Uma das histórias mais contadas e recontadas do mundo pop é a de um certo garoto, que como eu, um belo dia acordou com fome no meio da madrugada e correu pra geladeira atrás do que tinha acabado de sonhar.
No caso, o nome desse nosso herói era Paul, ele morava em Liverpool e tinha acordado com desejo de comer ovos mexidos. Mas não eram quaisquer ovos mexidos, eram ovos mexidos que coubessem na melodia que ele não conseguia tirar da cabeça.
E assim nasceu “Yesterday”, até hoje uma das músicas mais tocadas de todos os tempos, e talvez o maior sucesso da história dos Beatles. Resultando de um sonho do Paul McCartney com uns certos “scrambled eggs” que encaixassem perfeitamente na melodia daquela música.
Essa história está em todos os livros de biografias dos Beatles e é uma das mais legais, e pitorescas explicações para àquela fagulha de inspiração inexplicável que transforma uma ideia em um super sucesso.
Não sei se é verdade. Mas, se não for, foi muito bem inventada, e todo mundo repete como se fosse. Já as duas que vou contar aqui, são verdades porque eu estava lá quando aconteceram. E talvez nos ajudem a entender como nasce um HIT.
Milla: de “só mais uma” para um dos maiores hits da Axé Music
Salvador, mil novecentos e noventa e pouquinhos, Pelourinho, festa estranha com gente esquisita. Eu tentando ficar legal. Quando eu falei pra menina que tava conversando, que eu trabalhava com música, ela disse “então você deve conhecer meu namorado, meu nome é Milla, da música, ele fez pra mim”.
Mal sabia ela que eu não só conhecia o namorado dela, Manno Góes, como trabalhava na gravadora que tinha lançado do disco da banda dele, “Jheremmias Não Bate Corner”, e tinha participado ativamente de todo o processo que culminou no mega-sucesso que tinha virado o nome dela, ou melhor, a música com o nome dela.
Eu tava no ginásio em Aracaju, quando ela foi gravada pra ser “só mais uma” no primeiro disco ao vivo do Netinho. E testemunhei um público frenético, ensandecido pelo cantor naquele que seria o prenúncio da carreira meteórica dele.
E também, tava na sala de reuniões quando alguns meses depois alguém do fundo da sala gritou: “tem uma música desconhecida do Netinho que tá começando a bombar sozinha pelas rádios do interior do Nordeste, tá aí no lado b, é um nome de mulher”.
E empurrei com muita força pra turma da gravadora prestar atenção naquela história que começou como banda Beijo, virou cantor solo, passou por música “emprestada” da banda apadrinhada e virou talvez um dos 3 maiores hits da rica história de mega-sucessos da Axé Music.
Cantarolada por aí, em qualquer karaokê, por pessoas que nem tinham nascido quando eu tava naquela festa no Pelourinho. Ninguém nem sonha em saber que a tal “Hollywood” da música não fica na Califórnia, e era sim, o nome de um motel famoso em Salvador, e as tais estrelas da letra eram vistas na verdade através do teto retrátil em cima da cama redonda.
Alguns anos depois outra menina partiria outro coração, só pra aumentar o nosso repertório de músicas apaixonadas a estourar nas paradas.
O Fenômeno “Anna Júlia”
Rio de janeiro, mil novecentos e quase dois mil. Pilotis da PUC, Rio, fim de aula, cervejada nas casinhas do DCE. O futuro produtor Alex não encontrava nenhum jeito de chegar na menina de quem era fã.
Seu amigo Marcelo, futuro band-leader-compositor-
Última faixa a entrar no disco da banda recém contratada por nós. Uma banda carioca que falava de amor como nenhuma outra, aposta da gravadora que tava precisando de artista, “Anna Júlia” foi um dos sucessos mais arrebatadores com que tive o prazer de trabalhar.
Foi daquelas músicas unânimes, ame ou odeie, era impossível não dizer que era sucesso. Três refrões e um riff grudento. Virou fenômeno, crossover total, febre da criançada, música do carnaval da Bahia mesmo sendo um rock’n’roll cheio de guitarras, foi regravada por deuseomundo e nunca mais descolou do inconsciente coletivo.
A tal menina da música, que acabou nunca namorando o apaixonado Alex, ficou famosa na faculdade. E o nome dela batizou toda uma geração de Annas Júlias que andam por aí com seus vinte e pouquinhos anos. Todo mundo conhece uma.
(Uns anos depois, quem senta ao meu lado num destes prêmios de música da vida? Sim, a própria, ao lado dela, seu namorado, o ex-baixista da banda. As voltas que o amor dá. Coisas que só acontecem com Los Hermanos.)
Modelo Two Rooms para o Two Zooms
E as receitas mágicas de se fazer um sucesso seguem inexplicáveis. Prova disso, é um tal “Sir Reginald Dwight”, que ficou conhecido pelo nome de Elton John, talvez um dos maiores hitmakers de todos os tempos.
Ele só foi realmente construir um repertório de sucessos quando encontrou um poeta que conseguiu dar vazão e encaixar letras lindas nas suas melodias maravilhosas. Esse cara era Bernie Taupin, e ele morava muito longe.
Eles então, criaram um método de criar sucessos que se tornou infalível: só compunham à distância, em cidades separadas, nos tempos que telefone celular era coisa de filme de ficção científica.
O sucesso foi tão arrebatador que numa fase maluca, quando eles brigaram, Elton John achou que tinha achado “a fórmula” e gravou seu único album sem Bernie, o tal “A Single Guy” (um cara sozinho). Não teve sucesso nenhum.
E foi correndo de volta pros braços do amigo e parceiro de composição. Seguiram escrevendo nos seus quartos separados. Num método que eles batizaram de TWO ROOMS (virou ate nome de coletânea de sucessos depois).
Se Elton e Bernie consagraram o modelo Two Rooms de composição, quarenta anos depois, a pandemia desse nosso doido 2020 está consagrando o modelo TWO ZOOMS.
Cada parceiro do seu lado da tela do computador, separados por sua própria quarentena, compondo “juntos mas separados” em tempos de isolamento social.
E funciona (ontem mesmo eu testemunhei Pablo Bispo e Francisco Gil criarem uma música GENIAL desse jeito)!
Quase todos os sucessos que você tem ouvido nas playlists “novidades da semana” dos últimos meses, foram gerados nesse modus operandi maluco onde cada um está no seu canto e mesmo assim o processo criativo flui.
A verdade é que o ser humano se adapta a tudo. Tenho testemunhado isso quase que diariamente, e é a coisa mais linda de se ver como tudo rola lindamente. A obra surge e o sucesso vem.
E aí, a pergunta que sempre sobra no final de um texto sobre o sucesso é: MAS AFINAL, QUAL A RECEITA? TEM FÓRMULA? CONTA O SEGREDO!
A resposta é: que não sei, ninguém sabe, e bem provavelmente essa receita não exista.
Pois ela muda todo dia de lugar, de forma, de caneta, de corpo, de cérebro, de coração (tipo a fórmula do amor que Leo Jaime e Leoni seguem buscando desde os anos oitenta).
E se você, que está lendo isso aqui, busca o sucesso, antes disso, busque a verdade. É isso!
Se eu puder dar um conselho, vai ser esse: FAÇA ALGO DO QUE VÁ SE ORGULHAR! Não faça porquê tá na moda, ou porquê tá todo mundo fazendo, ou porqueê estourou na gringa, ou porquê ouviu falar que é bom.
Faça porque é a sua verdade, porque é algo que acredita, algo que você vai poder falar com orgulho pro seu filho um dia que foi você quem fez.
É que no final das contas, o que vai fazer com que o ovo mexido da madruga vire um “Yesterday” ou que o coração partido na balada vire uma “Milla” ou uma “Anna Júlia” é a verdade que estava ali na hora que elas foram criadas por aqueles caras.
Nenhum dos protagonistas destas nossas histórias aqui parou um dia e pensou “hoje vou compor um sucesso”, eles apenas colocaram no papel uma verdade que tava dentro deles, seja fome, sonho ou amor…
O resto virou história… História de sucesso…
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Alexandre Ktenas trabalha com música desde sempre, nos quatro cantos desse negócio, com larga experiência na indústria fonográfica no Brasil, America Latina, Caribe e EUA. Hoje é sócio da agência de conteúdo digital Kontente e de lindos selos de música pop como o Inbraza. Habitante do mundo da música.