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Coluna da Cleo:


“Taca cachaça que ela libera”

“Se essa mulher fosse minha
Eu tirava do samba, já, já
Dava uma surra nela
Que ela gritava chega!”

“Tô a fim de você
E se você não tiver vai ter que ficar”

Não preciso colocar as datas, os autores e nem mesmo o gênero musical de cada estrofe acima, mas uma coisa preciso dizer: se esses trechos soam como algo comum pra você, alguma coisa muito séria está errada.

A música popular brasileira é construída sobre um alicerce machista que vem alimentando nossa sociedade, isso não é mais novidade para ninguém. Graças a internet, expor o machismo intrínseco nas letras se tornou algo corriqueiro. Mas mesmo com o trabalho de várias minas, como do site MMPB (Música Machista Popular Brasileira), onde as letras são analisadas e uma explicação é dada sobre os problemas de cada estrofe, uma parcela dos consumidores teima em achar “mimimi” ou falta de “senso de humor” denunciar esse tipo de composição. Não há senso de humor em perpetuar cultura do estupro, feminicídio, violência doméstica e objetificação feminina em um país em que as taxas de violência contra a mulher só aumentam. Enquanto nos distraímos com suas ricas melodias, essas canções alimentam as estatísticas e não, não é exagero. Crescer ouvindo conteúdo misógino e explicitamente violento, cria uma camada na nossa visão que diminui a empatia em relação aos abusos sofridos por nós mulheres todos os dias.

Em 2019 a dupla Sandy e Junior anunciou sua turnê. Um grande encontro com fãs de diversas gerações que matariam as saudades dos tempos de infância e adolescência. A dupla surpreendeu a todos quando mudou a letra da música “Maria Chiquinha”. Na letra original, Jr terminava com “e o resto? O resto eu aproveito.” Na versão do show realizado em Fortaleza-CE, o cantor terminou dizendo: “Não é mais aceitável. Deixa em paz a Maria Chiquinha. A Maria Chiquinha faz o que quiser no mato.” Mano Brown excluiu a música “Mulheres Vulgares” do repertório de shows dos Racionais, Criolo mudou não só as palavras machistas de algumas músicas, mas as homofóbicas também. Sinal de avanço, e resultado de trazer à luz esse tema, pertinente nas nossas pautas de discussões. Costumamos com facilidade detectar em algumas letras de funk, ou outros ritmos urbanos já tão discriminados, esses elementos misóginos, mas sabemos que nenhum ritmo passa batido quando o assunto é falta de empatia com a nossa vida e segurança.

Parte disso se dá pela música ser, como toda linguagem artística, uma representação da cultura de um povo, e também pela baixíssima participação feminina na composição e produção musical brasileira. Nos é reservado o papel de musas, de estrelas e só. Na contramão desse comportamento, cada vez mais mulheres profissionais do meio musical surgem, proporcionando seus espaços para propagar as vozes de muitas mulheres que ainda são oprimidas. Precisamos agradecer o trampo dessas artistas, que vem batalhando pra usar a música como ferramenta de desconstrução do pensamento machista, e devemos fortalecê-las. Ao público fica o convite para consumir mais o trabalho de artistas mulheres, principalmente ao público feminino. Vamos andar unidas, que aos pouquinhos conseguimos reduzir a quantidade de conteúdo machista e violento que as ondas sonoras têm carregado por aí através de tantas épocas.