Eu sou a Fabi, mãe do João Paulo, que tem 3 anos e Síndrome de Down, sou publicitária, ex sócia, e atual funcionária do POPline, e membro do AcolheDown. A consciência inclusiva é um dos pilares da nossa filosofia no POPline, e para celebrar o Dia Internacional da Síndrome de Down, pela primeira vez, em parceria com o AcolheDown, convidei artistas que são pais de crianças com a síndrome.
Marco Tulio, do Jota Quest, pai do Theo, João Cavalcanti, filho do Lenine, que durante 17 anos foi o dono da voz do grupo de samba carioca Casuariana, pai da Luna, e Vitin, do Onze20, pai do Dom, toparam falar dos seus filhos, da sua relação com a música, do importante papel dela no desenvolvimento, e como ferramenta para inclusão.
Receber a notícia que seu filho tem Síndrome de Down é sempre impactante
“Acho que ninguém se prepara para receber essa notícia, uma notícia tão carregada de estigmatizações. Uma das coisas mais flagrantes, e que reforçam essa estigmatização, foi o despreparo da equipe médica que fez o parto para lidar com a surpresa. Mas o susto foi rapidamente substituído por uma percepção muito clarividente da quantidade de coisas que nós tínhamos para aprender com ela.” diz João Cavalcanti sobre o nascimento de Luna.
O susto causado pela falta de preparo e informação costuma passar na medida em que o substituímos por conhecimento: Um novo mundo se apresenta à nossa frente, e precisamos explorá-lo para oferecer o melhor para nossos filhos. Mergulhamos num universo de terapias, estímulos e recursos, onde a música é quase onipresente, como ferramenta essencial para o desenvolvimento de crianças com Síndrome de Down.
A fonoaudióloga Danielle Casarim, explica:
“Muitas vezes são as primeiras verbalizações que a criança fará. Ajuda na ampliação de vocabulário, muito importante para todo o desenvolvimento linguístico, a dar significado, na expressão verbal, na estruturação do discurso. Traz benefícios nas habilidades motoras gerais, psicomotoras, auxilia na aprendizagem do ritmo, melodia, prosódia, dentre outros que são fundamentais para formar a consciência fonológica, que é um dos predictores para alfabetização.”
Casarim continua:
“Colabora em todo desenvolvimento de aprendizagem, em todo desenvolvimento infantil. Ela ajuda na interação social porque contribui para o desenvolvimento emocional. Serve como um mecanismo de estímulo psicomotor, cognitivo e afetivo. Para cada criança existe uma necessidade de expressão. Pode ser uma música para ouvir, para acompanhar com um instrumento, ela irá interagir e vivenciar de diversas formas e responder ao estímulo de acordo com suas possibilidades. Logo, a música ajuda na interação social, linguagem, aprendizagem, gestos, memória, concentração, aprendizado de regras etc. Ela está presente em nossa vida desde da gestação, quando a mãe escuta músicas, depois nas canções de ninar e por aí vai….”
Música como terapia para todas as pessoas
Marco Túlio acredita na música como terapia para todas as pessoas, de qualquer idade. Ele conta também que Theo, seu filho, é o fã número um da banda do papai, o Jota Quest, e já faz aulas de bateria. “A música mexe com a gente pela melodia, pela letra , pelo ritmo… Conta historias e fábulas. Junta as pessoas!”, comentou.
João concorda com a ideia de Marco:
“Sem dúvida. A música deveria ser protagonista na educação de qualquer criança, tenha quantos cromossomos tiver. Não há experiência civilizatória bem sucedida no mundo que não tenha colocado a arte e a cultura como elementos centrais do desenvolvimento cognitivo e social de suas crianças. Luna é absurdamente musical. Reconhece melodias muito rápido e faz associações livres entre elas de forma assustadoramente sagaz,” diz João Cavalcanti sobre Luna, que tem sua própria conta no Instagram.
João ainda compartilha uma história interessante sobre a filha:
“Claro que ela vive em uma casa musical, com instrumentos e tal, mas não é uma coisa que a gente estimula deliberadamente. É dela. Uma vez tocou na rádio um rock (a canção era “Be Yourself”, da do Audioslave) e ela imediatamente disse: ‘Pai, é igual a “Aquarela” (do Toquinho)’. Como eu já aprendi a nunca fazer pouco caso da percepção musical dela, cantarolei mentalmente ‘Aquarela’ até chegar no momento que, sim, a melodia é exatamente igual.”
Vitin conta que a relação de Dom com a música é mágica
“Algo bem inexplicável, sabe?! Desde a barriga, quando a mãe cantava pra ele, ou quando eu tocava violão, ele se remexia lá dentro, chutava… Tanto que tudo tem música aqui em casa, a todo momento está tocando música. Quando ele me vê tocando violão, ele fica doido pra ir lá pegar no violão, por a boca, sentir a vibração. Já tem até as bandas favoritas dele! Já começa a me identificar nos videoclipes do Onze20, ele para e fica assistindo. Se não tiver rolando música, o Dom não tá confortável, o dia dele não fica completo.”
A fisioterapeuta e dançaterapeuta Bruna Gean também fala sobre o assunto
“Pude observar que a fisioterapia se tornava mais prazerosa e de grande valia em matéria de resultados, onde a criança buscava realizar os movimentos necessários para atividades escolares e domiciliar estando presentes em uma coreografia. A música integrada ao atendimento desenvolve a mente humana, promove o equilíbrio, proporciona o bem-estar. Pular, correr, remexer, facilita a concentração e o desenvolvimento do raciocínio, em especial para o pensamento nas práticas de atividades da vida diária!”
A desinformação é preocupante
A falta de informação fora da bolha das pessoas com deficiência e suas famílias é total, por isso é essencial trazer conhecimento para fora dela e combater o capacitismo em todos os lugares, tão estrutural em nossa sociedade. A música também tem um papel importante nessa luta contra o capacitismo e em busca de inclusão. Artistas têm muito a contribuir, pela visibilidade que podem dar à questão.
João Cavalcanti acredita que é preciso de posicionar: “Não reforçando o histórico capacitista do nosso país, mas também não vejo muito efeito prático em um discurso professoral, muito menos uma fiscalização agressiva – tem que ser uma construção. Eu chamo a atenção, de forma carinhosa, quando aparece uma atitude capacitista nos meus círculos sociais. Ora, não posso fazer julgamentos morais se eu mesmo cresci reproduzindo uma linguagem e uma atitude preconceituosas. Nesse ponto, a luta anticapacitista é uma luta essencialmente política, que tem que andar de mãos dadas com outras lutas inclusivas.”
Vitin concorda e vai além: “A música liberta, saca? Então eu acho que a música é fundamental e é uma ferramenta importantíssima para toda a sociedade. Eu acredito que toda a classe artística pode contribuir nessa luta, dando espaço em seus clipes, oferecendo acessibilidade em seus shows, atendimento preferencial no camarim, escutar a pessoa e não infantilizar. Escutar mesmo, sabe?”
Filhos são inspiração
Apesar de tantas preocupações que os filhos trazem a qualquer família, eles também são fontes inesgotáveis de amor, e inspiração. Vitin diz que Dom o inspira em tudo:
“Desde que ele chegou na minha vida, ele não me inspira só a fazer música, ele me inspira a viver, a querer ser uma pessoa melhor, a cantar melhor, e acho que, de agora em diante, tudo que eu faço, toda música que eu faço, tem um pedacinho dele. Tem uma música que eu e a Tainá (mãe do Dom), escrevemos pra ele, inclusive a gente ama muito essa música e tá sempre cantando aqui em casa. O que a gente sente é que tudo que a gente faz tem um pedacinho dele.”
Marco Túlio diz que todo dia Theo surge com uma frase, uma ideia, um sentimento novo e que isso vira música. João conta que a música “Quando Você Deixar” foi feita para Luna:
“Na verdade eu não sabia que estava fazendo pra ela, essas coisas nem sempre são assim tão objetivas. Eu usei minha sensibilidade para compor a canção (ou minha sensibilidade me usou, nunca sei) e, depois de pronta, me dei conta que tinha feito para ela – e por ela. Eu tenho uma música chamada ‘Luna’ que muita gente acha que fiz para ela mas, na verdade, a música foi feita antes.”
O Futuro
É impossível não pensar em futuro sem pensar em melhoras, em um mundo mais justo e preconceituoso. Com isso, pedi aos convidados desta matéria que nos contassem o que esperam do futuro e o que querem para seus filhos:
Marco Túlio e Theo
“Deixar pra ele? Quero viver com ele esse mundo de oportunidades! E viveremos isso!! E pra ontem!”
Vitin e Dom
“É muito clichê eu dizer que quero as melhores coisas do mundo pro Dom, porque isso eu já desejo pra ele desde que eu soube da gravidez. Eu desejo pra ele uma vida plena, desejo saúde, desejo que ele seja feliz, desejo que ele tenha os problemas dele e que ele consiga superá-los como a pessoa que ele é. O mundo que eu desejo deixar pra ele é um mundo muito mais tolerante, inclusivo, muito mais respeitoso, com muito mais amor, amor ao próximo, mais do que a galera finge que tem” Tatah, mãe do Dom, complementa: E principalmente que ele viva sendo feliz com quem ele é, que ele em momento nenhum, deseje ser diferente do que ele é porque a gente vai mostrar pra ele todos os dias que ele é único.”
João Cavalcanti e Luna
“Eu desejo que ela seja livre, autônoma, segura e plena. Mas, sobretudo, desejo que ela seja uma adulta que se sinta segura para contrariar o que seus pais desejam para ela! Quanto ao mundo… Fica difícil imaginar um mundo mais inclusivo e menos preconceituoso num futuro breve, enquanto somos governados por gente escancaradamente preconceituosa, racista, misógina, homofóbica e capacitista. Mas seguimos na luta para que não seja aceitável, no futuro, que uma primeira-dama brinque de LIBRAS enquanto o marido dela assina decretos que tentam destruir a educação inclusiva.”