Eu particularmente sou fã da Katy Perry. Não consumo suas músicas interruptamente, mas olho pro trabalho dela e vejo uma artista. Gosto quando esse artista é despido em músicas e nunca (REPETINDO NUN-CA) Katy entregou para gente que não fosse a sua verdade. Ela sempre se aproximou de todos ao lidar com seus demônios e ao abrir seu coração em canções. Mesmo quem não é fã consegue se ver representado (ou algum momento de sua vida) em pelo menos uma de suas músicas. É admirável se expor tanto assim e ao mesmo tempo perigoso.
Vamos fazer uma rápida comparação com outra artista transparente, mas não tão exposta: Adele. Ela também assina suas letras, ela também trata do pessoal, mas não alimenta essa rede de informações instantâneas que é o tribunal das redes sociais. Não que Katy esteja errada. É o que o público dela pede (ou pedia no passado) e ela sentiu a necessidade, mas arcou com um peso enorme dessa escolha.
Quando o “Witness” (2017) foi anunciado, Katy pediu novamente que testemunhássemos e entregou o auge da invasão de privacidade ao colocar sua vida exposta por dias no YouTube. Sem cortes, sem edição. Mais invasivo que um reality show com câmeras. Paralelo às reuniões com amigos, entrevistas e festas, a gente a viu dormir, escovar os dentes e… fazer terapia. Ela chorou copiosamente ao vivo, disse com todas as letras que gostaria de se reconectar com a Katheryn e que todos a aceitassem não apenas por ser a Katy Perry. Triste de ver. No meio do furacão, o tribunal execrava a política “Chained to the Rhythm”, reclamava do corte de cabelo joãozinho, cobrava explicações sobre participação do Migos em “Bon Appétit” e por novos cinco hits consecutivos no topo da Billboard. Será que temos tanto direito assim de interferir nas escolhas artísticas? Reflita. A música é pra gente consumir sim, mas acima disso há um compositor que precisou colocar aquilo pra fora. Naquele momento, era importante dizer aquela mensagem e é corajoso se abrir assim.
“Witness” está longe de ser um disco ruim, mas ele nasceu enterrado pela internet e Katy teve que lidar com tudo isso diante de todos. Ela foi julgada e condenada em 2017. E não, não merecia. Em 2018 se concentrou em ver os fãs em turnê, ajustou a vida pessoal, voltou à TV com o “American Idol” e ao estúdio. Chegou 2019 com “365”, uma música do Zedd, e novamente foi criticada. Dessa vez não tão incisivamente e as críticas fazem parte. É notória a diferença no olhar dela quando a bomba que vem das redes não a atinge. O remix de “Con Calma”, do astro latino Daddy Yankee, preparava a todos para “Never Really Over”, single lançado nesta sexta (31).
A capa, o trailer e o teaser liberados antes da estreia oficial entregaram que era algo para o verão norte-americano, mas o clipe e a letra em si são mais que apenas isso. E me fizeram sorrir. A música conta exatamente uma retomada de sua auto-estima, uma conexão com sua alma, com sua inteligência emocional. Katy se reconecta consigo mesma, reflete sobre os problemas (ou buracos do coelho) e promete que não cometerá o mesmo erro. Dá para fazer uma conexão da letra com um relacionamento io-iô, mas com tudo o que ela passou difícil eu ter outra interpretação. “Dois anos e de repente minha mente me leva lá pra trás. Pensei que havia encerrado, mas acho que nunca realmente acabou”, canta. “Preciso reiniciar esse cérebro”, diz em outro trecho.
No clipe, o coração nascendo de novo, as sessões de ioga, a terapia, a frase “deixe ir”, a tatuagem em foto (e feita pra valer com fãs na noite de audição da música)… e se tudo ainda não te agrada aceite que não há defeitos na videografia dela.
Outro dia disse no Twitter que eu gostaria que Katy não se entregasse às pressões por posições nas paradas e continuasse escrevendo e produzindo músicas sobre o que ela quer dizer para o mundo. “Never Really Over” me mostra que ela voltou a jogar direitinho o jogo da indústria e que é inteligente o suficiente para encontrar seu meio termo.