O bloco de Daniela Mercury pode ter sido retirado das ruas durante a pandemia, mas a força criativa da cantora rendeu composições com abordagens diversas. Para o disco ‘Baiana‘, lançado nesta quinta-feira (2), ela escolheu as mais alegres, mas o repertório do projeto estava incerto há pouco mais de um mês, quando o segundo turno da eleição para Presidente da República ainda não havia acontecido.
LEIA MAIS:
- Eletriza: Daniela Mercury responde sobre possível convite para o Ministério da Cultura
- Daniela Mercury fala sobre emoção de fazer parte da festa da vitória de Lula
- Daniela Mercury canta na festa da vitória de Lula, na Av. Paulista
- LGBTfobia: Filha de Daniela Mercury aciona MP contra Cassia Kis
Na luta pela democracia, a lendária artista – que está comemorando 30 anos do seu antológico disco ‘O Canto da Cidade‘ – esperou a eleição de Lula (PT) para que o seu novo álbum dialogasse com o tempo em que fosse lançado. “Eu mudei algumas letras depois da vitória de Lula“, admite Daniela em entrevista ao POPline.
“Eu não queria lançar o álbum antes e até retardei o lançamento, que seria em agosto, para agora por causa das eleições. O destino do Brasil estava indefinido e era impossível saber o que eu iria fazer, se pegaria músicas mais combativas, mais críticas ou se iria trazer músicas mais leves como as que têm neste álbum”, explica a artista, que se apresentou para uma multidão na Avenida Paulista no dia em que o petista foi escolhido presidente.
A pandemia, como aponta Mercury, foi um momento de incertezas que geraram registros introspectivos. “Eu compus muitas músicas, mas as mais tristes eu preferi não lançar“, contou Daniela. “Eu faço muitas músicas, escrevo constantemente, como uma forma de elaboração, de compreensão dos momentos que vivo, também como crônicas e poesias, porque eu estava buscando caminhos para falar o que eu estava sentindo em cada momento, para poder registrar aquele momento”, disse.
O momento de revisão e introspecção fez com que Daniela resgatasse memórias de sua infância e juventude em Salvador, que são panoramas primordiais em “Baiana” – título abrangente em relação a nordestinidade musical e narrativa do projeto, lançado no contexto pós-eleição. “Falo dos nordestinos e falo no tempo presente“, ressalta a cantora.
“Foi um momento em que a gente valorizou muito a liberdade. ‘Aglomera’ era uma música que eu cantava pois estava na expectativa de abraçar as pessoas e dançar juntos. Nós ficamos dois carnavais sem poder dançar juntos e não era para ser dois carnavais. Então, as canções eram feitas em um momento de euforia ou até mesmo para eu sonhar um carnaval que não era possível de ser feito na realidade. Ficou na minha cabeça. Eu cantava ‘Aglomera’ na cozinha e pensava ‘preciso me aglomerar’, preciso ver, abraçar”.
Daniela dividiu a produção do novo disco com outros cinco produtores: Mikael Mutti, Juliano Valle, Yacoce Simões, Ubiratan Marques, Jaguar Andrade e Gabriel Póvoas. Entre os autores está o jovem pernambucano Martins colaborando em “Me Dê” e “Deixa Rolar“.
“Eu sou muito inquieta e sempre provoco os músicos a serem muitos livres. E acho que juventude tem muito a ver com frescor e originalidade, com liberdade, com coragem para fazer as coisas e, obviamente, com talento, capacidade e conhecimento (…) Eu venho misturando linguagens muito contemporâneas desde sempre, na verdade, é assim que anunciamos o futuro. E eu me deixo misturar mesmo”.
Misturando elementos de rap, trap, frevo, galope, bossa nova, samba de roda, samba tradicional e pagode, Daniela ressalta a importância dos músicos selecionados para acompanhá-la neste processo de produção e composição. “Eu escolhi músicos que são muito rítmicos, que lidam com ritmos com muita fluidez. Porque o domínio rítmico que temos em Salvador, só existe em Salvador. São todos baianos”, explica a artista.
“Para o ritmo que eu me proponho a trabalhar – que são brasileiros e mais fortemente os baianos – só os músicos e instrumentistas baianos é que dominam porque é uma linguagem muito recente e particular“, argumenta Mercury. “Mas adoro me misturar, eu faço sempre criação coletiva. Eu fico só enlouquecendo eles…Aí vem uma letra enorme, sete paginas de letra cantada“.
LEIA MAIS:
- Pabllo Vittar, Daniela Mercury, Duda Beat e Valesca apoiam Lula durante evento em SP
- Daniela Mercury responde “flagra” de Ludmilla: “ai você me quebra”
- Ciro Gomes alfineta Caetano Veloso em debate; Paula Lavigne e Daniela Mercury reagem
Fruto de quatro anos de estudos e pesquisas musicais de Daniela, “Baiana” mistura música eletrônica com percussões e experimentações envolvendo samba e outros gêneros musicais. A cantora não poupou as produções de letras enormes, com estruturas ousadas destoantes das produções de músicas pop contemporâneas até mesmo pelo tempo de duração algumas delas. A faixa-título, por exemplo, tem mais de cinco minutos. Ao ouvir as preocupações de seus arranjadores com as letras extensas, ela contorna dizendo: “Relaxe“.
Com referências à “Odara”, “Alegria, Alegria” e “Tropicália”, a artista apresenta uma faixa em homenagem a Caetano Veloso, chamada “Caetano Filho do Tempo”. “Eu quero fazer a música de Caetano em cima de um groove arrastado, porque ele gosta disso e está a frente de seu tempo. Ele vai adorar ter uma música dele tocada com um ritmo assim“, explicou.
“É um disco primavera/verão. Faço referência a primavera porque é sempre um período de renovação e que a gente vai viver no verão. Então, vamos florescer na avenida, vamos nos embolar, nos aglomerar, vamos beijar, vamos viver, vamos olhar no olho, vamos sentir o suor bater no corpo, vamos sentir o suor bater no corpo, vamos sentir o cheiro de tinta do abadá. A gente vai com certeza valorizar a vida e o tempo que estivermos juntos muito mais cada vez que a gente tiver a chance de lembrar que ficamos presos tanto tempo. E espero que esse momento de preocupação passe logo”.
Com a foto de capa de “Baiana” clicada em Paris, Daniela acredita que todas as cidades são um pouco parecidas. “O que importa é que a gente faz o que a gente ama e é isso o que está no meu álbum, tudo o que eu amo e tenho falado com muito amor”.
Trinta anos depois de chacoalhar a cidade com o seu canto, a artista de 57 anos retorna apresenta uma perspectiva mais madura e ousada sobre ela, reinterpretando memórias de quando ia de ônibus para as aulas de balé, das aulas de dança lecionadas nas academias de Salvador, do teatro infantil e, é claro, dos barzinhos.
OUÇA “BAIANA”:
Carnaval 2023
Embora o repertório mais antigo faça sucesso nos circuitos de Carvanal, Daniela está mesmo interessada nas novidades. “Eu vou cantar as músicas mais recentes, que são as que eu estou com mais vontade de cantar. Estou louca para cantar as músicas do álbum. Quando vocês ouviram, vocês vão ficar pedindo pra eu cantar, tenho certeza”, disse a artista.
“E as que vocês estão com saudade, eu também vou tentar prestigiar“, prometeu. Com dificuldades de agregar tantas músicas em apresentações de poucas horas, Mercury ressalta a importância dos fãs conhecerem a sua discografia. “Meus álbuns são muito contemporâneos”, reflete a cantora. “É muito interessante ver, quando o trabalho é original, ele é atemporal“.
Ela conta que tem vontade de apresentar músicas já lançadas e dizer que são novas. “Acho que vou botar na rede tudo de cabeça pra baixo“, brinca.
“São tantas linguagens que eu me antecipei fazendo, bebendo de todas as tendências e fazendo coisas que ninguém fez porque é mais divertido assim. E sempre fazendo algo que é único, particular, que vocês só vão ouvir no meu perfil e de mais ninguém”.
Sobre as experimentações, Daniela defende a esquisitice comedida para que a arte soe interessante e provocativa. “A gente precisa manter a tensão para ter tesão, então as músicas precisam ser um pouco esquisitas“.