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Resenha: Jão se desnuda em álbum de estreia – saiba detalhes sobre “Lobos”


PORRA, A GENTE SE AMA, ISSO É LINDO DEMAIS!

Depois de estrear o clipe de “Vou Morrer Sozinho”, Jão anunciou que o álbum “Lobos” sairia na sequência – mais precisamente na sexta (17/8). Assim, do nada. Mas é o tipo de surpresa que a gente não reclama. Eu também não reclamei quando me enviaram o disco antes do lançamento para poder escrever essa resenha. “Lobos” possui somente 10 músicas na tracklist, e o público já conhece três delas (também estão lá “Imaturo” e “Aqui”, com uma participação de Diogo Piçarra que não acrescenta em nada), então é como se tudo passasse muito rápido – sintomático de nossos tempos. Dura pouco, não dá tempo de dispersar, e termina com gostinho de “quero mais”. Quando cheguei ao fim, emendei uma segunda escuta, “profissionalmente”, pensei, e depois estava escolhendo uma ou outra música para ouvir de novo. Já era por vontade própria. Bom sinal.

“Vou Morrer Sozinho”, que os fãs já conhecem (estreou direto no Top 50 do Spotify, o que eu acho que surpreendeu até o cantor), abre o disco. A primeira música que se ouve é sobre medo – de ficar sozinho, de estar fazendo tudo errado, de ser complexo demais. Essa mensagem dá o tom de todo o disco. É como se Jão entregasse seu diário pessoal para o mundo: expõe fragilidades, noias, desnorteio, insensatez, problemas de autoestima, dificuldades de se relacionar e, em vários momentos, questiona a própria sanidade. Ninguém quer ser o esquisitão da turma, mas é justamente essa persona que ele encarna. É como se estivesse cansado demais de fingir não sê-lo: desarmou. “Lobos”, a faixa-título, embalada em melodia mais trivial, sinaliza: “o cara estranho, que eu fingi não ser, já renasceu, talvez eu possa descansar”.

Quando entrevistei o cantor em junho, ele me disse que nem todas as músicas eram confessionais ou sobre si. Mas existe a construção de um personagem muito verossímil ao longo dessa coleção de canções. Se Pabllo Vittar está cantando que, se você se apaixonou, problema é seu; Jão é o cara que ouve esse recado e fica amuadinho. “Ainda Te Amo”, uma das canções novas, é sobre diversas tentativas de tentar esquecer um amor falido: “eu tenho andado louco e acho que a culpa é sua…”. Neste ano, Troye Sivan lançou uma música intitulada “The Good Side”, que é sobre ficar com o lado bom da separação. Alguém sempre sai melhor do que o outro. Nas músicas do Jão, ele é sempre o ferrado. Em “Eu Quero Ser Como Você”, com esse título quase doentio, ele canta: “eu sou daqueles que se desfaz com todos os finais”. Nesta música, uma MPB marcada por cordas, ele fala novamente sobre a saúde mental: “sempre me disseram que eu ia enlouquecer se eu continuasse me espelhando em você (…) por favor me ensina a ser assim como você”. Ele quer endurecer. Talvez no próximo álbum… a vida caleja.

O som, no geral, segue uma coerência ao longo de todo o disco, com uma surpresinha aqui e outra ali. Quem ouviu “Imaturo” intui o que esperar desse álbum – e acerta. Em “Me Beija com Raiva”, ele começa com um violãozinho, dá a entender que ouviremos uma faixa acústica, mas lá para o meio já estamos balançando os ombrinhos – mais ou menos como “Vou Morrer Sozinho”. A experiência pode ser comparada ao efeito das sofrências sertanejas, que o povo canta e dança como se fosse algo alegre. Jão propõe esses encontros de letras tristes com batidas minimamente dançantes. Mas, não, não há sertanejo por aqui (eu ouvi um “ufa!”?). A escuta do álbum me remeteu um pouco a “¡Adios Esteban!”, o primeiro disco solo do Rodrigo Tavares / Esteban, ex-Fresno. Era um indie rock. Jão é um indie pop, mas a essa altura você já percebeu isso. Está na mesma prateleira da Anavitória e do OutroEu.

“Lindo Demais”, terceira faixa do disco, é a primeira grande surpresa. A palavra de abertura da composição é um palavrão, e não há outra maneira de Jão dizer isso a não ser gritando: “PORRA, A GENTE SE AMA, ISSO É LINDO DEMAIS!”. Em termos de produção, ela é cheia de brincadeiras, tem elementos eletrônicos mesclados à massa orgânica e um autotune marcante no fim da faixa. Não é das minhas favoritas, mas é uma faixa que você sabe que o povo vai gostar de gritar nos shows. É mais interessante e rica a proposta de “A Rua”, com marcação rítmica de percussão e um coro de matriz africana. Jão até canta diferente, mais malandramente, como quem passeia entre exús e pombagiras. É a canção mais surpreendente do disco. Está perdido ali na faixa 6.

O verdadeiro tiro do disco, porém, é “Monstros”, a última da tracklist. Não, não vá direto ouvi-la. É preciso fazer esse caminho com todos os desabafos do cantor para chegar até ela e sentir o impacto. É a mais triste. Dá vontade de abraçar Jão e dizer que vai ficar tudo bem, colocando um cartãozinho de um bom psicólogo em seu bolso sem que ele perceba. A melodia é pesada, uma coisa “Sober” da Demi Lovato, e a letra traz trechos como “me sinto só desde criança, mesmo com gente a meu redor”, “sempre lutei por liberdade, mas ser livre me fez só”, “eu abraço a escuridão, que sempre se fez o meu lar” e, novamente o incômodo com a coisa de não parecer normal em “sempre me acharam louco (por querer ser mais um pouco)”. Estou ouvindo-a enquanto escrevo. Dá um arrepio. Para mim, é a melhor do disco e a assinatura dele como artista. É a música que me deu vontade de enviar para os amigos e dizer “meu Deus, escute isso aqui!!!”. Quando o disco sair, é isso que eu vou fazer. Na próxima meia-noite, quando “Lobos” entrar nas plataformas digitais, você vai entender o que estou dizendo.