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Bernardo Sim – Os erros dos artistas nacionais no mercado americano e a nova chance com Anitta


A internacionalização de um ídolo nacional: cases para a Anitta estudar

anitta

Não é surpresa para ninguém que a Anitta está com planos de carreira internacional. A maior estrela do pop brasileiro assinou com a Williams Morris Endeavor (WME), que agencia as carreiras de artistas como Rihanna, Drake, Maroon 5 e muitos, muitos outros (lista completa).

No português bem claro: há uma relação muito direta entre o estrelato internacional e o estrelato nos EUA. O sucesso de nível universal no mercado da música pop depende massivamente do público americano que, através de uma grande população com alto poder aquisitivo e um contexto cultural no qual a música é um forte elemento, consome música pop como ninguém.
Mas todo cuidado é pouco na hora da transição de um artista para o pop americano. A história conta com muitos cases de sucesso e ainda mais exemplos em que as coisas não aconteceram da forma prevista.

A pressa

Um dos maiores e mais comuns erros que eu já vi dos artistas brasileiros que almejam uma carreira internacional é a pressa. Em meados de 2009 e 2010, a banda Restart tinha tudo para acontecer: estética, som e personalidade que se igualavam a outros sucessos da época como All Time Low e Forever The Sickest Kids. Estouraram com “Recomeçar” e “Te Levo Comigo” e invadiram a mídia brasileira como grandes novas promessas da música pop. Mas os meninos mal tomaram gosto pelo sucesso no Brasil e parece que já quiseram abrir as asas para voar em mercados internacionais, gravando uma versão em espanhol “Te Llevo Comigo” que foi bem recebida em países como Argentina e Uruguai, mas que praticamente enterrou a presença da banda em solo nacional. Tenho certeza que certas polêmicas da época também tiveram um impacto na imagem da banda, mas ficou a impressão que o foco deles se voltou tanto lá para fora que eles esqueceram de firmar os próprios pés no seu país de origem. Ao contrário de Ivete Sangalo, Cláudia Leitte e Sandy & Jr, que só foram atrás de uma carreira internacional depois de muitos anos de sucesso no Brasil, houve um descuido com o timing perfeito.

Outro exemplo dessa pressa continua sendo o Naldo, que viu o seu cachê de shows no Brasil despencar depois que o sucesso “Amor De Chocolate” passou, mas que parece estar sempre mais focado numa carreira lá fora do que no firmar do seu espaço na música pop do Brasil. Muito se fala da vontade dele de ser uma espécie de ‘Chris Brown brasileiro’, mas a característica principal do Chris Brown é justamente um catálogo de dezenas (e dezenas e dezenas) de hits acumulados durante as décadas de sua carreira.

Finalmente, para não deixar em branco, devo citar o Michel Teló. Ao contrário do Restart e do Naldo, o Michel de fato (e sem querer) estourou no mercado internacional com “Ai Se Eu Te Pego”, chegando até mesmo a gravar uma versão em inglês com participação do rapper Pitbull, chamada “Oh If I Catch You”. Moro fora do Brasil há 6 anos e posso confirmar que esta música tocou em todos os lugares que você possa imaginar. Eu não podia dizer que era brasileiro sem que alguém não me pedisse para fazer a coreografia da música de Michel, que eu nunca aprendi direito. Assim como os exemplos anteriores, Michel Teló mal tinha estourado no Brasil e tudo isso já foi acontecendo, o que acabou provavelmente virando uma distração para a carreira brasileira do cantor. Porém, acredito que Michel foi maduro e inteligente ao concluir que “Ai Se Eu Te Pego” foi um fenômeno, e rapidamente voltou a sua atenção para o seu trabalho no Brasil como prioridade.

Goela abaixo

Outro grande problema que eu já vi com ídolos estrangeiros tentando fazer sucesso nos EUA é a ilusão de que com um time americano de peso cuidando da sua carreira, tudo vai dar certo.
Shakira estourou nos EUA em meados de 2001 e 2002 com o single “Whenever, Wherever” e seguiu uma carreira americana de sucesso enquanto contou com a ajuda da sensacional Gloria Estefan, que soube introduzir a vibe latina de Shakira para um mercado gringo e internacional. Mas com o tempo a colombiana priorizou a vida pessoal e acabou perdendo o espaço que ela havia conquistado nos EUA, firmando-se numa posição inédita: um grande sucesso internacional com pouquíssimo prestígio americano. Por muitas vezes achei que isso não era possível, mas tive esta conclusão confirmada quando Shakira retornou ao mercado americano sob os cuidados da Roc Nation de Jay-Z, com uma cadeira de jurada no reality show The Voice e o single “Can’t Remember To Forget You” com participação da Rihanna, mas parecia que ela era uma desconhecida! Nunca vou esquecer da emissora NBC (que exibe o The Voice) usando todas as oportunidades que tinha para lembrar o público americano de que a Shakira era aquela de “Hips Don’t Lie”, aquela de “She Wolf”… Como se precisasse puxar na memória músicas que marcaram tanto as suas épocas. Para mim, é como se tivessem que explicar quem é Beyoncé na fila do pão.

shakira-the-voice

E o que falar da britânica Rita Ora, também trazida aos EUA pelo Jay-Z e a sua Roc Nation, que até hoje tem problema atrás de problema para conquistar um grande hit internacional? E a Priyanka Chopra, um dos maiores ícones do Bollywood da Índia, que fechou contrato com a Creative Artists Agency, teve single produzido por RedOne e com participação de will.i.am… E foi amplamente ignorada pelo mercado do pop americano. Hoje ela foca na carreira de atriz e está bem no seriado “Quantico”, mas a carreira musical praticamente deixou de existir.

Parece que o público americano não se sente confortável quando percebem que um artista está sendo enfiado no seu mercado goela abaixo, importado por empresas americanas como se fossem roupas de grife. Parece que não adianta tentar ‘fazer um artista acontecer’ a qualquer custo. Os americanos não compram. Os casos de sucesso dentre os músicos estrangeiros são todos ‘por acaso’, há sempre uma impressão de que o público americano é que escolheu e que trouxe o artista para dentro do seu mercado.

Os fenômenos

E é aí que entram os fenômenos. Beatles, Adele, One Direction, Elton John, Pink Floyd, ABBA e outros nomes internacionais que invadiram a cultura popular americana porque foram convocados pelo próprio público. Antes mesmo da primeira vez em que os Beatles e o One Direction foram para os EUA, eles já eram sucessos absolutos no país. Nunca houve dúvida de que eles eram estrangeiros, e sim, sempre há uma parcela da população americana que é bairrista até o fim e não dá muita atenção a nenhum artista internacional, mas estes músicos marcaram a sua presença em solo americano e construíram carreiras incríveis sem precisar da ajuda de agências americanas e sem negarem as suas origens. Exemplos mais recentes são Sam Smith, Lorde e Troye Sivan. Ajuda muito o fato de que todos estes artistas já falam e cantam em inglês, sendo a diferença entre eles e artistas americanos meramente uma questão de nacionalidade.

A desnacionalização

nicki minaj - american flag

E tem também os artistas estrangeiros que infelizmente tiveram que (in)convenientemente abafar as suas origens para fazer sucesso nos Estados Unidos. Para citar alguns exemplos: Rihanna é de Barbados, Drake, The Weeknd e Justin Bieber são canadenses, Nicki Minaj nasceu em Trinidad E Tobago, a Sia é australiana e por aí vai. Ao contrário dos fenômenos citados anteriormente, estes tiveram que praticamente apagar as suas origens para adequarem as suas imagens ao mercado americano no qual estavam entrando. Estes geralmente dão certo, mas há sempre um custo pessoal e cultural. Muitos fãs da Rihanna estão felizes que ela finalmente pode cantar e falar sem disfarçar o sotaque de Barbados, por exemplo. Drake, por sua vez, que lançou o disco “Views” em homenagem à sua cidade Toronto, parece finalmente se sentir confortável no papel de estrangeiro.

Latino-Americanos

Mas nenhuma das regras anteriores se aplicam para latino-americanos como Glória Estefan, Jennifer Lopez, Pitbull, Marc Anthony e Ricky Martin – e existe um motivo muito claro para isto. De acordo com o censo demográfico americano de 2015, 17,6% (ou 56,6 milhões de pessoas) da população dos EUA é de origem hispânica. Há espaço para existir todo um mercado de música dentro dos Estados Unidos que seja dedicado ao espanhol ou tenha grande influência da língua e da cultura. De acordo com dados do Itamaraty de 2014, são 1,3 milhões de brasileiros nos Estados Unidos, o que torna inviável que artistas de alto porte tenham uma carreira no país que seja focada na cultura brasileira e na língua portuguesa.

Por causa deste ponto em específico, é sempre irresponsável comparar a Cláudia Leitte, por exemplo, à Jennifer Lopez. Porque não é e não dá para ser. A JLo pode fazer a sua festa latina e tem quem compre. A Cláudia Leitte não pode chegar nos EUA fazendo axé, porque não tem público para isso no país.

Um grande, grande exemplo foi o show maravilhoso da Ivete Sangalo no Madison Square Garden. Eu estava lá! Sou fã de carteirinha (quem não é?) e fiz questão de prestigiá-la em Nova York. Veveta lotou o MSG, uma das casas de eventos de maior prestígio do mundo e levou a alma do Brasil consigo. Por uma noite, Nova York virou verde e amarela. Vi muita gente chorando de orgulho de vê-la naquele palco… Gente que nunca tinha saído do Brasil e que gastou tudo o que tinha para prestigiar essa nossa grande artista. Mas aquele show, apesar de marcante, maravilhoso e inesquecível, não poderia mudar a demografia dos Estados Unidos. Não tem tanto brasileiro assim morando nos EUA. Não dá para segurar uma artista brasileira que queira cantar gêneros puramente brasileiros e em português. Há um público de gringos que amam a Ivete (eu conheço vários), mas não é suficiente. Não são os 56 milhões de latinos que falam espanhol e que abrem espaço para canais de TV, filmes, estações de rádio, jornais, músicos e eventos que sejam dedicados só para eles.

Tropicalismo

A não ser, claro, que um novo movimento internacional da música brasileira pop tomasse conta do mundo inteiro.

Lá atrás, no final da década de 1960, Carmen Miranda virou símbolo do início de um movimento que tomaria conta do mundo e disputaria de igual para igual com o som pop e psicodélico de alguns trabalhos dos Beatles: o Tropicalismo. Foi quando surgiram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes e outros. Era a chamada ‘esquerda festiva’, que tanto foi criticada na ocasião por brasileiros que achavam um absurdo que nossos músicos fizessem um som considerado tão próximo do que era gringo. Era visto como vergonha nacional que Carmen Miranda divulgasse mundialmente uma imagem tão estereotípica da cultura brasileira, mas foi isso que deu início ao momento mais internacional e pop que a música brasileira já viveu até hoje. Até os anos 1990 (e quem sabe até hoje?), ainda se viam artistas do mundo inteiro apostando em influências do tropicalismo brasileiro.

Mas como isso se aplica na cena do pop brasileiro contemporâneo? Seria uma mistura de eletro e funk como em “Sticky Dough” da Wanessa? Seria uma coisa mais sertaneja como “Oh If I Catch You” do Michel Teló?

É a vez da Anitta

Fiquei feliz em ver a Anitta cantando com Caetano e Gil na Abertura das Olimpíadas do Rio 2016 porque pareceu uma imagem bonita da velha guarda da música popular brasileira passando a tocha para uma nova geração que chegou. Posso estar errado, mas confio na genialidade de Caetano e Gil, e deve ter rolado um pouco deste meu raciocínio na escolha deles ao convidar a Anitta para cantar junto.

Anitta tem tudo para ser grande lá fora, mas não pode ter pressa, não pode ser goela abaixo e não pode ser confiando nos números de brasileiros lá fora. Tem que ser pensado e com os pés no chão, deixando as coisas acontecerem naturalmente. Tem que deixar o mundo convidá-la a entrar.

Por enquanto, tudo vai bem: rolou o vídeo “Teens React To Anitta”, tiveram asiáticas famosas dançando “Bang!”, a MTV europeia quis indica-la aos EMAs, a Warner foi leva-la ao Festival de Cannes e por aí vai. Lendo as entrevistas recentes da Anitta sobre o assunto, também me parece que ela está calma e seguindo a linha que tem que seguir mesmo.

Eu sempre brinco que ídolos nacionais que querem fazer a transição de carreira para os Estados Unidos (e além) tem que entender como a cultura do país funciona. Quando um ator ou atriz americano(a) é indicado(a) ao Oscar, tem que dar milhares de entrevistas para aparecer, mas tem sempre que dizer que o importante é só ser indicado, que ganhar não é tão importante assim. É justamente essa linha ‘é claro que quero, mas não preciso disso’, que Anitta deve seguir. É hora de comer pelas bordas, aparecer, fazer músicas e clipes de qualidade, e esperar ser abraçada pelo público de fora. E se as portas se abrirem, tem espaço para muitas e muitos outros popstars brasileiros entrarem na cola.

Enquanto isso: vai ter que arriscar, mas vai ser sim ou não, ou não…