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Bernardo Sim – Kanye West: a metáfora da bagunça


Como todo artista que tem uma visão muito específica e progressista, tipo Madonna, Lady Gaga, Prince, Björk, etc., às vezes é difícil ser fã do Kanye West. Às vezes fica difícil entender e defender esse migo. Porém, o tempo prova que estes são os grandes pilotos da cultura pop, cujas viagens conturbadas (e com muitos pousos de emergência) guiam o futuro da música pop. Assim como Rihanna, o Kanye parecia mais envolvido com outras ocupações e acabou deixando a música para segundo (ou terceiro, ou quarto) plano. Porém, depois de muita espera, o rapper lançou e não lançou o seu sétimo álbum de estúdio, “The Life Of Pablo”.

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Desde o disco anterior, “Yeezus”, lançado em 2013, Kanye casou-se com a Kim Kardashian, batizou a filha North, deu vida ao filho Saint, lançou uma linha de roupas e tênis com a Adidas, e estampou diversas revistas e jornais com a sua movimentada vida de celebridade. O sétimo álbum tinha sido anunciado para a metade de 2014, mas só veio o single “Only One” com Paul McCartney, em dezembro. Em 2015, o disco ganhou o título “So Help Me God” e um pouco do material novo começou a ser lançado: “FourFiveSeconds”, com Rihanna e Paul McCartney, e “Wolves”, com Sia e Vic Mensa. Depois, o álbum virou “Swish”, mas também não chegou ao público em 2015. Em 2016, ganhamos uma data de estreia e recebemos a lista de faixas do disco que passou a ser chamado de “Waves”, e que enfrentou uma grande polêmica dos fãs do movimento musical “wave” fundado pelo Max B (atualmente preso). Mas tudo mudou de novo, e o disco de 18 faixas finalmente ganhou o seu título final: “The Life Of Pablo”.

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Só que não há nada de finalizado no “The Life Of Pablo”, que só foi lançado através do serviço de streaming Tidal. Kanye já falou abertamente que pretende modificar certas faixas (como “Wolves”) e que não pretende lançar uma versão física deste ou de qualquer outro futuro álbum. Esta ideia de “disco-em-andamento” é completamente nova e só pode estar acontecendo por causa da tecnologia dos serviços de streaming, já que toda nova versão de uma música pode simplesmente substituir a antiga no catálogo do Tidal. O nome do disco faz referência ao pintor Pablo Picasso e, ironicamente, essa disponibilidade limitada e em constante mudança do álbum o equipara à experiência de visitar a um museu com obras que se transformam com o tempo. Se discos do futuro se transformassem sonoramente, como parece ser o caso de certas faixas do “The Life Of Pablo”, fãs de um artista teriam que seguir assinando um certo serviço de streaming para ouvir como as músicas se transformariam no decorrer do tempo. É algo artisticamente curioso e financeiramente bom.

Quanto ao conteúdo do “The Life Of Pablo”, sigo na teoria de que Kanye West é o artista mais honesto e perturbado da nossa geração, o que emprega coisas ótimas e péssimas. Todo mundo sabe que “808s & Heartbreak”, seu quarto disco, foi sobre como ele lidou com o falecimento (na época, recente) da sua mãe. Desde então, nos sucessores “My Beautiful Dark Twisted Fantasy”, “Yeezus” e “The Life Of Pablo”, o Kanye carregou uma tristeza e adicionou uma certa misoginia que não era tão presente nos três álbuns iniciais. Vi uma jornalista da revista Complex comentando no Twitter: “Eu acho que a gente devia perceber que o Kanye é um cara que simplesmente sente muito a falta da mãe dele”, e eu concordo plenamente. Criou-se um vácuo na vida pessoal do rapper e “The Life Of Pablo” é um grito artístico: ora é religioso e positivo, ora xinga todo mundo. Há uma grande confiança e uma grande insegurança que caminham juntas. Até o fato do disco não ter sido oficialmente finalizado parece exaltar um conceito artístico: o de que Kanye não tem algo final a dizer, pois tudo muda todo dia na sua vida.

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Como fã de Kanye West, é uma pena vê-lo cutucando a Taylor Swift, pois o “The Life Of Pablo” é muito, muito, muito mais do que só isso. Ele também põe lenha na fogueira de várias outras pessoas, e só consigo justificar estas atitudes com a noção que dei acima: parece um bully atirando para todos os lados para se sentir melhor, pois não está feliz e realizado. Não sou psicólogo e também passo longe de querer justificar argumentos misóginos, mas este é um artista e esta é uma ideia a ser interpretada diante do trabalho dele. Tudo é intencional ou consequente: a verdade de suas opiniões e personalidades está ali.

Tudo está bagunçado: não-lançamento do CD, conteúdo misógino, sonoridade gospel para composições negativas, músicas não finalizadas e falta geral de foco. Mas há uma metáfora nesta bagunça. Quem quiser enxergar, vai ver.