Quatro anos atrás, Eminem lançou seu ultimo álbum com canções originais, intitulado Encore, e simplesmente desapareceu. Os anos seguintes foram marcados por lutas pessoais do rapper, que está entre os recordistas de vendas de sua categoria. Em 2005 foi internado em uma clínica de reabilitação, devido à dependência de soníferos. Em 2006 teve um segundo casamento seguido de divórcio. Sua ex-esposa, Kim Scott, foi a inspiração de muitas de suas canções mais ácidas. Naquele mesmo ano, seu melhor amigo, o rapper Proof, foi assassinado em uma casa noturna de Detroit.
Em seu novo livro, “The Way I Am”, Eminem espera colocar as coisas de volta nos trilhos. “Eu sou apenas um cara normal. Pode perguntar aos meus vizinhos”, ele escreve em seu livro. “Ando de bicicleta, levo meu cachorro para passear, corto a grama. Todo domingo estou eu fora, falando sozinho, totalmente nu, cortando a grama com uma serra elétrica.”
Bem, fazer pelo menos uma das três coisas mencionadas já não é tão ruim assim. “Sim, eu ando de bicicleta. Mas nem tenho cachorro nem aparo a grama”, admitiu Eminem em uma entrevista por telefone, quando estava em um estúdio em Detroit na noite de segunda-feira. Por outro lado, o rapper de 36 anos está levando a vida típica de um pai de família, cuidando de suas três meninas: Hailie, de seu casamento com Kim; Alaina, sua sobrinha; e Whitney, filha de Kim de um relacionamento anterior.
Eminem, nascido Marshall Mathers, tenta mais uma vez entrar na vida pública com seu novo livro, lançado esta semana pela Dutton. Parte autobiográfico, parte galeria de fotos, parte coleção efêmera de anotações, o livro é um apanhado geral da carreira de um artista conhecido por relutar em discutir sua vida pessoal em qualquer lugar que não seja em sua música.
“De certa maneira, isto representa o final do primeiro capítulo de sua carreira”, disse seu empresário, Paul Rosenberg. “Eminem está com muitas expectativas. Ele está muito reenergizado, muito focado.”
“Alguém que não gostaria de ser”
Segundo Eminem, a idéia original era fazer uma compilação de textos para os fãs, mas o livro cresceu, passando a incluir grandes trechos de narrativas em primeira pessoa – extraídos de entrevistas concedidas ao jornalista Sacha Jenkins e apresentados em forma de bate-papo. “O rap é uma grande Ilha da Fantasia”, escreve Eminem. “É o lugar onde sempre me recolho quando as coisas ficam agitadas demais em minha vida.”
Quando escreve sobre sua família e a maneira como foi educado, o rapper é de uma franqueza descabida: “Se você voltar no tempo e olhar para o abuso que sofri, não vai se surpreender que me tornei quem eu sou: alguém que eu realmente não gostaria de ser”.
Jenkins disse: “Acho que Eminem tem muito do apelo de um homem comum. Esta é sua voz natural no livro”. E completou: “O cara andou meio deslocado, sem interagir com muita gente, e muito menos escrever. Porém, essa foi uma oportunidade para ele se abrir em relação a muita coisa, principalmente sobre o que sucedeu a morte de seu melhor amigo”.
Na verdade, as lembranças de Eminem sobre a maneira como Proof o incentivou quando era mais jovem estão entre as passagens mais vívidas de “The Way I Am”. “Por mais difícil que fosse para mim, eu tinha de falar sobre isso”, declarou Eminem. Ele também escreveu sobre o quanto seu afastamento da vida pública teve a ver com a morte de Proof: “Depois que ele se foi, demorei um ano para conseguir voltar à minha vida normal. Até sair da cama era difícil. Houve dias que eu nem conseguia caminhar, o que dirá escrever uma rima. Quando tentava organizar meus pensamentos – bem, nada do que eu dizia fazia o menor sentido, então todo mundo ficou tentando me afastar da TV e da imprensa”.
Tradicionalista do rap
Mas, enquanto Eminem discute alguns temas pessoais em seu livro – a paternidade ocupou uma parte bastante extensa (“Ser pai me faz sentir poderoso de uma maneira que nunca senti antes, e é o tipo de poder do qual não quero abusar”) – ele tenta evitar, quase que por completo, outros assuntos mais familiares, como as batalhas excessivamente públicas com sua ex-mulher e também com sua mãe, Debbie (no próximo mês, a mãe de Eminem lançará o livro de memórias “My Son Marshall, My son Eminem”).
“Todo mundo já sabe como me sinto em relação a essas situações”, disse Eminem. “Não quero continuar incluindo Kim e as crianças em tudo o que eu faço, em coisas desnecessárias.” Ele diz que o livro é “muito mais sobre Eminem do que sobre Marshall”.
Os artefatos da carreira, especialmente as letras escritas à mão, receberam um lugar privilegiado no livro. Por muitos anos Eminem anotava trechos de letras em qualquer pedaço de papel que encontrasse pela frente – cadernos espirais, blocos de hotéis – e os carregava em uma mochila. Quando queria compor uma canção, ele saía à procura das anotações, escolhia algumas frases que poderiam combinar entre si e partia para o estúdio.
“Eu vou guardando palavras e depois as coloco juntas”, contou, descrevendo seu processo de criação. Muitas vezes ele compôs em um tipo de código, deixando de fora as palavras chave. “Se você deixar seu bloco de rimas por aí, ninguém vai conseguir entender nada, a não ser você mesmo”, justificou.
Mais de duas dúzias destas folhas soltas foram reproduzidas no livro, e elas impressionam tanto pelo conteúdo como pela aparência: trechos rabiscados em ângulos tortos, escritos em diferentes cores de canetas, em tamanhos que vão desde poucas palavras até versos completos. Algumas destas folhas – como as que trazem as letras de alguns sucessos, como “My Name Is”, “Stan”e “Lose Yourself” – foram impressas em páginas destacáveis, para serem facilmente removidas.
“Isso me lembra aquelas anotações e rabiscos loucos do personagem de Russell Crowe em ‘Uma Mente Brilhante’”, disse Rosemberg, referindo-se ao economista ganhador do Prêmio Nobel, Josh Nash. “É um caos de pensamentos organizados”. Para os aspirantes a rapper que estejam pensando em se apropriar de algum material não utilizado, Eminem sugere, em tom de piada: “Qualquer um que quiser usá-las, fique à vontade. Podem pegar minhas anotações”.
Numa época em que astros como Jay-Z são famosos por não anotar seus versos, construindo tudo na cabeça e relegando-os à memória, “The Way I Am” é uma celebração a esse método artesanal de compor rimas.
“Ele tem uma conexão com o hip-hop do passado, no qual as letras escritas sempre tiveram um papel de destaque”, disse Jenkin. “Ele é um tradicionalista.”
Em 2002, Eminem lançou o livro “Angry Blonde” – quase todo composto por uma coleção de letras, em versões reimpressas – que vendeu 77 mil cópias, segundo a Nielsen BookScan. Porém, o lançamento se deu quase no auge de sua fama; o momento atual é bem mais incerto para ele. “Mesmo assim, nunca nos preocupamos se não havia mercado para o livro”, disse Rosemberg. “Ele certamente já fez o bastante durante sua carreira para despertar interesse, mesmo tendo ficado afastado por alguns anos.”
Com as info.: IgPop