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Bernardo Sim – O anti-pop de Rihanna


Parecia que o “ANTI” ia ser meio acústico quando escutamos “FourFiveSeconds”. Depois, por causa do envolvimento inicial do Kanye West como produtor executivo, o disco parecia encorpar uma sonoridade mais próxima do “Yeezus”, último disco do rapper. Aí surgiram boatos de que a Rihanna voltaria a mergulhar no gênero dancehall, como no início da carreira. Finalmente, depois de vários tuítes do compositor Glass John, surgiu a ideia de que o álbum estava sendo influenciado pelo Travis Scott e que estava se voltando para uma espécie de música trap. Das três músicas lançadas até então, “Bitch Better Have My Money”, “American Oxygen” e “FourFiveSeconds”, uma coisa estava certa: o “ANTI” ainda não havia encontrado um foco ou gênero.

Se a Rihanna parou de se desculpar no “Unapologetic”, no “ANTI”, ela virou as costas de vez para os farofeiros. Tudo sobre o disco novo transborda coragem: 1) veio sem nenhuma das três músicas lançadas em 2015 que poderiam familiarizar o grande público com o disco; 2) foi lançado exclusivamente no serviço de streaming Tidal, mas ao mesmo tempo, com disponibilidade de download gratuito; e 3) logo Rihanna, a rainha das parcerias, só colocou duas outras pessoas no álbum, sendo uma delas a praticamente desconhecida cantora SZA.

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A matemática é simples: se Rihanna tivesse vendido 1 milhão de cópias do disco, à venda por 13 dólares e 99 centavos, ela teria lucrado 13,9 milhões de dólares. A Samsung, empresa patrocinadora do “Anti” que tornou possível a sua distribuição gratuita, pagou 25 milhões de dólares para a Rihanna. Levando em consideração que, mesmo que a gente ame a Rihanna, ela não ia vender o mesmo milhão de cópias que Adele e Taylor Swift conseguiram na primeira semana, o patrocínio foi uma forma inteligente de angariar grandes números (e, portanto, atenção do público) e ao mesmo tempo distribuir o disco para o maior número de pessoas num curtíssimo período de tempo.

O álbum inteiro é uma transposição entre a inocência e a sabedoria, entre o romantismo e o realismo, entre uma menina e uma mulher. Em “Work”, Rihanna entende que tem que trabalhar duro para que um relacionamento dure. Em “Love On The Brain”, ela implora por repostas, perdida, sem saber o que fazer. Fala da finitude de um amor em “Desperado”, mas nega a mesma noção do prazo de validade em “Never Ending”. Na ótima “Needed Me”, minha faixa favorita do disco, Rihanna está segura de si e mandando uma real pro cara em questão. Mas em “Kiss It Better”, ela volta a fazer a linha de pedinte e obediente.

Acredito que esse disco deu uma ideia de profundidade artística que estava em falta para a Rihanna, que estava passando a ser mais definida pela sua conta no Instagram do que pelas músicas lançadas. O “Unapologetic” deu lugar às farofas e teve raros momentos de sinceridade, mas o “ANTI” nos apresentou sentimentos nus e crus. Todas as faixas lembram a honestidade e o soul de “Diamonds” e “Stay”, os dois grandes sucessos do disco anterior.

É inevitável perceber a influência que os grandes sucessos da música negra americana de 2015 tiveram nesse álbum. Rihanna mergulhou no seu sotaque e na vibe caribenha, engolindo palavras e criando outras, exatamente o que fez de Fetty Wap, Future, DeJ Loaf, D.R.A.M e Travis Scott os grandes nomes do ano passado. É curioso ver a música pop americana se aproximando da música urbana internacional, justamente num momento em que a música urbana internacional (e brasileira!) aproxima-se tanto do estilo pop americano.

O “ANTI” é declaradamente, nos sentidos comercial e artístico, um trabalho anti-pop. Será uma surpresa se as rádios americanas apostarem neste disco. Porém, assim como o primeiro single do álbum anterior, “Diamonds”, que foi recebido com desgosto e se tornou um grande hit, o “ANTI” tem todos os elementos de um trabalho que pode crescer no gosto popular. Eu, particularmente, tenho curtido o disco mais e mais a cada play. Vamos ver se isso vai work, work, work, work, work, work.