Bernardo Sim

Bernardo Sim: Kesha e Dr. Luke, uma briga sem sentido

A indústria do pop, divertida e colorida, às vezes se revela: é mais preta e branca do que parece

A história da Kesha com o Dr. Luke começou em 2005, quando a cantora, aos 18 anos, assinou contrato com a Kemosabe Entertainment, label do produtor (subsidiário da Sony).

No decorrer dos anos, Dr. Luke foi ganhando uma maior notoriedade e, em várias situações, incluiu a Kesha em seus projetos: ela apareceu no clipe de “I Kissed A Girl” da Katy Perry, gravou vocais para “Lace And Leather” da Britney Spears e finalmente apareceu como artista de verdade na “Right Round” do Flo Rida. Juntos, Kesha e Dr. Luke produziram os discos “Animal” e “Warrior” com os sucessos “TiK ToK”, “Die Young”, “Your Love Is My Drug” e “Blow”. A última música lançada pela Kesha, “Timber”, de 2013, também é do Luke.

Olhando para trás, é inevitável perceber que os temas das composições da Kesha eram sempre sobre sexo, drogas e amores obsessivos. Quando Kesha abriu um processo contra Dr. Luke em outubro de 2014, alegando estupro e abuso verbal e físico, talvez não deveríamos ter ficado tão surpresos. O espanto veio, lógico, da noção que construímos que artistas são personagens e que nem sempre são sinceros nos seus trabalhos. Um ano depois, Kesha insiste na ideia de sair do contrato com Dr. Luke, sem sucesso.

O primeiro instinto de um artista que se encontra numa briga com um label ou gravadora é lançar algo de graça – uma mixtape, por exemplo – que possa avançar a carreira dele e ao mesmo tempo não interferir na bagunça de um contrato. Em 2015, nós tivemos Lil Wayne, Drake e Miley Cyrus como grandes exemplos. Isso acontece porque 1) os contratos giram em torno de projetos (CDS, singles) com fins financeiros e 2) não existe motivo para uma gravadora alegar direitos sob algo que não está sendo vendido e que não vai gerar lucro.

Acontece que Kesha assinou um contrato infernal com Dr. Luke que a impede de lançar absolutamente qualquer coisa sem a autorização do próprio. O escritor John Seabrook comentou sobre esse caso no seu livro “The Song Machine” e disse que o contrato que Luke fez com Kesha chega a ser *pior* do que o contrato que Lou Pearlman fez com os Backstreet Boys. Se você não se lembra deste caso, eu te lembro: esse contrato foi considerado um dos piores de todos os tempos da indústria da música.

Especialistas também concordam que não adianta a Kesha se rebelar e postar material novo independentemente via Soundcloud, YouTube, Spotify e afins, pois todos estes serviços têm acordos com a Sony e é óbvio que ficariam do lado da gravadora numa situação de conflito.

Portanto, ficamos nessa: Dr. Luke não ganha dinheiro com a Kesha, que se recusa a trabalhar com ele, e Kesha não avança a sua carreira, pois não existe uma alternativa que não passe pelo contrato entre os dois. É uma briga completamente sem sentido em que ninguém sai ganhando e, ao mesmo tempo, todos saem perdendo. Entranhado na situação está o julgamento perverso do público em achar que a cantora pode estar “exagerando” ou “mentindo” sobre as alegações, pois somos condicionados a sempre duvidar da mulher e acreditar no homem. Dr. Luke tem a lei do seu lado a partir do momento em que a Kesha, jovem ou não, assinou um contrato de milhões de anos e bilhões de impedimentos com ele.

A situação deve estar sendo um pesadelo para a imagem do produtor, querendo ou não. Miley Cyrus, por exemplo, já se posicionou contra trabalhar com ele, e seria muito estranho ver Katy Perry e Britney Spears ficando em cima do muro (mas não duvido). Se fosse para liberar a Kesha numa boa, acho que Dr. Luke já o teria feito antes do circo todo ser montado. Se ainda não o fez, é porque não vai afrouxar o cinto até o fim. Mas isso parece mesquinho e, francamente, pessoal. Todos sabemos que a maior parte do lucro de um artista vem das turnês e do merchandising.

Sem uma imagem viva e músicas novas, não existe turnê e merchandising para a Kesha, que passa a ser um elefante branco para o Luke. Se uma pessoa não quer trabalhar com você e não te traz retorno algum, qual é o fator que te convence a continuar a amarrá-la num contrato? Não seria mais inteligente para o Dr. Luke sair de bom moço, deixa-la ir embora, preservar a sua imagem e continuar trabalhando com as pessoas com quem ele sempre produz hits atrás de hits?

Esta parece uma briga sem um fim próximo. Já vimos este filme outras vezes, mas as alegações de abuso sexual adicionam toda uma camada extra já que estamos vivendo numa era onde a discussão sobre os direitos das mulheres está tão viva (ainda bem!). Se Kesha vencer o processo, isto pode arruinar a carreira do Dr. Luke. Se Luke vencer o processo, a carreira da Kesha praticamente chegou ao fim. Antes que a situação tome estas proporções, é inacreditável que os dois artistas não possam encontrar um meio termo amigável e justo. A indústria do pop, divertida e colorida, às vezes se revela: é mais preta e branca do que parece.

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