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Leonardo Torres: 10 anos sem Sandy & Junior


Eu entendo que, para muita gente, a Sandy seja só aquela mulher chata que canta umas musiquinhas sem graça e não deixa ninguém mostrar o rosto do seu filho. E entendo que, para uma parcela ainda maior, o Junior seja só o irmão da Sandy. Eu disse que entendo, não que eu concordo: eu não poderia discordar mais. Nesta segunda (18/12), completam-se dez anos do último show de Sandy & Junior como dupla, e isso toca em um lugar muito pessoal meu. Foi em uma noite de verão, com ingressos esgotados, no Credicard Hall, em São Paulo. Eu estava lá. Foi uma despedida sofrida.

Sandy & Junior dominaram o pop nacional entre o fim dos anos 90 e meados dos anos 2000, de uma maneira que ninguém conseguiu repetir até hoje. Nem Anitta com todos seus hits, nem Larissa Manoela com sua onipresença multimídia. A carreira de Sandy & Junior, como dupla, durou 17 anos – o que significa que eles acompanharam todos seus fãs da infância até a maioridade. Meu caso. Eu assisti ao último show deles no dia 18 e tive minha formatura do ensino médio no dia 19, literalmente. Fiz prova de vestibular correndo para ir ao hotel vê-los – diversas vezes. Para quem não viveu aquela época, era mais ou menos como se Justin Bieber ou Taylor Swift morassem aqui mesmo no Brasil. A dupla fazia turnê de estádios (lotou e gravou DVD no Maracanã), vendia um milhão de cópias de um álbum em três dias de lançamento, esgotava ingressos para seis shows seguidos em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo (às vezes com mais um show extra à tarde), e era onipresente na TV. Tinha a novela “Estrela Guia” de segunda a sexta e o seriado “Sandy & Junior” aos domingos. Em uma época de Internet discada e menos popularização da TV a cabo, a importância disso ainda era ainda maior. Eles chegavam às massas. Foram mais de 17 milhões de álbuns vendidos e público estimado de mais de 33 milhões de pessoas. Prêmios, levavam todos. Ao apresentar o Prêmio Multishow certa vez, Fernanda Torres brincou que ele deveria se chamar “Prêmio Sandy de Música Brasileira” – porque, mais ou menos como acontece hoje com Anitta e Luan Santana, todo mundo sabia quem ia ganhar.

Digo esses números para quem não viveu aquela época entender o tamanho do que foi a dupla. Nós, fãs, nunca ligamos para nada disso. Só queríamos ouvir as músicas, vê-los na TV e vê-los ao vivo. Não existia isso de “nº1 no iTunes” assim que uma música é lançada, o que não nos deixava fissurados por paradas como vejo a galera ser obcecada hoje em dia. Os números, quando Sandy & Junior estavam em atividade, eram naturais. De repente, era um CD de platina dupla, tripla, diamante, e sei lá o quê, que era entregue para eles em um programa de TV. Ficávamos felizes, mas não era nosso objetivo. Nós os tínhamos como exemplo, referência, espelho: eram jovens como nós, vivendo o primeiro amor, primeiro beijo, primeira desilusão amorosa, primeira vez, primeira nota baixa, semana de provas, vestibular, tudo, como nós. Cansei de ver Sandy com fichário em aeroporto, porque tinha que estudar em hotéis e voos. Então, sim, nós votávamos neles nas premiações (e muito), mas apenas para que eles comparecessem nos eventos – e pudéssemos vê-los na TV, no aeroporto ou na porta do Theatro Municipal. Queríamos conversar com eles. Olhar nos olhos. Sermos notados. Os interesses eram mais amorosos e menos competitivos. Para ser sincero, não havia competição para eles naquela época. Nenhum outro nome pop brasileiro chegava a ser uma real concorrência. E todos os outros do mercado – eu disse todos – eram fãs da dupla. No último fim de semana, por exemplo, Wanessa Camargo e Li Martins, do Rouge, foram ver o show da Sandy em São Paulo.

Quando os irmãos começaram a crescer um pouquinho e deixaram a influência sertaneja de lado, abraçando o pop, principalmente com versões de músicas internacionais, trouxeram para o Brasil algo que não havia aqui. O pop teen em português, com coreografias, dançarinos, parcerias internacionais, clipes e, posteriormente, composições próprias, simplesmente inexistia. Tanto é que Sandy & Junior foram escalados para a noite pop do Rock in Rio de 2001, cantando antes de 5ive, Britney Spears e ‘N Sync. E eles não abriram o Palco Mundo – como os brasileiros fazem hoje em dia. Quem abriu para eles foi Aaron Carter. No dia seguinte, o show da dupla era considerado por toda a mídia como o melhor da noite. Era um alinhamento de qualidade e popularidade – algo que Rouge alcançou mais tarde mas não manteve por tanto tempo.

Por isso, há tanta gente saudosa. Por isso, esses dez anos sem Sandy & Junior são tocantes para tantos adultos. Quem vê um show da Sandy hoje em dia sabe que é difícil imaginar um retorno da dupla – mesmo que seja para algo pontual. O som que ela apresenta, e a maneira como faz, não tem mais nada a ver com aqueles grandes shows de outrora. Quem vai aos shows do projeto eletrônico do Junior Lima, então, sabe que ele está muito distante do que foi a dupla. E há de se respeitar isso. Mas, no fundo do coração, a gente ainda sonha em ver os dois no palco novo. É algo que toca profundamente na alma e arrepia o braço todo. Eu lamento que nem Sandy nem Junior possam um dia vê-los pelo olhar de quem foi/é fã: nem eles mesmos nunca entenderão o que representaram para toda uma geração. Nunca. É um lugar de afeto que não se descreve, sente-se.

Eu escrevi esse textinho quando tinha 18 anos (um menino!) e havia acabado de chegar em casa após o último show da dupla no Rio de Janeiro em 2007 (eu ainda iria viajar para São Paulo para ver o último dos últimos) e acho que vale a pena compartilhar:

“As luzes estão apagadas. As cortinas foram fechadas. Eles já não estão mais aqui. É a hora de ir embora, mais uma vez. Os portões serão fechados. Só que dessa vez, nunca mais voltarão a se abrir. Ninguém está feliz com isso. Alguns já se foram, com lágrimas nos olhos. Outros, como eu, permanecem aqui, paralisados diante dos fatos. Ainda vai ter um pouco mais, sabemos. Mas não vai ser a mesma coisa, não vai ser aqui. A primeira vez foi nessa casa. Pouca coisa mudou desde então. Crescemos. Tanto. Tá cada vez mais vazio. Mas não quero sair. Tô atrasando o momento o máximo que posso. Se ameaço levantar da cadeira, as lágrimas voltam. Nunca mais. Nunca mais assistiremos a nada disso. Nunca mais estaremos todos juntos, aqui. Nunca mais. É só nisso que penso. Eu tinha tudo que eu precisava até então. Agora não. Sinto um vazio. Sinto-me roubado. Vamos, vamos. Tenho que ir. Querem fechar a casa. Pra que tanta pressa? É a última vez. Me levanto e seco meu rosto. Subo os espaçosos degraus. Não vou olhar pra trás, não vou. Olhei. Não dá pra não chorar olhando, daqui de longe, do hall, toda a casa. Lembro-me da primeira vez que desci esses degraus. Vou sair agora. Eles já saíram. Ouvi os típicos gritos. Até disso sentirei falta. Subo a rampa. Fecharão os portões. Aqui fora tá todo mundo comentando. É importante pra tanta gente isso aqui. Vai para São Paulo? Vou. Claro. Não sei se resistirei. Não sei mesmo. Tá acabando de verdade. É contagem regressiva. E, independentemente de quando, como e onde, sempre que houver uma contagem regressiva, eu vou pular”.