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“Vou ali e já volto!”: Cantoras pop e o “marketing do sumiço” na divulgação de álbuns

Da “era do streaming” ao “legado de artistas”: o que está por trás dessa nova (e polêmica) tendência
Cada vez mais recorrente, fãs têm se queixado da falta de divulgação dos novos projetos de artistas pop. Beyoncé, Miley Cyrus e Lady Gaga são exemplos recentes. Fotos: Divulgação; Instagram/@lugbrr

Não é preciso ‘dar um Google’ para saber que o Saara é o maior deserto do mundo. Mas basta dar uma espiada nas redes sociais para concluir que o deserto mais populoso é o dos fãs. E quando se bebe da fonte de divas pop, a previsão é de escassez. A indústria musical tem sido impactada por profundas transformações – mais rapidamente do que nossos olhos podem ver. E com a ‘era do streaming’ em seu auge, o “marketing do sumiço” vai se apropriando cada vez mais do título de ‘tendência’.

Fotos: Divulgação

Trata-se de artistas que entregam um novo disco, servem aos fãs um bom “chá de sumiço” e ativam o “modo deserto”. Sem divulgação, sem aparições públicas, sem interação – e uma pilha de expectativas de um público que vive à espreita de um oásis: seja ele uma turnê, um videoclipe ou apenas um mínimo sinal.

Por trás de toda essa história, são diversos os fatores ̶c̶l̶i̶m̶á̶t̶i̶c̶o̶s mercadológicos: a forma de consumir música, streaming, charts, o ‘boom’ do audiovisual, legado, as exigências e impactos da indústria na vida dos artistas e suas respectivas base de fãs.

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É fácil, hoje, identificar artistas pop que possam ilustrar essa tendência, tamanho o impacto causado pela divulgação (ou ausência dela) de seus novos projetos a moldes a que não estamos acostumados. Três grandes estrategistas do “sumiço” que se destacaram recentemente respondem por Beyoncé, Miley Cyrus e Lady Gaga.

Foto: Instagram/@beyonce

Beyoncé pegou os fãs de surpresa em junho de 2022 ao anunciar que dali a pouco mais de um mês colocaria na praça um novo disco – seis anos após o último (sem contar com o projeto “The Lion King: The Gift”, de 2019). “RENAISSANCE” chegou em 29 de julho, trazendo 16 músicas inéditas para os fãs apreciar. O que mal sabiam eles é que, na sequência, raras seriam as novidades apresentadas pela intérprete de “BREAK MY SOUL”, faixa que abriu os trabalhos do disco e que arrematou o #1 na Billboard Hot 100.

Os aguardadíssimos visuais do álbum, que viraram até alvo de piada pelo próprio escritório da cantora, o Parkwood Entertainment, ganharam cara de ‘lenda urbana’. Tão aguardada quanto, a turnê mundial em suporte ao disco terá largada dada quase um ano após o lançamento do projeto. A “RENAISSANCE WORLD TOUR” começa nesta quarta-feira (10) em Estocolmo, Suécia.

Beyoncé atingiu um grau de fama e de impacto cultural tão alto que transcende o espaço e o tempo – explica essa, Einstein! ‘Esperando pacientemente pelo meu legado, pois o meu sucesso não pode ser quantificado’ — já dizia a própria. Ela simplesmente não precisa de divulgação. Ela tem uma base de fãs consolidada que compreende ela e a arte dela, que vai além do que vemos nas redes sociais, e faz a divulgação de forma natural. E não importa quanto tempo ela fique sumida, ela tá sempre tentando aproveitar a vida e ao mesmo tempo ‘aprontando algo para os fãs’ nos bastidores. Os fãs apenas reclamam porque não veem ela trabalhando. Se vissem, a reação seria diferente. Mas acaba por deixar aquele gostinho de expectativa, sabe? ‘O que será que vem aí?’ E é daí que vem as teorias mirabolantes da Beyhive. E, acredite, ela também instiga isso“, pondera Pamela Taketomi, que integra a página Beyoncé Access, trazendo um viés mais positivista da ausência da cantora.

Ela é dona da Parkwood Entertainment, a própria gravadora dela. Ela tem total controle sobre cada passo da sua carreira. É ela que decide TUDO. As pessoas acham que não, mas ela SABE muito bem o que está fazendo. E a Sony Music e a Columbia, que trabalham com ela, ficam apenas com a produção física e a distribuição dos CDs e vinis dela, e parcialmente também participam da publicidade“, complementa Pamela.

Foto: Doug Ordway

Quem também lançou mão do “marketing de sumiço” foi Miley Cyrus, que no último dia 10 de março agraciou seus fãs com o “Endless Summer Vacation”, seu oitavo álbum de estúdio e primeiro pela Columbia Records. A nova compilação foi precedida pelo smash hit “Flowers”, que bateu vários recordes, incluindo um dos últimos: música a atingir 1 bilhão de streams mais rapidamente na história do Spotify. Ela precisou de apenas 111 dias para alcançar o expressivo montante.

Apesar de ter conquistado sua melhor estreia na era do streaming, com direito a #1 no Spotify Global e na Billboard Hot 100, a cantora saiu de cena. Tudo o que Miley entregou, ainda à época do lançamento, foi um segundo single para o disco – “River”, que obteve um tímido desempenho se comparado ao anterior, e um especial no Disney+ com performances de algumas das novas faixas.

Enquanto os fãs seguem na expectativa de que “Jaded” (uma das favoritas dos fãs) tenha o seu lugar ao sol e ganhe um videoclipe e divulgação, a artista tem se limitado a entregar apenas novas fotos e visuais curtos ao público cada vez que “Flowers” quebra um novo recorde expressivo.

Ela parece estar em um momento da vida mais ‘low profile’, mais caseira e trabalhando menos. Afinal, o nome do novo álbum [‘Endless Summer Vacation’ – ‘Férias de verão sem fim’, em tradução livre ao português] parece algo bem sugestivo. Ninguém quer trabalhar de férias, não é mesmo? É uma grande mudança considerando o histórico da Miley, mas acredito que com a personalidade forte que ela tem, não se permitiria ser impedida de fazer todas essas coisas porque a gravadora estaria supostamente proibindo ou impondo algo“, avalia John Glambert, um dos fãs de Miley Cyrus por trás da página Tudo Miley.

É muito difícil lidar com a expectativa que foi colocada com o lançamento, uma nova gravadora, números recordes para a sua carreira e não termos ela mesma respondendo e interagindo com os fãs, potencializando esses números e lançamento ainda mais“, lamenta Allan Andrade, do fã site Miley Cyrus Brasil, que se diz “desmotivado” com a atual era de sua ídola.

Foto: Instagram/@ladygaga

Nos teletransportando a um outro planeta no momento mais crítico da pandemia de Covid-19, em 29 de maio de 2020, Lady Gaga revelou ao mundo o “Chromatica”. O projeto, que teve como um dos pontos altos o dueto “Rain On Me”, com Ariana Grande (que também descolou o topo da Hot 100), não teve exatamente a divulgação que os fãs esperavam.

Nos primeiros meses que se seguiram ao lançamento, Gaga não “serviu” o público com uma agenda tão arrojada de divulgação do álbum, tampouco cumpriu a cota de performances esperada pelos fãs. É claro que uma pandemia deve ser considerada nesse ínterim, porém a “The Chromatica Ball”, turnê referente ao disco, só teve início dois anos após o ‘início da era’ e durou apenas dois meses (de julho a setembro de 2022).

Novas formas de consumir música: curta duração e foco no viral

Embora o Spotify, tocador de música mais popular do mundo, tenha desembarcado no Brasil há quase dez anos, é indiscutível que vivemos atualmente o auge da ‘era do streaming’. Logo, a esmagadora maioria das estratégias do mercado musical concentram-se nessas plataformas.

Aplicativo mais baixado do mundo em 2022 e tendo se popularizado à época da pandemia, o TikTok é peça fundamental dessa engrenagem, e não apenas interfere nas estratégias da indústria da música, bem como molda a própria arte.

Em um mundo cada vez mais digitalizado, o que se torna hoje ‘gritante’ a partir de adventos como a Inteligência Artificial (IA) e o ChatGPT, e com a população vivendo em rotinas cada vez mais atribuladas e que sofrem pela escassez de tempo, as pessoas têm valorizado mais e mais aqueles vídeos que, com poucos segundos ou minutos de duração, já são suficientes para solucionar de maneira eficaz suas dores e problemas.

Praticamente não existe mais uma era que tenha início, meio e fim. Acho que a última vez que vimos isso acontecer tão brilhantemente foi com o ‘Future Nostalgia’, da Dua Lipa, mas foi totalmente fora da curva. São poucos os artistas que se dão ao luxo de lançar material assim, porque a forma de consumo mudou. Os streamings, hoje, introduziram um ‘quê’ de rapidez à indústria como nunca visto antes e os cantores necessitam manter esse ritmo. Creio que, cada vez mais, o mercado fonográfico se torna praticamente descartável e isso é uma pena para quem é fã de artistas mainstream“, expõe Allan.

A partir disso, o modo de se produzir e consumir entretenimento também mudou. Se há poucos anos, artistas mainstream como Anitta já priorizavam singles avulsos em vez de álbuns (por observar um fator de rápida obsolescência dos compilados), hoje as próprias músicas já são criadas pautando-se nessa característica do mercado, sobretudo o brasileiro.

Foto: Neilson Barnard/Getty Images (uso autorizado POPline)

Não à toa, vemos aos montes faixas que já nascem preocupadas em não ultrapassar os 2 minutos de duração (ou menos). Hoje, subentende-se que é o formato ideal para funcionar nos virais, nos challenges, nas DCs (famigeradas ‘dancinhas’ do TikTok) – que, no cenário atual, são ferramentas imprescindíveis ao bom desempenho de um single nos charts. O grande foco, para as gravadoras e selos de distribuição, é viralizar!

Já não há tanto interesse em vídeos ‘longos’ e consequentemente as músicas estão sendo cada vez mais encurtadas. Me parece que até mesmo videoclipes já não recebem tanta atenção quanto costumavam receber e o mesmo vale para as apresentações de TV. Esse público tem sido doutrinado a assistir a vídeos cada vez mais curtos e momentâneos. […] Estamos na dependência de virais de TikTok e do investimento das gravadoras em playlists, rádios e novas versões/remixes. […] Talvez tudo isso justifique as aparições e divulgação à moda antiga cada vez menos recorrentes. […] Alguns artistas podem se frustrar com esse novo modelo de consumo e divulgação. […] Para os fãs, sobra apenas a frustração“, analisa John.

E, em meio a esse turbilhão de mudanças, que muitas das vezes se apresentam na velocidade da luz, vários dos artistas acabam se perdendo, não conseguindo acompanhar todo esse novo processo ou, muitas das vezes, não tendo interesse em se adequar a ele.

A própria Anitta, bem como Demi Lovato e Halsey são algumas das cantoras pop que já vieram a público externar suas insatisfações com a dependência a qual suas obras foram submetidas, principalmente ao TikTok. Todas elas (e tantas outras) já foram “barradas” de lançar uma música por não ter viralizado “o suficiente” na plataforma de vídeos.

Foto: Frazer Harrison/Getty Images (uso autorizado POPline)

Podemos ver isso através das artistas pop que tiveram seu auge antes da era do streaming com vendas puras e que hoje não conseguiram ‘transicionar’ 100% para as plataformas digitais. Era ‘mais difícil’ sua obra chegar nas pessoas e, mais ainda, conquistá-las. Hoje, os streamings democratizaram a visibilidade de artistas. Por um lado é bom, porque novos artistas cresceram e se tornaram gigantes na cena dos streams, por outro é péssimo, porque percebemos que tudo isso se torna muito cíclico e perdemos um pouco da música como ‘arte’“, reflete Allan.

Pamela, fã de Beyoncé, fica ao lado daqueles artistas que não sucumbem às transformações da indústria e às exigências das gravadoras para lançar suas obras. Ela defende que, o que interessa na verdade, é fazer música de qualidade, que traga mensagens que transmitam verdade e gerem identificação ao público, e que sejam trabalhos que fiquem para a posteridade.

É melhor fazer um projeto artístico ‘rápido’ e sem qualidade ou algo feito com excelência pensando em um bem maior? Do que adianta ‘bombardear’ o público com genéricos, fazer às pressas, ter os charts e ainda assim não ser algo duradouro? Ela seria lembrada daqui a 50 anos por essas músicas? Não. Ela quer mudar a vida das pessoas através das suas canções. Ela quer impacto cultural e diversão. O ‘RENAISSANCE’ foi lançado porque ela viu uma necessidade de se expressar e também percebeu que os fãs também estavam passando por essa ‘escuridão’ durante a pandemia e após ela. Todos estão à procura de um ‘renascimento’. E foi o que ela nos entregou. E é o que verdadeiramente importa. Apenas isso“, diz Pamela.

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Legado e império inabaláveis e o poder de um ‘comeback’

Rihanna é uma artista que ‘usou e abusou’ da “estratégia do sumiço” e, no caso dela, antes mesmo de lançar um novo disco. Há sete anos os fãs aguardam o sucessor do ANTI” (2016). Mas, eis o questionamento: se a cantora tomasse a (trágica) decisão de se ‘aposentar’ de vez da música, ela deixaria de ser a Rihanna?! Apesar do modo como gerenciou sua carreira artística nos últimos anos, o legado e o império dela (cada vez maior, diga-se de passagem) são inabaláveis, e ela sabe disso.

Foto: Gregory Shamus/Getty Images (uso autorizado POPline)

E é justamente essa uma outra questão importantíssima nessa discussão: estamos nos debruçando sobre a carreira de artistas que vieram anos-luz antes da era do streaming. Muitas delas, inclusive, como o exemplo de Miley Cyrus, cresceram aos olhos do público e praticamente foram “amamentadas” pelo show business.

Estamos envelhecendo e as divas pop também. O que é uma dádiva! Madonna, Rihanna… todas têm seu impacto na indústria e que ecoarão através de gerações. Quando elas somem, acredito que seja por quase o mesmo motivo da Beyoncé. Precisam viver! E precisam de espaço, se afastar da mídia pra respirar também. Se dedicar mais a si mesmas, à família e em seus outros negócios. A diva pop tem esse direito também! Apesar de nos deixar com MUITA saudade“, opina Taketomi.

Foto: Chung Sung-Jun/Getty Images (uso autorizado POPline)

Muito antes de acumularem bilhões de streams nas plataformas digitais, elas venderam milhões de cópias de discos, realizaram inúmeras performances em programas de TV, estamparam incontáveis capas de revista, caíram na estrada com seus shows pelo mundo todo, além dos vários prêmios dispostos em suas prateleiras.

Além de terem a consciência e a tranquilidade de que seus nomes já estão escritos na história e que nada pode desfazê-lo, muitas dessas artistas dedicam-se a ter uma vida mais tranquila, desaceleram a carreira artística para dar um ‘freio de arrumação’ na própria vida, nem que seja para se dedicar a outras carreiras.

Elas já entraram pra história, impactaram a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. E por conta disso, sempre que voltarem, terão o seu público fiel ali esperando. E eu, pessoalmente, não acho que a ‘estratégia do sumiço’ seja algo ruim. Muito pelo contrário. Beyoncé é a prova viva de que isso dá certo sim, e só há vantagens, em todos os âmbitos da vida dela. Vivo repetindo para os meus amigos: ‘Quanto mais a Beyoncé some, mais a imagem dela é valorizada. E ela sabe disso’. Nós podemos perceber pelos números quando ela some e aparece com uma foto no Instagram. As fotos giram a internet inteira“, defende Pamela, que acredita em um poder ‘avassalador’ que tem o ‘comeback’ dessas grandes artistas.

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