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Entrevista: Priscilla Alcantara fala sobre álbum “Gente”, preconceitos enfrentados e decisão de não se posicionar politicamente


Priscilla Alcantara quer usar seu álbum novo, “Gente”, para furar a bolha da comunidade evangélica e alcançar um público mais amplo. Em um momento de tanto radicalismo e polarização no Brasil, ela busca a união entre os diferentes – os “de dentro” e os “de fora”. Desde que suas músicas novas saíram, ela recebeu elogios públicos de gente como IZA, Pabllo Vittar, Gloria Groove, Leandro Buenno, Bruna Marquezine, Maisa, Gabi Melim, Kell Smith e Nicole Bahls. A lista não poderia ser mais diversificada.

O vídeo em que Priscilla explica o conceito do álbum – e simula uma conversa com Deus ao telefone – foi reproduzido um milhão de vezes no Youtube e 1,8 milhão de vezes no Instagram. Chamou a atenção e a campanha de pré-save do disco foi a mais bem sucedida da Sony Music. No dia do lançamento do álbum, “Gente” registrou 685 mil streams em menos de 24 horas. No dia seguinte, nove das músicas do disco figuravam na lista das 200 mais ouvidas do Spotify. Agora, ela está aqui, no POPline. Parece que furou mesmo a bolha.

POPLINE – O seu álbum novo estreou com tudo nas plataformas digitais. Surpreendeu-se com os números e posições alcançados?
PRISCILLA – Sim, bastante. No meu segmento, foi um grande recorde que a gente conseguiu quebrar. Eu já tinha expectativas muito altas, mas os números em si foram bem mais surpreendentes do que pensava que seriam. Estou bem feliz.

Como você define seu som? Pop gospel?
É muito relativo, na verdade. Se for julgar só pela sonoridade, eu faço música pop. É uma sonoridade mais alternativa. Pela sonoridade, o tema do gospel não interfere muito, né? A temática, sim, a gente pode trazer mais esse termo. O conceito do gospel tem mais a ver com a temática do que com a sonoridade no meu trabalho. Tem sido muito legal ver as pessoas conseguirem identificar isso no meu trabalho.

Você utiliza elementos eletrônicos neste projeto. É som que gosta de ouvir?
Sim. É o som que eu gosto de ouvir. Não é só o que eu ouço, porque gosto muito de um som old school também. Mas para o som que eu produzo, que eu faço, dentro das possibilidades que eu tinha, era o que ficava mais adequado ao que eu queria cantar agora. Eu penso muito no “ao vivo” e esse era o som que eu queria trazer mais para o meu “ao vivo”, por isso a gente focou na música eletrônica no álbum.

Você fala sobre a necessidade de “se comunicar com os de fora”. Para quem é esse álbum?
O próprio nome do álbum foi bem proposital para deixar um pouco mais claro qual é o meu público alvo. Eu sou cristã, todo mundo sabe. Um dia, do nada, eu fui comparar o que eu fazia com o que Jesus fazia e achei que não estava muito parecido, na questão da comunicação. Eu via Jesus se comunicando com todo mundo e muitas vezes adaptando sua linguagem para estar ali convivendo com todo mundo para falar o que queria falar. Eu não estava fazendo isso. Estava fragmentando muito a minha mensagem, segmentando, quando na verdade deveria focar em expandi-la. A ferramenta que usei foi a linguagem. Eu tenho uma grande ferramenta que é a música, a arte, que me permite me comunicar com as pessoas, então quis ampliar a linguagem para me comunicar com mais gente, além das pessoas que têm a mesma fé que eu. O nome do álbum, eu dei para deixar bem claro quem é meu público alvo: “gente”.

O vídeo de apresentação do disco, com você falando ao telefone com Deus, viralizou. Como surgiu a ideia?
Foi bem doido. Eu nunca tinha feito nenhuma ação assim de um vídeo promocional para um álbum, mas eu vi que a galera na gringa faz bastante. Pensei “vamos testar isso”, porque eu tinha a necessidade de explicar o conceito do álbum, para que as pessoas tivessem o impacto correto quando o recebessem. Primeiro, eu precisava explicar sobre o que esse álbum dizia, por que o nome “Gente”, por que esse tipo de linguagem na minha composição… Eu precisava explicar isso. O vídeo foi a maneira mais didática que encontrei, porque eu precisava ser didática para não haver brechas. Escrevi esse texto e apresentei da forma mais didática possível, para que as pessoas recebessem o álbum da forma certa. Os números foram muito espantosos para mim. Sei lá, 50 mil comentários em um post no Instagram. Isso é meio absurdo. Eu não acreditei em como o álbum teve um impacto na vida das pessoas antes mesmo de ser lançado!

Neste teaser, você se refere “aos de dentro”, que são crentes, como você, e “os de fora”, que são gente, também como você. Eu imagino que estar na Igreja e no mundo artístico gera preconceito dos dois lados. Como é essa relação para você?
Sim. Eu tenho lidado com isso já há algum tempo. A maioria das pessoas sabe que eu comecei na televisão, e o mundo artístico é muito amplo, muito vasto. Foi justamente a TV que me deu esse público tão diversificado. Mesmo na televisão, sempre fui da igreja e tive que lidar com isso. Como você disse, justamente, sempre houve preconceito dos dois lados – da parte da igreja porque eu estava tecnicamente “no mundo”, como alguns dizem, e também da parte “do mundo”, como alguns dizem, né. Isso foi uma coisa que tentei ir contra e quebrar essa barreira com esse álbum. “Ah, mas é música gospel, então a gente não pode colocar nessa playlist que tem música da Anitta”. Sabe uma coisa assim? Não! A minha música deseja colaborar com o cenário musical do meu país, independente do rótulo de gospel ou não. Esse era o tipo de preconceito que eu enfrentava. E, por outro lado, também “você é cristã, não pode estar nesse meio artístico, blablablá” e, na minha concepção, é justamente nesse meio que preciso estar para fazer o que defendo. Então, desde pequena, sempre lidei com esse preconceito dos dois lados, mas estou muito feliz com esse projeto “Gente”, porque acho que estou conseguindo quebrar isso também dos dois lados.

No ano passado, você foi muito criticada por simplesmente ir ao festival Lollapalooza. Seu nome ficou nos trending topics do Twitter. Surreal. Qual é o problema de ir a um show? Eu não consigo entender.
(risos) Tem muitas coisas que a gente não consegue entender, porque a cabeça do ser humano é bem… sei lá, estranha. Enfim, a gente diverge muito nas nossas opiniões e isso é normal. Tratando-se de um conceito religioso, a questão, eu acho… Eu não tenho mágoa de ninguém que achou que eu estava fazendo algo de errado. Eu sou musicista, trabalho com música, mas não há nada na minha vida que venha na frente da minha fé e das minhas convicções, sabe? Independente do lugar de onde eu esteja, minha prioridade vai ser manter meu caráter, meus princípios e minha moral cristã. Eu fui formada com esse pensamento. Meus pais me ensinaram assim. Meu relacionamento com Deus me gerou assim: independente de onde eu esteja, não vou me relacionar com aquilo que fere meu caráter cristão. Eu tive, obviamente, que desenvolver uma maturidade em mim para que – quando eu estivesse em um lugar diferente das minhas convicções – eu não me contaminasse, entende? O fato de eu estar em um lugar e assistir ao show do The Weeknd não mudou em nada meu caráter. Estava lá admirando o palco que esses caras fazem, que iluminação irada, que som irado… Eu também estava trabalhando, tem esse fator. Para mim, é normal fazer esse tipo de trabalho, blablablá, mas isso é uma questão que ninguém leva em conta. Não tem problema, contanto que não vá contra aquilo que você diz crer. Mas nem todo mundo pensa assim. Eu entendo. Cada um tem a sua convicção. Se você acha que não é certo ir, não vá. A Bíblia mesmo ensina: “tudo aquilo que não provém de fé, é pecado”. Se você acredita que aquilo não vai ser bom pra sua vida, não faça aquilo. Mas também se você acredita que ir àquele evento não vai ferir Cristo em você… Isso não me trouxe nenhum problema.

Chegaram a te chamar de “falsa crente”. Essa fiscalização de sua fé te incomoda?
(risos) Não, não. Eu sou muito tranquila com relação a isso. A gente está vivendo um momento de muita intolerância, né? Eu procuro não devolver com intolerância a intolerância dos outros. Eu sei exatamente o tipo de cristã que sou – se é que existem tipos. Eu acho que ou você é ou você não é. Essa é a base mais básica do evangelho: sim sim ou não não. Eu sei que sou cristã, independente do que as pessoas acham. Eu tenho lutado para que minha vida não seja só sobre minha vida, mas sobre a vida de outras pessoas. As coisas que eu faço me justificam. Eu não tenho que ficar me justificando. Se você quer achar qualquer coisa sobre mim, é um direito seu e eu vou respeitar isso mesmo se não tiver razão. Claro que não fui sempre assim. Já me machuquei bastante, mas graças a Deus eu tive discernimento para entender que nem sempre as pessoas vão te julgar da maneira certa.

Isso tem a ver com a letra de “Empatia”, um dos destaques do álbum novo. Essas experiências te inspiraram?
Também. Na verdade, não foi uma resposta a essas pessoas, não foi uma resposta a ninguém. A música “Empatia” é mais sobre conscientização do que justificação, entende? Para mim, todas as músicas deste álbum teriam bagagem e potencial para serem single, mas escolhi “Empatia” por conta desse ano turbulento que a gente teve enquanto sociedade. Uma das pautas que eu sempre via a galera comentando era a falta da empatia. A falta de empatia não está só nesse meu caso. Está 24 horas, o tempo todo, com todo mundo. Quando você esbarra em alguém na rua e fica com raiva daquela pessoa porque ela não te viu é falta de empatia. Neste álbum, nenhuma das músicas é uma justificação. É conscientização, principalmente “Empatia”.

Essa música vai ganhar clipe?
Vai. Muito em breve. Daqui a algumas semanas, vamos estar lançando. Na verdade, a gente tem um projeto de mais quatro ou cinco clipes. A gente viu que todas as músicas do álbum estão tendo boa aceitação. Elas têm um grande apelo com o público, então a gente pretende explorar mais isso, até porque cada música carrega uma história muito intensa, sabe? Espero ter a oportunidade de contar mais a fundo.

Já gravou o clipe?
Não. A gente vai gravar na próxima semana.

Esse é seu quinto álbum, e todo autoral. Eu li você falando que ele transformou sua vida. Por quê?
Porque esse álbum, na verdade, não foi primeiramente uma questão profissional. Foi reflexo de uma experiência pessoal que tive neste último ano. Foi produto daquilo que eu vivi. Foi realmente um ano em que conheci minhas emoções, comecei a fazer terapia – que era algo que eu julgava que nunca ia fazer, porque nunca seria “esse tipo de pessoa”… Eu até fiz um evento, que faço todo ano, sei lá, para dez mil pessoas, e o tema da minha pregação foi justamente “Crente também é gente”. Foi o insight que eu tive: que independente da minha fé, ainda sou humana e vou ter que lidar com minha humanidade. Eu experimentei muita coisa e eu tinha repulsa, por exemplo, às minhas emoções, mas tudo isso resultou em um trabalho feito para que as pessoas pudessem se identificar com a minha história. Eu falo muito sobre minhas emoções. É justamente esse o ponto quando falo sobre a linguagem para me comunicar com os de dentro e os de fora: o que a gente tem em comum? Você não precisa ter a mesma fé que eu para eu te entender em determinadas coisas. Eu também passo por isso, sinto as emoções, independente da minha fé. Não é só minha fé que pode fazer você se identificar comigo, mas também minhas experiências pessoais. Por isso que esse álbum mudou minha vida: mudei muito minha cosmovisão. Eu tinha uma cosmovisão meio ignorante sobre minha humanidade. Ter quebrado isso foi muito legal.

Você já tem 22 anos e, portanto, vota. Li comentários especulando e até reclamando de seu voto para o presidente. Você em algum momento declarou seu voto publicamente?
Não. Eu não quis tocar no assunto política. Foi o que julguei mais correto, e as pessoas perto de mim também acharam melhor eu me preservar, sabe? Cara, eu não aguentava mais ver rede social de cristão com briga, com ódio. Eu falava: “não vou transformar minha plataforma nisso”. Até porque eu estava prestes a lançar o álbum e, na minha cabeça, tudo que eu quero falar está nesse álbum. É essa voz que eu quero ser, me comunicando nesse esquema. Eu não quis colocar isso a perder: minha chance de comunicar o amor. Ao invés de usar essa chance para propagar amor, eu poderia dar só mais motivos para a galera brigar. Eu não aguentava mais ver isso.

A gente está chegando no fim do ano. O que você deseja para o país no ano que vem, nesse momento de radicalismo e polarização?
Cara, eu realmente espero que a gente se enxergue mais – um no olho do outro – que se coloque mais no lugar do outro. É o único jeito. A gente não tem uma estrutura que a gente olhe e fale “nossa, realmente, estamos indo…”. Acho que a gente tem que contar mais um com o outro. É a coisa mais concreta que a gente tem. Acho que, hoje, é o que a gente pode fazer – se amar mais. Eu até fiquei feliz: meu álbum saiu agora por causa de um atraso que eu causei na produção, mas eu acho essencial ele ser lançado agora e a gente falar sobre empatia e emoções. É a coisa mais concreta que a gente tem para poder ajudar um ao outro.