No dia 29 de janeiro é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis no Brasil. Em tempos tão tortuosos para a população LGBTQIA+, que vem sofrendo ataques e restrições de lideranças políticas, uma data que celebre a vida e a existência de pessoas trans têm um papel ainda mais significativo.
A cada ano, o relatório do ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) registra um índice maior de violência contra a população em questão. Em 2020, diante da pandemia, a entidade relatou 175 assassinatos contra pessoas trans.
O POPline convidou o artista Nick Cruz para escrever uma carta relatando parte de suas vivências e experiências enquanto homem transexual no Brasil.
Confira o texto assinado pelo cantor:
Desde que cheguei no Rio, em abril de 2020, eu nunca dei tanta entrevista como fiz neste mês de janeiro. Vocês que me lêem agora devem saber que, nesta sexta-feira, dia 29, é o Dia da Visibilidade Trans no Brasil. Por conta disso, hoje e no resto do mês inteiro, vem à tona inúmeras reportagens sobre a questão de gênero e o movimento trans por aqui. E qual a necessidade de darmos espaço para isso na imprensa?
Eu me chamo Nick Cruz, tenho 22 anos e vim para o Rio de Janeiro a trabalho. Sou capixaba, transexual e artista da Warner Music Brasil. Hoje, me sinto realizado e muito privilegiado por estar recebendo o suporte de uma grande gravadora para poder só focar na minha arte, na mensagem que quero passar. No dia 15 de janeiro, lancei a minha segunda música pela Warner e estou recebendo um retorno incrível do público. Por isso, desde esse dia, tenho conversado sobre a minha trajetória e sobre a importância do janeiro lilás.
Eu saí de casa aos 15 anos idade. Acho que todo pré-adolescente tem esse sonho de se aventurar e conquistar o mundo. Eu, realmente, tive o ímpeto para fazer isso – sem saber que seria tão amargo. Por ser muito novo, todas minhas oportunidades de emprego foram de serviços braçais e pouco remuneradas. Trabalhei em tudo o que vocês podem imaginar.
Migrando de casa em casa, aos 19 anos, conheci uma pessoa que estava iniciando o processo de transição hormonal. Aquilo abriu a minha cabeça de uma forma que nunca tinha acontecido. Fui atrás de informações e instituições para iniciar a transição por conta própria e ali comecei a entender toda a mudança emocional que iria passar. Porque o físico é o de menos. Mas ir atrás de ajuda, desconstruir as pessoas que estão ao seu redor e se tornar um homem diferente de todo o ideal de masculino que sempre nos ensinaram é o trabalho mais difícil da nossa caminhada.
Graças à música, minha fiel escudeira nos momentos mais tristes e solitários da vida, estou ocupando espaços que nunca imaginaria estar. Mas, enquanto escrevo esse artigo, existem milhões de jovens passando por problemas psicológicos por não poderem se sentir livres em seus próprios corpos. E essa é a importância do dia de hoje: tornar as nossas histórias visíveis. Essa é a data em que a comunidade reivindica o debate sobre a questão de gênero no país, porque no resto dos onze meses do ano, a única notícia que chega nossa é quando a vida de algum trans ou alguma travesti termina de forma violenta.
Nick Cruz.