Em outubro de 2008, o clipe de “Poker Face” definiu o tema central do disco “The Fame”: a ironia da vida de uma popstar, com todas as extravagâncias e excentricidades em torno da fama. Em maio de 2009, no clipe de “Paparazzi”, Lady Gaga interpretou uma celebridade que, mesmo toda machucada e de muletas, seguia em frente posando para as câmeras. Em novembro de 2009, para “Bad Romance”, Gaga brincou com o contexto de ter o seu corpo vendido para um grupo de caras com caras de vilões.
Mas com o caminhar da sua carreira de sucesso, Lady Gaga tornou-se de fato uma popstar, e a grande brincadeira das eras “The Fame” e “The Fame Monster” acabou tornando-se uma realidade: ela passou a cometer os mesmos excessos de “Poker Face”; ela de fato se machucou, durante a turnê “The Born This Way Ball”, mas não conseguiu continuar andando como a personagem de “Paparazzi”; e passou de fato a ter a sua imagem vendida para um grupo de pessoas que só tinham interesse na carniça, não no que ela poderia oferecer criativamente.
Se “Bad Romance” brinca e dá risada do que podemos chamar de ‘prostituição artística’ de uma popstar, no clipe de “GUY”, Lady Gaga briga de volta pela sua autenticidade e assume o controle de sua situação. Brincar de celebridade maluquinha, como no início da carreira, era muito diferente da realidade.
Só que tudo isso levou Gaga a se levar muito, muito a sério. Tudo começou a ficar claro durante o disco “Born This Way”, quando Lady Gaga abandonou as brincadeiras e começou uma campanha feroz para se provar como uma mulher de muito talento. Veio o anúncio do próximo disco “ARTPOP” e, com ele, veio a esperança de que ela talvez voltasse à boa e inocente música pop do início da sua carreira. Porém, novamente, veio uma Gaga cheia de conceitos artísticos e mensagens difíceis, alinhando-se de grandes artistas e explicando-se exaustivamente – sem sucesso.
Precisou de uma chuva de críticas negativas e vendas bem abaixo dos discos antecessores para que Lady Gaga entendesse que ela jamais conseguiria se provar para o mundo com todo esse blábláblá. E foi a partir daí que pequenas e consistentes decisões impulsionaram uma das maiores reviravoltas da história da música pop… E o público está novamente do lado da Lady Gaga.
Tudo começou com o disco de jazz “Cheek To Cheek” em parceria com o grande Tony Bennett. Sem piruetas, aplicativos de celular e vestidos voadores, Lady Gaga provou-se como uma grande cantora de jazz, introduziu ao seu público jovem um gênero que eles não conheciam e aproximou-se de um mercado mais tradicional que ela jamais alcançaria com os trabalhos anteriores. Veio um Grammy para o “Cheek to Cheek”, um grande momento no Oscar de 2015 cantando “A Noviça Rebelde”, uma apresentação cantando “Imagine” (John Lennon) nos Jogos Olímpicos europeus, um papel de protagonista em “American Horror Story: Hotel” que lhe concedeu um Globo de Ouro como atriz, e a grande música “’Til It Happens To You” com indicação ao Oscar 2016. Mais recentemente, em meio a tudo isso, Lady Gaga foi escolhida para cantar o Hino Nacional americano no Super Bowl 50, maior evento de TV ao vivo dos EUA, e para homenagear David Bowie num tributo no palco do Grammy 2016.
Não que eu seja contra a Lady Gaga das quebradas. Pelo contrário, eu a prefiro. Mas este F5 na carreira dela era mais do que necessário para reconquistar o interesse do grande público que estava desaparecendo. Os fãs de pop costumam esquecer que, com o sucesso de Gaga em 2009, praticamente todas as popstars passaram a apostar em roupas conceituais, mensagens de inclusão social e clipes cinematográficos. Assim como o Justin Bieber foi criado pela Internet e depois destruído pela própria Internet, Lady Gaga foi criada pela cultura à bizarrice e depois destruída pela mesma bizarrice. Tudo tem um prazo de validade, ainda bem, e o público já parecia cansado de tudo isso quando a Miley Cyrus resolveu entrar na brincadeira.
Apesar de várias inconsistências (incluindo demitir um empresário que aparentemente não a deixava focar na música, mas em seguida resolver lançar-se como atriz), tudo o que a Lady Gaga fez foi altamente inteligente e é um estudo fascinante neste processo de reconquista do grande público. Na vida pessoal, ela adotou uma cadela, passou a dar mais ênfase ao seu relacionamento com o ator Taylor Kinney, se abriu em relação aos abusos sexuais com os quais lidou na adolescência, passou a usar roupas menos arriscadas e, finalmente, passou a colocar a sua arte e o seu talento em primeiro lugar. A este ponto, se ela voltar para a bizarrice, o público está mais aberto (e de menos saco cheio) para aceitá-la novamente. Gaga encontrou uma forma fascinante de descansar a sua imagem sem desaparecer por completo.
Não é à toa que até Taylor Swift, no auge da divulgação do disco “1989”, parou para comentar no Twitter sobre a intensidade com a qual Lady Gaga está vivendo a sua vida e comandando a sua carreira. Tomara que os Kanye-ismos e as promessas de ‘álbum da década’ (vide “Born This Way”) fiquem no passado, e que um grande álbum de fato seja lançado. O grande público está pronto para abraçá-la mais uma vez.