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Bailarinos abrem o jogo sobre condições de trabalho e remuneração na indústria da música


*Com colaboração de Mari Pacheco.

“YMCA”, “Macarena”, “Melô do Tchan”, “Tesouro do Pirata” (Olha a Onda), “Ragatanga” (Asereje), “Single Ladies”, “Ai Se Eu Te Pego”, “Gangnam Style”, “Show das Poderosas”, “Lepo Lepo”, “Paredão Metralhadora”: o que todas essas músicas têm em comum? Coreografias inesquecíveis, é claro! Só de ler os títulos, a memória corporal pede para fazer os passinhos.

Bailarinos abrem o jogo sobre condições de trabalho e remuneração na indústria da música

Também é fácil lembrar quem canta todos esses sucessos. Por outro lado, os nomes dos coreógrafos por trás de cada trabalho não são tão conhecidos assim. Tem algo errado aí. A dança é muito importante para emplacar sucessos na indústria da música. O axé e o pop sabem explorar isso com maestria. Mas os bailarinos ainda não tem a devida valorização.

O POPline conversou com uma série de profissionais ativos no mercado, depois da polêmica levantada recentemente por ex-bailarinos do FitDance sobre carga horária excessiva e cachês baixos. Não é exclusividade deles nem uma prática nova no mercado. Carla Perez revelou que, no auge do É o Tchan, o grupo cobrava R$ 50 mil por show, mas ela – atração principal – recebia somente R$ 900 de cachê. E começou recebendo bem menos…

Bailarinos abrem o jogo sobre condições de trabalho e remuneração na indústria da música

Bailarinos procurados pelo POPline dizem que as condições de trabalho hoje são melhores do que antigamente, mas ainda há absurdos. Os entrevistados, em geral, dançam com grandes astros e estrelas nacionais, o que implica em remunerações melhores, tanto em clipes quanto em shows. Mas muitos profissionais ainda se submetem a trabalhos praticamente voluntários, encarados como uma oportunidade de ter visibilidade.

“Os cachês ainda são irrisórios”, diz Carol Prado, que foi bailarina da turnê de Sandy e Junior em 2019. “Na maioria das vezes, o bailarino depende de outros meios para conseguir uma renda que lhe permita manter seu padrão de vida”, completou. Quase todos concordam sobre a necessidade de ter vários trabalhos. São poucos os que têm o privilégio de ficar em apenas um lugar.

Carol Prado e Edson Damazzo (Fotos: Marcelo Mandruca / Reprodução Instagram @edsondamazzo)

Edson Damazzo, coreógrafo da Ludmilla e da Pocah, não consegue manter seu padrão de vida somente com em um projeto. “Estou sempre em vários projetos, dando sempre preferência à Ludmilla, porque lá minha responsabilidade e meu compromisso é bem maior. Mas é bem difícil se manter em um trabalho só hoje no Brasil”, explica.

“Trabalho ao lado de uma pessoa que me dá respaldo financeiro para me manter, mas deveríamos rever leis que possam nos favorecer artisticamente e financeiramente”, completa.

Investimentos altos para se manter na ativa

É importante ressaltar que o bailarino investe constantemente na profissão. Os gastos vão desde a troca das sapatilhas até viagens para congressos ou cursos e workshops em dólar. “Quando você viaja para campeonato, não é a academia que paga. É você: ônibus, hotel, alimentação… você não consegue gastar menos de R$ 2 mil ou R$ 3 mil”, explica Robson Mano, bailarino da Claudia Leitte e de Sandy e Junior.

“A profissão exige muito investimento e, quando você tem uma lesão, se machuca, as pessoas viram as costas para você”, diz Mano.

Robson Mano (Foto: Felipe Franco)

Flávio Verne, coreógrafo da Pabllo Vittar, afirma que a mensalidade de alguma modalidade de dança custa em torno de R$ 200 a R$ 800, com direito a duas aulas por semana, o que não é suficiente para o dançarino se formar ou se manter em atividade. “Especializar-se e manter-se em atividade fazendo aulas tem um custo bem alto”, pontua. Carol Prado conta que, somadas as aulas, um bailarino pode gastar cerca de R$ 2 mil por mês. Cursos profissionais de férias não custam menos de R$ 1 mil.

“Dependendo da carga de trabalho, uma bailarina pode precisar de cerca de dois a três pares de sapatilhas por mês. Um par de sapatilhas de ponta de marca nacional custa por volta de R$ 150 reais. Daí o problema é que esse bailarino vai fazer um clipe e tem produção que quer pagar um cachê de 200 reais por três dias de gravação e ensaios… É um absurdo né?”, aponta Carol.

Condições de trabalho questionáveis

As reclamações são várias. Flávio Verne se sente privilegiado com Pabllo Vittar, mas sabe que essa não é a realidade de trabalho no Brasil. “Falta uma percepção de que os bailarinos são artistas que se preparam e investem durante anos pra conseguir exercer seu trabalho de uma forma aceitável pela indústria”, pontua.

Flavio Verne no cenário do clipe “Flash Pose” da Pabllo Vittar (Foto: Ernna Cost)

Segundo Verne, quando se trata da gravação de um clipe, muitas vezes o cachê é calculado pensando em apenas um dia de trabalho – o do set. A remuneração ignora o processo de criação e de ensaio. Carol Prado conta que muitas produções não se importam nem com calçados ou chão apropriados para a dança.

“Já esperaram que eu dançasse, girasse e saltasse num chão de cimento esburacado usando sapatilhas de ponta”, lembra.

Robson Mano explica que esse, no entanto, não é o usual. “Vou defender meus artistas grandes. Com Sandy e Junior, os palcos eram os melhores possíveis e tínhamos as melhores condições cabíveis do mundo para executar bem o trabalho. De Claudia, também, dificilmente você vê um palco muito ruim que não dê para fazer seu trabalho. Claro que a gente já dançou em lugar que era praia, tinha areia, coisa aberta, então é complicado”, pontua.

O ballet é encarado como “chato” quando reclama por melhores condições. Segundo Mano, em alguns trabalhos, a única alimentação oferecida para os bailarinos é hambúrguer, pizza ou miojo – inadequadas para os profissionais. “Não custa nada perguntar se o bailarino é vegetariano, se é vegano. Já vi gente da minha equipe tendo problemas com isso”, frisa Mano.

“O ballet é desvalorizado. Tudo que tem que cortar, a primeira coisa que corta é o ballet. Se tem que diminuir algum gasto de passagem aérea, não vai ballet. Se o palco ficou menor, cai o ballet”, desabafa.

Lore Improta e Juliana Paiva (Fotos: Divulgação)

Lore Improta, que trabalhou no FitDance até 2016 antes de seguir voo solo, diz que o mercado é cheio de altos e baixos. “Entendo as dificuldades que já tive em algumas experiências e hoje procuro dar o meu melhor pela minha equipe. Meus bailarinos e coreógrafos são bem remunerados, tem horários certinhos de trabalho e é algo que fico muito atenta”, frisa.

Juliana Paiva, criadora da Live 2 Dance e ex-bailarina da Ivete Sangalo e do FitDance, aponta que os cachês das bandas sempre são maiores que dos bailarinos. “Ainda não temos a valorização que merecemos”, ela acredita, “claro que ainda vemos uma série de bailarinos se corrompendo e aceitando qualquer tipo de cachê por alguma necessidade, mas torcemos pra que isso seja cada dia mais raro.

Plano B: dar aulas complementa a renda

A realização do sonho de dançar com artistas famosos às vezes não é suficiente para pagar todas as contas. Dar aulas é uma alternativa comum para bailarinos. “É uma maneira de complementar a renda”, afirma Jéssica Müller, que dança para Pabllo Vittar, “muitas vezes o profissional da dança não tem escolha a não ser dar aulas e workshops para se manter”.

Jéssica Müller e Isa Zendron (Fotos: Reprodução / Instagram @mullerjessi e @isazendron)

O lado bom é que há demanda. Vídeos de coreografia na Internet e desafios no TikTok aumentaram o interesse popular por aulas de dança. A procura é de todo tipo de público. Isa Zendron, criadora da Boate Class, diz que muitos alunos buscam as aulas inspirados pela cultura pop.

“Querem se sentir uma diva pop, querem aprender coreografias para depois dançar com os amigos. Querem se mexer junto com alguma coisa que traga uma memória afetiva ou uma música que goste muito, para fugir um pouco do caos da pandemia e se reconectar com a música, com a boate, com a balada”, diz Isa.

Com o mercado de shows parado por conta do coronavírus, Lua Vilas, coreógrafa do Psirico e bailarina da Ivete Sangalo, passou a dar aulas online. “Hoje tenho turmas e alunos particulares de cidades e estados diferentes. O resultado tem sido positivo, o que me faz pensar em continuar com algumas aulas online após a pandemia”, revela.

Lua Vilas (Foto: Reprodução / Lua Vilas)

Carol Prado, no entanto, faz um adendo: muitos bailarinos não são qualificados para dar aulas. Por isso, aceitam receber menos. As academias, visando lucrar mais, buscam professores cada vez mais baratos e, quem não tem qualificação, acaba aceitando receber menos. É uma bola de neve, segundo ela.

“É ótimo que um bailarino também queira ser professor, mas pra isso existe todo um trabalho paralelo de estudo e dedicação. Não deveria ser só um quebra galho. Infelizmente a desvalorização também acontece da dança para a dança”, lamenta.