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Bernardo Sim – As novas cores do Coldplay


O Coldplay sempre existiu num vácuo próprio. Começaram a aparecer de verdade com o conceitual e triste “A Rush Of Blood To The Head” num 2002 dominado pela música urbana de Eminem, Nelly e Missy Elliott. A “Fix You”, hoje um clássico do disco “X&Y”, se perdeu em 2005. Foi só em 2008, com a fase “Viva La Vida”, que veio a redenção comercial da banda: finalmente o trabalho deles estava sendo compreendido a tempo pelo público geral. Mas parece que a banda não tinha interesse nisso e continuou a desafiar o entendimento do grande público com os próximos discos, “Mylo Xyloto” (2011) e “Ghost Stories” (2014).

Vale ressaltar que, assim como um noticiário de TV, o Coldplay busca sempre explorar altos e baixos, um atrás do outro, na sua discografia. “A Rush Of Blood To The Head” era sem cor e triste, e “X&Y” introduziu cores. “Viva La Vida” era clássico e obscuro, e “Mylo Xyloto” era futurístico e com cores explosivas. “Ghost Stories” era nostálgico e todo meio blue, e logo veio o multicor “A Head Full Of Dreams”. Eles destoam o triste do alegre de forma repetida, cada vez explorando felicidades e tristezas diferentes.

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Eu nunca me considerei um fã do Coldplay. Nunca fui atrás de trabalhos novos ao serem lançados e sempre demorei para adentrar o universo de cada disco. Hoje, olhando para trás e analisando todo o material que foi lançado pela banda, posso declarar que o Coldplay tem um catálogo de respeito que merece ser revisitado, entendido, curtido e respeitado. É incrível ver uma banda de rock(!) ainda fazendo sucesso com o grande público, ainda sendo notícia, ainda ganhando fãs por conta de trabalhos novos. Não vivem de passado, não vivem de fofoca, não vivem de polêmicas e não vivem de belezas. Não vivem num gueto da indústria para fãs que já eram fãs. Recebem muitas críticas por serem uma banda de rock “meio mela-cueca”, mas justiça seja feita: vivem da música, diferente de muitas outras grandes bandas.

O lançamento do “A Head Full Of Dreams”, novo disco do Coldplay, me lembra de certos discos do pop que têm um valor maior por trás das músicas do que nas músicas em si. Esse disco tem, ao mesmo tempo, vocais da Gwyneth Paltrow (ex-mulher do Chris Martin) e da Annabelle Wallis (namorada do Chris Martin). Esse disco tem uma música com a Beyoncé que enterra os vocais da diva do pop a sete palmos (e funciona!). Esse é o disco que enterra a presença de Beyoncé mas dá um dueto para a novata Tove Lo. É corajoso, tem profundidade, e nos apresenta um contexto que desafia as normas da vida de celebridade. Se recusam a usar o poder de influência de Beyoncé, apostam numa menina que acabou de aparecer, e jogam na nossa cara que a ex-mulher e a namorada de um cara podem estar inseridas no mesmo trabalho sem nenhum drama. Apesar de ser um álbum colorido e aparentemente leve, este é um trabalho difícil de ouvir, digerir e compreender. É monotemático e devagar durante as primeiras ouvidas, mas parece continuar te desafiando a todo custo – em mais do que um sentido.

Assim como a péssima “Jewels & Drugs” do “ARTPOP” da Lady Gaga, que foi importantíssima no sentido que rappers de uma das eras mais machistas do hip hop se uniram à uma das artistas mais aliadas aos gays para uma música que celebra as semelhanças entre a cultura gay e a cultura do hip hop (como joias e drogas), o Coldplay falha em trazer um disco de sucessos comerciais ou de críticas, mas parece mais preocupado com o processo criativo e impacto artístico carregado pelo “A Head Full Of Dreams”. “Everglow” é uma música sobre Gwyneth Paltrow com vocais da Gwyneth Paltrow. “Up&Up” é uma música sobre Annabelle Wallis com vocais da Annabelle Wallis. “Fun”, assim como “Chandelier” da Sia e a própria “Habits” da Tove Lo, é uma música triste sobre diversão. “Hymn For The Weekend”, com a Beyoncé, é uma música sobre estar embriagado com amor (oi “Drunk In Love”). A aparência meio fantasiosa e avoada do disco se destrói completamente quando você começa a analisa-lo com calma e contexto. Tudo é indiscutivelmente pessoal e verdadeiro. Fantasia que se desmonta como um parente seu tirando a roupa de Papai Noel neste fim de ano.

Acredito que, mais uma vez, o Coldplay será incompreendido. Não culpo os que não têm paciência, porque por muitos anos eu também não tive. Hoje me encontro me encontrando no trabalho deles, interessado nestas novas cores de uma banda que vez chora sangue, vez vomita arco-íris. Que o contexto artístico prevaleça e faça muito barulho no Super Bowl de 2016.