Clarice Falcão disponibilizou nesta sexta-feira (14), em todas as plataformas digitais, seu terceiro álbum de estúdio intitulado “Tem Conserto”. Produzido por Lucas de Paiva (Alice Caymmi, Mahmundi, Silva), o disco traz nove faixas inéditas que exibem uma artista motivada pela própria vulnerabilidade e enfim confortável em explorar algumas das questões mais profundas sobre ela mesma.
A cantora constrói um arco narrativo inspirado pela própria experiência com ansiedade extrema e depressão profunda, distúrbios que a acompanham desde a adolescência. À sua maneira, a obra é um encontro do fluxo narrativo “sobre uma pessoa só” de “Monomania” (2013), álbum que apresentou as qualidades da Clarice compositora ao país, com o amadurecimento proporcionado pelo eclético “Problema Meu” (2016), disco com produção de Kassin em que a cantora foi além do folk, experimentando linguagens que iam do carimbó ao synthpop.
O novo disco é fruto de um processo de descoberta mútua entre ela e Lucas de Paiva, com resultados inéditos para os dois: enquanto Clarice descobriu, através de Paiva, as infinitas possibilidades musicais da produção eletrônica, ele encontrou alguém capaz de transformar as batidas e sons sintéticos aos quais ele estava acostumado em trilha para histórias de grande teor emocional.
Mesmo quando obviamente fala dela mesma, como no single “Minha Cabeça” – faixa de abertura do disco – a cantora e compositora o faz de forma que não afasta os ouvintes, pelo contrário; é difícil inclusive, em tempos como os nossos, não se identificar com as tormentas internas descritas ao longo da música.
Na sequência do álbum, “Minha Cabeça” dá lugar a “Mal Pra Saúde”, música com clima oitentista e uma das letras mais explicitamente ácidas da carreira da cantora. Nas duas faixas seguintes, as emocionantes “Morrer Tanto” e “Esvaziou”, Clarice expõe a própria dor como nunca antes, abordando respectivamente sua relação próxima com a depressão e o vácuo deixado pela morte repentina de alguém.
Se a primeira metade do álbum nos arrasta ao fundo do poço, a etapa final nos leva à euforia completa, não livre das mazelas que as noites de exageros trazem à nossa saúde mental. “Horizontalmente”, faixa de transição entre os dois climas, é uma reflexão sobre a apatia apresentada como música de pista, a primeira de uma sequência de três faixas inspiradas pela house music. Em “Dia D”, a seguinte, Clarice resgata o bom-humor pelo qual é conhecida ao brincar com a energia libertária do sexo como compensação às frustrações cotidianas do pós-capitalismo. Por fim, na irresistível “CDJ”, ela descreve o amor repentino por um ou uma DJ sobre a base mais dançante do álbum, marcada pelos graves oscilantes de sintetizadores em contraponto ao timbre doce da voz de Clarice.
Depois de tanto excesso, o que há pela frente para quem se vê cegada pelos próprios impulsos? Mais excessos. Clarice conclui essa temática com “Só + 6”, faixa que descreve perfeitamente a ansiedade constante da geração millenial. Por fim, o álbum se encerra com “Tem Conserto”, faixa-título que traz um sopro de esperança com base que evoca a escola britânica de produção eletrônica.
Ainda neste mês, Clarice lança a turnê “Em Conserto”, em que o novo repertório aparecerá ao lado de seus grandes sucessos em nova roupagem, mais próxima da sonoridade eletrônica do novo trabalho.