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11 anos da morte de Michael Jackson, o crítico-social esquecido

Foto: YouTube

No dia 25 de junho de 2009 eu tinha 14 anos e estava voltando cansada de um curso. Deitei na cama e ouvi Sandra Annemberg noticiando no Jornal Hoje: “Michael Jackson morre aos 50 anos” . Naquela época o termo “fake news” não era tão conhecido, mas já falávamos muito em “fake” em razão dos perfis falsos no Orkut. Então, eu logo pensei: “Será que não é fake?”. Não era.

Lembro-me que foi numa quinta-feira e até o Globo Repórter havia mudado o tema do programa apenas um dia antes da exibição para produzir uma edição especial sobre o Rei do Pop.

“Suspeito de pedofilia”, “o homem negro que se tornou branco”, “a criança que nunca cresceu e sempre quis viver na ‘Terra do Nunca’”. Para falar a verdade, naquela altura, eu conhecia Michael Jackson mais pelos escândalos e “pré-conceitos” do que pelo artista e sua obra.

A partir de então, só se ouvia Michael Jackson em todos os lugares! Às vezes parecia que havíamos entrado em uma espécie de teletransportador já em pleno 2009 – as rádios, a TV e a internet passavam massivamente trechos de “Thriller”, “Billie Jean”, “They Don’t Care About Us”, “Black or White”… Todos hits dos anos 1980 e 1990. De MJ, na época, basicamente só conhecia as quatro primeiras músicas citadas.

“Michael, eles não ligam pra gente”

Em razão da grande exposição, comecei a olhar para aquela figura “bizarra” com outros olhos, principalmente em razão da letra de “They Don’t Care About Us” (Eles Não Ligam Pra Gente), música que teve o clipe gravado aqui no Brasil em 1996 entre o Pelourinho, em Salvador e o Morro Santa Marta, no Rio de Janeiro.

Em Salvador, a cidade com mais negros fora da África em todo o mundo, Michael Jackson aparece no meio de dezenas de percussionistas do Olodum cantando o início da música:

“Neonazistas, cabeças mortas/Todo mundo ficou mau/A situação se agravou/Todo mundo alega/Engravatado nas notícias/Todo mundo consumindo lixo/Tiroteio, mortes violentas/Todo mundo ficou louco”.

Quando parei para interpretar a letra, pensei: “Uau! Que profundo”. Ao pesquisar mais, vi que era uma composição própria e mais uma vez me perguntei: “Gente, ele escreve tão bem, mas por que só é lembrado pelas performances?”

25 anos depois eles continuam não ligando pra gente

Chegamos em 2020, um ano par, mas com um caráter ímpar na história da humanidade, olho o calendário e penso: “Caramba, já vai completar 11 anos da morte de MJ”. Lembro exatamente da letra de “They Don’t Care About Us” e reflito: “Nunca esteve tão atual, Michael Jackson tinha uma crítica social marcante em seu trabalho, mas acho que isso nunca foi abordado”.

No refrão de “They Don’t Care About Us”, Michael Jackson parece bradar um grito de ajuda às autoridades para a população:

“Tudo o que eu quero dizer é que/Eles não ligam pra gente/Algumas coisas na vida eles não querem enxergar/Mas se Martin Luther estivesse vivo/Ele não deixaria isso acontecer, não”.

Para quem não sabe, Martin Luther King Jr. foi um dos maiores líderes do movimento negro no século XX. Famoso pela frase: “Eu tenho um sonho”, o ativista assassinado em 1968 discursava que um dia esperava ver irmãos brancos e negros em comunhão.

Michael Jackson escreveu esses versos em 1995 e infelizmente nada mudou. Como “eles” continuam não ligando para a “gente”, o sistema continua sufocando George Floyd nos Estados Unidos e João Pedro Mattos, no Complexo do Salgueiro no Rio de Janeiro. O mundo assiste à ascensão do neofascismo até mesmo em um país como o Brasil. Sinto-lhe informar, MJ, é 2020, mas eles continuam não ligando pra gente.

Cure o Mundo

Em outra música, chamada “Heal The World” (Cure o Mundo), de 1991, Michael Jackson escreve:

“Cure o mundo/Faça dele um lugar melhor/Para você e para mim/E toda a raça humana/Há pessoas morrendo/Se você se importa o suficiente com os que vivem/Faça dele um lugar melhor/Para você e para mim”.

Michael Jackson mal poderia imaginar no início dos anos 1990 que o mundo 30 anos depois está desesperado em busca da cura para um vírus que literalmente parou a Terra. Ainda não sabemos como e quando a luta contra a Covid-19 vai parar, mas é um consenso que todos esperam que a humanidade se torne mais consciente e solidária depois disso. Será realmente possível?

A Natureza Humana

Humanidade, está aí uma palavra que Michael Jackson adorava usar em suas composições. Em “Human Nature” (Natureza Humana), lançada em 1982, ele já divagava sobre perguntas que surgiram há milhares de anos – “O que é a natureza humana?”, “O que nós estamos fazendo aqui?”. Como nesse trecho da música:

“Olhando para fora através da manhã/Onde o coração da cidade começa a bater/Esticando a mão, eu toco o ombro dela. Estou sonhando com a rua/Se perguntarem, por quê? Por quê?/Diga que é a natureza humana/Por quê? Por que ele faz isso comigo?”.

Preto ou Branco

Desde os tempos mais remotos, os filósofos pré-socráticos, Sócrates, Platão e Aristóteles já tentavam responder questões como essas. Porém, para o compositor Michael Jackson, mais conhecido como o Rei do Pop, através das análises de suas canções, uma das melhores respostas para o que é a natureza humana vinha justamente do entendimento a respeito da diversidade, como na canção “Black Or White” (Preto ou Branco), lançada em 1991, que dizia o seguinte.

“Proteção para gangues, clubes e nações/Deteriorando as relações humanas/É uma guerra de territórios numa escala global/Eu quero ouvir os dois lados da história/Veja, não se trata de raças/Apenas lugares, rostos/De onde o seu sangue vem é onde é o seu lugar”.

11 anos após a sua morte, é indiscutível o legado de Michael Jackson em toda uma forma de atuar na indústria da música – seja através dos lançamentos de videoclipes, coreografias, cenografias e identidade visual. Ele foi um dos pioneiros a implementar as novidades.

Contudo, para além de uma personalidade da mídia envolvido em polêmicas e recordes, há um homem que escrevia letras com alto teor social e crítico, que acabava tendo esse aspecto sufocado pela vida de celebridade. Nunca foi tão primordial revisitar a obra de Michael Jackson atentos ao seu cunho de reflexão social como os dias atuais!

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