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Karol Conka

Coletivos BATEKOO e MOOC são protagonistas de “Vogue do Gueto”, novo clipe de Karol Conká

Karol Conká voltou à ativa no segundo semestre de 2018 e chegou com o pé na porta. Seu novo álbum “Ambulante”, produzido pelo Boss In Drama, é dançante e traz autenticidade do início ao fim. Dentre as dez faixas, “Vogue do Gueto” foi a escolhida como novo single e não poderia ser uma amostra melhor de todo o disco – além de ser perfeita para as pistas de dança, a música traz como conceito o resgate de movimentos negros para as mãos dos próprios criadores.

Fotos: Bruno Trindade

Para endossar essa narrativa, Karol Conká contou com uma ajuda de ouro na criação visual de “Vogue do Gueto”: nomes importantes da cena negra de todo o país. Os coletivos BATEKOO e MOOC, além de outras figuras de absoluta relevância no ativismo negro, participaram da execução do clipe e também foram para a frente das câmeras junto com a cantora. Durante as gravações, o POPline conversou com alguns deles que nos contaram como se desenrolou esta parceria e a falaram sobre a importância de um trabalho como este ao lado de Karol.

O MOOC nasceu e se criou em São Paulo e, segundo os próprios membros, “é uma empresa de soluções criativas sob o olhar do jovem negro”, que faz direção de cena, consultorias, produção de conteúdo, ativação de marcas, showcases, entre outras funções. Suyane Ynaya e Kevin David, dois nomes dentro do coletivo, já trabalharam com Karol Conká anteriormente e explicaram a relação pessoal e profissional que têm com ela.

“Sou stylist dela e nos conhecemos há muitos anos. Tenho muito carinho por ela. Quando eu tava começando a trabalhar com moda, ela estava vindo pra São Paulo e foi onde a gente se conheceu. Nesse ano, recebi o convite para trabalhar junto com ela e pra mim é um prazer muito grande,” disse Suyane. “Trouxemos o nosso coletivo para fazer uma participação em algumas cenas (do clipe) e isso ampliou a construção do nosso relacionamento com ela,” acrescentou Kevin.

O BATEKOO começou como uma festa, em Salvador, diante da necessidade da criação de um espaço com olhar e perspectiva negra para o negro, entretanto já se faz muito maior. Usando a própria descrição do coletivo em suas redes sociais, este é um “movimento que se expressa através da dança, da música, da pele preta, suor, da liberdade corporal e sexual, da cultura negra, periférica e urbana.”

Maurício Sacramento, um dos fundadores da BATEKOO, também participou de “Vogue do Gueto”: “a BATEKOO e a Karol meio que nasceram no mesmo momento… Um momento de ascensão do movimento negro, onde as pessoas estavam se autoafirmando mais, racialmente e até com gêneros também. A gente sempre teve uma caminhada muito próxima, ela é um símbolo da ascensão do movimento negro no Brasil, da formação de estética. Para as pessoas que frequentavam a BATEKOO e para a gente, Karol sempre foi referência. Já fizemos shows com ela em Salvador, gratuito, e em São Paulo e agora recebemos o convite para fazer esse clipe. Ela criou esta música com referência na BATEKOO também e a gente ficou muito feliz. Amamos a música, achamos incrível! Ela fala de ‘vogue’, que é uma cultura super importante a ser pautada hoje também.”

Foto: Bruno Trindade

“Vogue”, movimento iniciado nos Ballrooms americanos da década de 1980 e que terminou se popularizando em todo o mundo através da música de Madonna, está no título da nova música de Karol e serve como mote desse trabalho de afirmação do protagonismo negro. No vídeo, a cantora paranaense vai dançar pela primeira vez e executar os movimentos do “voguing” junto com os coletivos convidados, que também foram responsáveis pela criação da coreografia.

Sobre a cultura do Vogue, sua origem e o desvirtuamento da mesma, Kevin disse: “Essa é uma cultura que já existia aqui, mas as pessoas não sabem. Esse protagonismo sempre esteve entre a gente, mas agora estamos tentando bater nessa tecla e fazer com que as pessoas reconheçam este lugar, que pertence e sempre irá pertencer à nossa galera.” Maurício, o porta-voz da Batekoo, complementou: “Aqui no Brasil já existe um movimento das pessoas que praticam Vogue, realizam Ballrooms. Existe também um campeonato mundial que acontece em Belo Horizonte. O movimento existe, mas não é muito pautado.”

“O que acontece, às vezes, com a nossa cultura é que ela se perde, porque acaba virando uma cultura comercializada. Então, automaticamente, as pessoas que tiveram autoria e que criaram esta cultura acabam perdendo um pouco dela. Porque outras pessoas se tomam dessa cultura, contam esta história, só que de uma narrativa que não é verdadeira,” complementou Suyane.

REPRESENTATIVIDADE

O problema mencionando por Suyane é grave, entretanto é neste momento que figuras como Karol Conká se materializam com relevância e também como veículo de informação. “Karol é um excelente símbolo para a gente contar a nossa história e isso porque ela é ‘gente como a gente’. Isso é o mais importante; a nossa história está sendo contada por uma pessoa como a gente. Não é ninguém que tá falando, é a Karol Conká! Uma pessoa que está entre a gente e sempre esteve,” frisou Kevin.

“Ela usa da influência dela para pautar coisas importantes. Até o fato da gente estar aqui, realizando o clipe e mostrando a cara no vídeo. Coletivos que trabalham de uma base ‘de trás’ estão aqui em posição de destaque. Reunir todo esse pessoal em um projeto só é incrível”, complementou Maurício.

Posição de destaque. É em prol disso que os coletivos trabalham todos os dias. Para trazer o negro para a posição de destaque frente às suas criações, principalmente os que nasceram e se criaram nas periferias. “A maioria dos artistas que existem está dentro da periferia. E, às vezes, muitos deles não têm reconhecimento. Eu acho que quando você coloca essas pessoas para fazerem o que já fazem é muito importante. As pessoas estão aí, estão criando e eles existem,” disse Suyane.

Nos bastidores de “Vogue do Gueto” era muito fácil perceber o entrosamento da equipe. Claramente, eram pessoas que já se conheciam, já trabalhavam juntas e estavam mais uma vez reunidas em outro projeto. “As pessoas que geralmente estão na Batekoo e nas festas de Vogue são as que estão aqui hoje,” comentou Maurício. “Foram elas que fizeram a coreografia para a Karol.”

“Além dos coletivos, tem a galera do próprio movimento. Todo mundo já se conhecia. Por mais que a produção seja majoritariamente branca – a produção – a gente sabe que tem uma artista como a Karol, representando a gente, e que o protagonismo será ditado pela galera da rua. A galera que faz tudo acontecer,” complementou Kevin. “A gente não só espera isso da Karol, como também de mais artistas negros aqui do Brasil. Porque eu acho que é fácil a Karol fazer, mas a gente ainda sente uma necessidade e uma carência de outros artistas grandes reconhecerem.”

“Queremos contar nossas próprias histórias, sair do lugar de observação e estudo e falar das nossas próprias narrativas com as nossas próprias mãos.” (Aisha Mibikila)

Sobre a receptividade de outros artistas negros nacionais aos coletivos e movimentos urbanos, Kevin e Suyane explicaram: “Acho que tem sido uma construção para todo mundo,” disse ele. “Tudo ainda é muito novo, ver negros na criação. Então, automaticamente, as pessoas pretas que estão chegando ainda têm essa construção de que no audiovisual as pessoas brancas são as que têm um bom material para entregar, mas não! As pessoas negras estão aqui dentro, construindo juntos, e é preciso ter muito mais negro na execução. Mas é importante também ter a galera aqui, se unindo, porque é o que a gente tá pautando agora. Pessoas contando suas histórias. Depois que a gente entender que as pessoas já contaram suas histórias, elas vão começar a ir pro lado da criação. É um desenvolvimento, um processo,” disse Suyane.

Aisha Mibikila, artista e ativista que também participou de “Vogue do Gueto”, ainda destacou que o avanço do protagonismo negro é baseado em vivência e naturalidade e sendo assim se faz mais sincero: “Eu enxergo os passos que vieram de longe. Muita gente fez para a gente estar aqui hoje. Por mais que o espaço ainda seja muito escasso e os brancos ainda tenham as suas heranças, que compram equipamentos, estudam nas faculdades, a nossa criação é muito mais sincera. A gente não tem nada e cria coisas maravilhosas. A gente é um mergulho nas referências e a nossa herança é genética. Memória de música, de dança, de vivência, de existir! A gente cansou de sobreviver, de resistir, de estar com punhos cerrados. Somos livres, existentes.”

Foto: Bruno Trindade

A liberdade negra mencionada por Aisha é muitas vezes aprisionada em clichês e estereótipos e ela fez questão de frisar que já não há mais espaço para tal. “Estamos buscando suporte e permanência. Chega de ocupar os lugares, de segmentar as pessoas para falar disso ou daquilo ou segmentar para vestir esta ou outra roupa, ‘looks’ com ‘animal print’ e estampas étnicas. Não! Agora queremos contar nossas próprias histórias, sair do lugar de observação e estudo e falar das nossas próprias narrativas com as nossas próprias mãos.”

“A gente está cansado de ser exotificado e ficar sempre neste lugar objetificado e hipersexualizado. Precisamos desmascarar os estereótipos. Nós produzimos elenco, casting e nós escolhemos quem vai fazer o machão, o bandido, o médico. Então, é muito importante os pretos estarem atrás das câmeras, exercendo essas funções, para trazer outros formatos. Retratar outras sensações.”

Em busca de “outras sensações”, “Vogue do Gueto” se faz caminho. O novo clipe de Karol Conká trará não só em seu enredo as referências dos coletivos e das vivências negras, como servirá como vitrine e meio de comunicação para os mesmos. O vídeo chegará ao YouTube no próximo dia 19.

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