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“É totalmente contraditório você gostar de rock e ser conservador,” diz Tico Santa Cruz

Em entrevista exclusiva ao ROCKline, o vocalista do Detonautas falou sobre as ideias por trás da construção do novo álbum dos caras, o “Álbum Laranja”.

Tico Santa Cruz elimina Detonautas de seu Top 10 de bandas do Brasil
Tico Santa Cruz elimina Detonautas de seu Top 10 de bandas do Brasil. (Foto: Bruno Kaiuca)

Já está disponível em todas as plataformas de streaming o novo álbum do Detonautas Roque Clube. O “Álbum Laranja” conta com diversos singles do grupo lançados ao longo do ano passado, como “Micheque”, “Kit Gay” e “Político de Estimção”, e deste ano, como “Roqueiro Reaça”, além de três faixas inéditas: “Clareiras”, “Bandeira Brasileira” e “Carta ao Futuro (Acústico)”.

O ROCKline conversou com Tico Santa Cruz nesta semana e o ele nos contou mais detalhes a cerca do disco. O vocalista revelou algumas curiorisades sobre o desenvolvimento do álbum e, é claro, falou sobre o título, “Álbum Laranja”, que automaticamente nos faz lembrar de outros clássicos do rock: “White Album”, dos Beatles, “Black Album”, do Metallica, e o “Green Album”, do Weezer.

Capa do “Álbum Laranja”. Foto: Divulgação

Sobre a escolha do título, Tico disse:

“Olha, vocês até falaram do ‘Green’, do Weezer, ninguém havia me mencionado até agora… Mas é exatamente isso que a gente quis fazer. Poder pegar essas referências do Weezer, dos Beatles e do Metallica e fazer uma versão brasileira. Dentro desse contexto todo que a gente tá vivendo, a versão brasileira não poderia ser de outra cor, que não a laranja.”

A política brasileira, que serviu de inspiração para o título, também permeou as ideias do Detonautas nas composições. Os singles lançados em 2020, que fazem parte da tracklist, são como uma espécie de crônica social e política do nosso país e serviram como cartão de visitas do “Álbum Laranja”. Entretanto, Tico explicou que quando esses singles foram lançados, ainda não havia ideia de álbum:

“O disco foi ganhando essa forma, na verdade. Primeiro a gente lançou ‘Carta ao Futuro’, depois vimos que exisitia um diálogo desta música com o público. Aí veio ‘Micheque’, que foi um episódio bizarro do Bolsonaro agredindo um jornalista. Depois disso, a gente entendeu que a gente tinha conseguido encontrar um vértice para o Detonautas, que mesclava um pouco de ironia, sarcasmo e consciência política, que é uma coisa que o Detonautas sempre fez, mas não com esta linguagem. Então fomos construindo essas canções ao longo dos meses.”

(Foto: Bruno Kaiuca)

Ele ainda explicou o conteúdo de algumas faixas, que foram tema de controvérsia na direita brasileira no ato do lançamento:

“A música do ‘Mala Cheia’ é uma crítica às pessoas que usam da fé e o nome de Deus e Jesus Cristo pra fazer política e ganhar dinheiro. Não é uma crítica à religião, nem a Jesus Cristo, é uma crítica as fariseus – o nome adequado pra quem entende de bíblia. Já ‘Kit Gay’ foi sobre as fake news, uma retórica sistemática do bolsonarismo e da extrema direita assassina que está no poder. ‘Político de Estimação’ é uma crítica ao fanatismo, às pessoas que esquecem que questão política deve ser tratada como projeto e não como nomes – uma crítica que atingiu a direita e a esquerda, inevitável.”

“Racismo é Burrice” e “Roqueiro Reaça” também entraram no “Álbum Laranja”, sendo a primeira uma regravação de Gabriel o Pensador de 1993, que segundo Tico ganhou algumas adaptações na letra para abordar o racismo estrutural. A última faz uma crítica feroz aos colegas de profissão que debandaram para a extrema direita.

“É uma coisa totalmente contraditória você gostar de rock e ser conservador. Porque no rock você pode ser de esquerda ou direita, menos ser contra a liberdade. O rock que vai de encontro ao suporte de um regime fundamentalista, autoritário e negacionista não faz o menor sentido. O rock nunca vai se juntar a esse tipo de gente. Até porque o rock é um estilo que vem da música preta,” disse ele.

Tico Santa Cruz ainda foi enfático em afirmar que finalmente os artistas estão perdendo o medo de se posicionar contra o governo Bolsonaro e que isso só vem a somar. “Demoraram um pouco, mas perderam o medo. Eu acho que isso vai fazer bem pra rock, porque o rock estava com um discurso muito conservador e muito careta, com medo da reação do público – um público de classe média, um público que tem dificuldade de se encontrar dentro da pirâmide social.”

As faixas inéditas

A maior parte do novo álbum do Detonautas Roque Clube é composta de músicas já conhecidas do público, mas o grupo trouxe três novidades que completam a experiência do “Álbum Laranja”. Dentre as faixas inéditas, “Clareiras” é o bálsamo do disco. “Essa música traz esperança para as pessoas, um pouco de acolhimento. A tempestade tá chegando ao final. Ainda tem um pouquinho pela frente, mas vamos aguentar e vamos vencer, comentou Tico.

“Bandeira Brasileira” mescla o rock com o forró, tem um triângulo bem marcado, e ganhou até citação de “Sebastiana”, clássico do cancioneirio brasileiro assinado por Jackson do Pandeiro.

“Essa música é de 2010! Por várias vezes a gente tentou gravá-la, mas nunca conseguia achar um resultado bom pra ela. Agora, durante a pandemia, a gente conseguiu encontrar um caminho. Fiz umas adaptações na letra, a original era diferente. Essa música fala da pluralidade do Brasil e a gente já tinha feito essas misturas com ritmos regionais, nordestinos, então acho que ‘Bandeira Brasileira’ sintetiza bem essas referências,” disse Tico.

A já conhecida “Carta ao Futuro” ganhou versão acústica. Tico contou como chegou a esse formato: “Eu comecei a fazer muitas lives e gostava de cantar essa música só com violão e voz e vi que funcionava bem. Como a letra é o principal, na versão acústica ela prestigia muito a letra. Talvez assim a gente acesse uma galera que não gosta muito rock e goste mais de MPB.”

“Um documento histórico”

O “Álbum Laranja” é o sétimo álbum de estúdio do Detonautas Roque Clube e serve como sucessor para o disco “VI”, lançado em 2017. Segundo Tico, o disco servirá como um documento da atual situação do nosso país.

“É um documento histórico. No futuro, quando forem revisionar o que aconteceu nesta fase do Brasil, acho que os professores de história terão muita dificuldade de explicar, porque os roteiristas que estão fazendo o roteiro estão muito imprevisíveis, é muito louco tudo que está acontecendo. Então, a gente está documentando em música, pra que as pessoas possam no futuro, lá em 2035, 2050, entender. Quando elas falarem ‘o que tava acontecendo no Brasil musicalmente?’, alguém vai responder ‘no rock, tem esse disco do Detonautas que fala passo a passo do que aconteceu em 2020 até julho de 2021’,”

Touché, Tico!