O artista tem poucos ouvintes mensais no Spotify, seu canal do YouTube tá praticamente sem assinantes, suas Redes Sociais têm engajamento baixíssimo, não rolou nenhum feat no single, o instrumental antes de entrar a voz é longo demais e o histórico das faixas anteriores é abaixo de zero… Mas, o cara tem um hit nas mãos!
A música parece realmente ser muito boa, e tem tudo para reverberar… Desde que se consiga fazer chegar aos ouvidos do público.
Eis os dilemas atuais dos marketeiros da música – essa raça que já foi considerada extinta e foi retirada das profundezas do esquecimento absoluto pelas bóias dos streamers – desatar os nós das plataformas de streaming e fazer chegar o artista ao seu público.
E assim tem sido. Novos nós, mesmos fios condutores, as músicas. Os caras da sala ao lado, o tal departamento de A&R, vivem atrás do próximo grande sucesso, da próxima grande onda; daquela música que todo mundo procura, todo mundo quer ouvir. E quando encontram, embalam, amarram e mandam pro outro lado.
Tive o prazer de conviver e aprender com mestres tanto de uma sala, quanto da outra. Grandes fazedores de laços lindos, (Max Pierre, Manolo Calderon, João Augusto), exímios desatadores (Edison Coelho, Marcelo Castello Branco) e até os que batiam bem com as duas (querido Marcos Maynard). Vários deles, personagens centrais destas histórias que vou contar aqui pra ilustrar essa coisa de laços, artes e marketing.
Duas aventuras muito bacanas, que tive a honra de fazer parte, e nas quais me sinto muito à vontade para dividir aqui. Pois, não só me trouxeram muito alegria pelo resultado, como me lembro direitinho dos momentos em que as ideias nasceram, e das minhas tentativas de as verbalizar e materializar.
Duas cantoras geniais. Opostas pelo vértice. Igualmente talentosas em momentos tão especiais de suas carreiras. E pensar que tudo aconteceu numa mesma sala de reuniões.
A primeira era o que na minha terra a gente chamava de “bicho do mato”, uma cantora que tinha chegado na Polygram com uma fita cassete com uma música da Legião Urbana debaixo dos braços. Fita, que logo, virou um álbum histórico. E a tal música, “Por Enquanto”, na voz dela virou um sucesso absoluto de rádio “Mudaram as estações / Nada mudou / Mas eu sei que alguma coisa aconteceu / Tá tudo assim / Tão diferente…”.
(Pouca gente sabe mas, a versão desta música que entrou no disco e que toca até hoje nas plataformas de streaming é exatamente a que a cantora enviou pra gravadora, tirada direto do cassete, sem mexer em nada, sem regravar nenhum instrumento, nenhuma voz, numa genial tacada do A&R de então, o querido Mayrton Bahia).
Veio, então, o eterno desafio do lançamento do próximo álbum. O ponto é que: todo mundo amava àquela voz grave que tanto tocava nas rádios, mas, ninguém ligava o nome à pessoa.
Num domingo, assistindo “Barrados no Baile” (o 90210 do Brandon, da Kelly e da Brenda) na TV, me veio o estalo. Eu sabia que, se tinha um lugar em que todo mundo daquela faixa estaria reunido nos próximos domingos à tarde, seria ali pra acompanhar os próximos episódios da série.
Sugeri, então, de escolhermos uma voz bem conhecida de todos (o eleito da época foi o Dennis Carvalho) e de fazer uma campanha na base da lavagem cerebral.
_” E se a gente colocasse no ar um comercial de um minuto, que tocasse a música nova quase inteira e então entrasse essa voz tão familiar que dizesse ao final: “Como assim? Você nunca ouviu falar de Cássia Eller?”. Só isso! Mais nada!”
Meu chefe era louco e adorava embarcar em ideias doidas. Deu certo. Do dia pra noite, todo mundo passou a reconhecer naquela voz linda da rádio, o nome da Cássia. Os números mudaram do dia pra noite, de execução, de vendas, de shows, de cachê.
Uns anos depois, outra cantora, cigarra, este mesmo chefe, numa tacada de mestre; tirou a maior artista da gravadora concorrente e trouxe pra gente já com uma ideia genial na cabeça.
(Só pra contextualizar, nos anos 90 a briga da Polygram – hoje Universal – com a Sony Music era tipo Coca x Pepsi, os executivos não se falavam, os funcionários brigavam nas lojas, as paradas de sucessos eram disputadas faixa a faixa).
E Marcos foi lá, literalmente, “roubar” a Simone pra Polygram já com uma fixação: a de fazer o primeiro disco de Natal do Brasil. Uma tradição de sucesso nos EUA que nunca tinha acontecido pra valer por aqui.
Conseguiu os direitos da música do John Lennon, encomendou uma versão pro também querido Claudio Rabello. Tudo a toque de caixa. Sendo decidido em real time naquela sala de reuniões. O álbum já tinha até um nome definido, “25 de Dezembro”, data do aniversário da cantora.
A gente tinha muito pouco tempo pra trabalhar, o disco tinha que sair no dia 15 de novembro, e tocar/vender tudo que fosse possível até a noite de Natal, por motivos óbvios.
Vim com a ideia de fazer uma contagem regressiva maciça na grande mídia em forma de teaser durante duas semanas antes em todos os meios dizendo, no dia 01 de novembro: “Faltam 15 dias para 25 de Dezembro”.
Uma brincadeira fingindo um “descuido” de mais de um mês no calendário mas, que na verdade, estava anunciando um álbum que estava vindo aí… E assim foi. Mais uma vez, esse meu chefe doido embarcou na viagem e lá estava essa frase estampada nos: jornais, rádios, TVs, revistas, outdoors, todo lugar…
Me lembro bem, aquele dia primeiro era um domingo, e eu acompanhei o aviãozinho de praia (que eu tinha encomendado no dia anterior) passar pelo Pepê com uma faixa onde se lia “Faltam 15 dias para 25 de Dezembro” e as pessoas ao meu redor comentando sobre o “erro” da data.
E assim foram todos os dias durante estas duas semanas. O resultado é que só quando chegou o suposto dia 25, ou melhor 15/11, a campanha se mostrou por inteiro.
Com a música tocando SEM PARAR nas rádios, o clipe no Fantástico, festa de gala de lançamento, equipes de rádio e de vendas em ferocidade máxima. De repente, ERA NATAL, 40 dias antes. E “Então É Natal” entrava para sempre no cancioneiro brasileiro. Para felicidade de alguns e desespero de outros.
Dois desafios sensacionais de encarar. Dois nós que hoje, vendo assim tão de longe, parecem tão fáceis, dão saudade e só me chegam a uma constatação.
De nada adiantariam tantas campanhas, tantas ideias geniais e eu ficar aqui lembrando de tantas historinhas mirabolantes, se ao lado desse marketing todo não tivessem, não só duas cantoras geniais como duas músicas absolutamente históricas.
Cássia fez de “Por Enquanto” sua, apesar de todo o gigantismo do Renato. Simone mudou a história dos nossos dezembros com “Então É Natal”.
Nós lindos de se desatar. Verdadeiros laços de presentes que ganhei na minha vida. Aos quais, muito me entreguei, e que muito me deram de volta.
Sim, existe a arte de se marketear arte! Não subestime esses caras que tanto tentam furar os bloqueios, que se deparam todos dias com desafios intransponíveis.
Hoje, lembrei disso tudo enquanto participava de uma looonga reunião de marketing (via Zoom, afinal estamos numa quarentena) para definir, junto com sócios e parceiros, os caminhos para o lançamento de uma nova cantora, (sim outra cantora nesta história, a maravilhosa Kynnie).
E que lindo é participar de mais um destes desafios. Que prazer é saber que estou, hoje, vivendo mais uma história que vou poder contar um dia.
Não importa o resultado.
Antes, a música tinha que bater primeiro lugar na Pan, na Mix ou na Transamérica, ou tocar na abertura da novela das oito.
Hoje, tem que entrar no TOP 200 das DSP’s, ou, conseguir viralizar em um challenge pegajoso do TikTok.
Já já, vai ter que vir embarcada no novo Tesla elétrico, ou, tocar na chegada no SpaceX na Lua.
Assim é. Mudam os tempos, mudam os desafios dos marketeiros, mudam as estações, mas no fundo no fundo, nada muda…
A arte fica… Até mesmo, a arte de fazer marketing…