entrega diminui. Mas a criatividade que a gente exerce é muito maior. Ficamos tanto tempo sem produzir. Essa gama criativa estava gritando dentro de mim, mas dar conta de tudo sozinho cansa três vezes mais”.

A era dos pedidos quase impossíveis também parecem ter ficado para trás. A simplicidade tem sido a tônica das gravações, de uma forma geral. “Os pedidos agora são relacionados à saúde, como testagem e todas as prevenções necessárias para a segurança de todos”, conta Sassi.

O momento de retomada

O eixo RJ-SP já começou a reabrir os serviços não-essenciais em etapas pré-programadas. E as gravações de um videoclipe participam deste momento de retomada. Passados quatro meses do isolamento social, o fluxo de lançamentos segue intenso e a tendência é que os artistas comecem a buscar novos locais para suas produções. Ainda que cautelosamente, abre-se espaço para convocar antigos parceiros para trabalhar em equipe.

Conexão Brasil-EUA: Felipe Sassi dirigiu o clipe de “Evapora”, das belíssimas IZA e Ciara (Foto: Reprodução/Instagram)

“A procura começou a aumentar, mas por conta dos novos métodos de trabalho, ainda não poderemos ter sets grandes e com muitas pessoas. Tudo precisa ser muito pensado e mais limitado. Agora também existe a necessidade do investimento na parte de segurança e prevenção. A tendência é ressignificar os olhares e criar com o que está ao nosso alcance. Podemos ir por vários caminhos e nos redescobrirmos em novos formatos”, crê Sassi.

Há quem acredite que ainda não é o momento ideal para a retomada. Marques é uma dessas pessoas: “Acho que não deveria abrir, mas ao mesmo tempo ficamos reféns dessa reabertura. Eu não posso bater o pé neste isolamento porque o mercado virá por cima de mim. Preciso estar na cena. Por isso adotei a ideia de fazer trabalhos com o mínimo de pessoas”.

Novas metodologias

Muitos artistas usaram e abusaram do velho chroma key para entreter o público em seus clipes e lives. Há quem tenha investido um pouco mais e apostado na realidade virtual. Marques já está de olho nessas inovações e pretende trazê-la ao Brasil em breve.

“Estou com uma solução inovadora que já rola lá fora, mas com um lance de shows, clipes e lances virtuais bem feitos. Uma tecnologia que o SuperBowl já utilizou. O lance é como fazer isso no Brasil, poder pagar por isso e entregar com a mesma qualidade dos gringos. Foram três meses tentando baratear os custos para poder apresentar aos artistas aqui no Brasil”, promete.

Sassi também acredita que ainda há como descobrir novos métodos no que diz respeito ao trabalho de direção. “Estamos em constante evolução. A cada ano ou período sempre somos umas nova versão de nós mesmos. Assim é o nosso olhar: novas perspectivas, novas referências, novas crenças… Tudo isso se aplica aos novos métodos e ao nosso trabalho”.

Rafa Marques e Claudia Leitte no set de “Eu Gosto” (Foto: Reprodução/Instagram)

O que esperar dos próximos meses?

Embora as notícias sobre o “achatamento” da curva de contágio pelo Covid-19 ainda não apresentem uma baixa, ambos os diretores se dizem otimistas com o segundo semestre. Com a perspectiva de novos convites, ambos os diretores se preparam para os próximos desafios sem deixar de pensar no bem-estar coletivo.

“Minhas expectativas é que tenhamos aprendido algo com essa pandemia que ainda está em andamento. Que apliquemos as medidas necessárias para continuar a respeitar a vida de todos. A procura aumentou, mas hoje – mais do que nunca – precisamos entender os nossos limites e os do planeta”, alerta Sassi.

“Estou com necessidade de criar. E aceitando esse novo momento e vendo que sou muito mais capaz de fazer coisas diferentes. Foi o momento de dar um passo atrás e perceber que é possível fazer coisas incríveis com poucas pessoas. Só depende da sua cabeça, da sua vontade”, recomenda Marques.

“No resumo de tudo, acho que a quarentena serviu para olhar um pouquinho pra dentro e vermos que é possível ajudar os artistas, até barateando as produções, e fazendo coisas para exercitar a mente e que exija mais criatividade”, finaliza.

Assista aos últimos trabalhos dirigidos por Felipe Sassi (Di Ferrero & IZA) e Rafa Marques (Savino). Ambos foram lançados na última sexta-feira (10/7):

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