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Entrevista: Gaby Amarantos fala sobre a forte mensagem do single e clipe “Sou Mais Eu” e a responsabilidade no discurso de empoderamento


Foram quase três anos sem nenhum lançamento e Gaby Amarantos sabe realizar uma entrada chamativa! A cantora liberou na noite deste domingo (27/5) o clipe para a sua nova música “Sou Mais Eu” e além da mensagem de empoderamento feminino expresso na letra, Gaby trouxe mais. Muito mais! Com o elenco de convidados majoritariamente negro e índio, muita cor e a exibindo com orgulho figurinos chamativos, Gaby tem uma outra mensagem muito clara a passar: precisamos nos orgulhar das nossas origens.

A liberdade feminina e o olhar mais atento para as minorias é sim um discurso mais frequente na arte brasileira, mas para Gaby é preciso acima de tudo responsabilidade. Eu conversei com a artista poucas horas depois do lançamento do clipe de “Sou Mais Eu” e foi impossível não se arrepiar com o poder de fala da cantora, que sempre colocou na sua música tais assuntos. Agora ela, que vai estrear essa nova fase também nos palcos dia 16 de junho, quer ir além.


Foto: Divulgação

POPline: Foram quase dois sem lançamento e você realmente chegou chegando, né? É uma explosão de várias coisas na nossa cara!
Gaby Amarantos: É isso… (risos) estou super feliz com essa volta para a música, para essa identidade visual do mundo pop que agora está super em alta, mas o clipe de “Xirley”, que é um dos meu primeiros clipes acho que é um dos primeiros clipes nesse conceito pop a serem feitos no Brasil. E agora estou voltando trazendo o Pará, as cores, trazendo política, trazendo música.

Quem vê “Sou Mais Eu” e que conhece um pouco do seu trabalho sabe que esta estética, como você disse, não é tão inédita. Nem o discurso que você sempre manteve, adotou, e agora você acabou por condensar tudo isso com mais força em “Sou Mais Eu”.

É… sabe, Amanda, me sinto hoje colhendo os frutos. Hoje em dia há muito oportunismo com o discurso de empoderamento e da representatividade também. Eu sempre mantive esse discurso e agora estou colhendo os frutos porque estamos vivendo um momento que o Brasil está entendendo que precisa ter essa representatividade. Eu plantei essa semente lá atrás e agora estou colhendo. “Sou Mais Eu” tem várias mensagens, acho que as pessoas precisam assistir várias vezes porque elas vão percebendo ‘ah é fulano que tá ali’, ‘nossa aconteceu isso’… tem várias coisinhas para as pessoas desvendarem.

E infelizmente por mais que você esteja há vários anos com essa mensagem, ainda é importante ainda batermos nesses assuntos.
Nossa, é muito importante! Precisamos muito! Tem algumas pessoas que dizem que elas acham chata essa palavra empoderamento ou que é um saco ficar falando desse assunto… E o feminismo é uma pauta muito importante para a sociedade, mas dentro do femininismo negro é pauta número um porque a mulher negra sofre duplamente: por ser mulher e por ser negra. E quando ela ainda é plus aí vai pro topo da cadeia! Ela sofre mais ainda.

Mi mi mi, né?
Sim! Temos que falar muito sobre isso! Muito, muito sobre isso.. durante muito tempo! Porque eu cresci sem referência nenhuma de mulher que fosse negra, que fosse plus, que fosse fora do padrão. Até hoje a gente vê nas novelas, nos telejornais, nas capas da revista, a mulher negra ainda é tratada como cota nas propagandas ‘ah tem que ter um negro, uma negra’. Ainda não é a representatividade real do Brasil que tem mais de 54% da população negra. E indígenas, parece que índio nem existe!

Realmente… no clipe de “Sou Mais Eu” há índios no elenco e não alguém representando índios, o que acontece muitas vezes.
Eles falam muito disso! A Alline Calandrini, que é jogadora do Corinthians aqui de São Paulo, é do Amapá e tem descendência indígena está no clipe, a Gleici [Damasceno], que é do Acre, tem sangue negro. Tem a Priscila Tapajós, que é índia da tribo Tapajós, tem um casal de índios Kalapalo e eles estão cansados de ver gente se passando por nós, sabe? A gente quer estar nos espaços. Eles estão morando aqui São Paulo e o índio está se urbanizando e a gente precisa ver com beleza, olhar pra dentro da gente. O Brasil é preto. O Brasil é índio e o país precisa se reconhecer. É um grito de representatividade para esse Brasil de verdade, que é esse o Brasil que eu acredito.

“Sou Mais Eu” tem em seu elenco nomes como Gleici Damasceno, vencedora do BBB18, Jessica Ellen, Jonathan Azevedo, Rafaela Silva, judoca e campeã olímpica, Nabillah Sedar, Veluma, Eunice Baía, Magá Moura, Roberta Freitas, Maria Oliveira, Alline Calandrini, Shirley Cruz, Preta Rara – TPC, Alberto Pereira Jr., Selena Carvalho, John Barros, Michele Fernandes, Roberta Gretchen, Kamila Pimentel, Zailson Sena e a participação de Kapaí Kalapalo, Aruan Kaiowa e Tamikuã Txhi.

Você havia adiantado que o clipe que era para o brasileiro ter orgulho de onde veio. É notório que o brasileiro não tem um carinho pela nossa história.
É, a gente é muito colonizado, né? A gente ainda passa por um processo de olhar para fora e de esquecer da onde a gente veio, das coisas incríveis que temos no nosso país. Nosso país é lindo! Muita gente que começa a ter uma ascensão social a primeira coisa que faz, não sou nada contra, cada um faz o que quer com seu dinheiro, mas a primeira coisa é viajar pra fora. E ela não vai para a Amazônia, nunca foi para o Nordeste, Belém do Pará, não sabe nem quais são os estados do Norte. A gente tem que olhar para o nosso país e ver o quanto a gente é lindo, o quanto a gente é rico, o quanto a gente é plural e uma potência! O Brasil é uma potência. Não era para estar passando o que a gente está! O Brasil é incrível e lá fora muita gente com quem trabalhamos diz ‘nossa, seu país é lindo! A Amazônia é incrível! Vocês tem muito orgulho de serem negros, né?’. “Uhum…”. E esse momento de representatividade não tem mais volta, é mundial! Esse movimento afro-pop com o Pantera Negra, a Beyoncé no Coachella, com “This Is America” do Childish Gambino que foi um soco no estômago. É o momento da gente falar, é o momento da gente estar e as pessoas precisam entender que agora só pra frente.

E aprender que não adianta só aplaudir essa mensagem que vem lá de fora porque a gente também produz esse discurso aqui.
(palmas) Isso isso! Imagina só as crianças que vão poder olhar esse clipe na escola! Fica muito mais fácil para um professor falar de representatividade tendo o que mostrar.

Eu tô toda arrepiada falando com você.
Ai que demais! É o que eu estou buscando.

E você teve um time ao seu lado para passar essa mensagem, como você disse. Como foi chegar nesse pessoal?
Nossa, essa foi uma das partes mais gostosas! Convidar ídolos, pessoas que tem história de superação, que eu admiro. É porque as pessoas conhecem a Gleici, o Jonathan, a Rafa Silva, mas todas (enfatiza) as pessoas que estão naquele clipe tem história de vida. São pessoas de são engajada com luta, que estão promovendo o poder.

Enquanto eu assistia ao clipe a mensagem que chegou é que nada é aleatório ali. Nem a parte visual, os convidados…
Isso (risos)! Tudo tem um porque. E ainda tem o final apoteótico trazendo o ícone Carmem Miranda. Tipo uma releitura, né? Colocando ela de uma forma amazônica, tropical, sabe? Eu estou muito orgulhosa de fazer esse trabalho! Hoje a gente vive de ‘views’, né? Mas eu estou muito feliz em fazer um trabalho que vai ser legado. Não sei quantos anos eu vou viver, mas vou poder olhar pra trás e dizer ‘caramba, que bom que a gente fez isso’.

“Sou Mais Eu” é o primeiro single de um novo álbum, um lançamento avulso? Explica pra gente!
Ah, eu tô muito animada para fazer álbum porque essa parada das plataformas digitais está alimentando a gente a ser artista de novo então “Sou Mais Eu” é apenas uma de muitas que estão por vir e vai ter álbum sim! Eu já estou há um tempo compondo para caramba – “Sou Mais Eu” é uma dessas músicas feitas neste ócio criativo – e já estou com muita coisa definido. Estamos agendando para começar a gravar e quero fazer “feat.” muita gente que eu gosto. No segundo semestre eu já estou me programando para lançar outro clipe… Eu também estou muito nessa vibe de “feat.” de pessoas, sabe? Que foi o que eu fiz em “Sou Mais Eu”. De pessoas que são empáticas a causa. Ao invés de chamar alguém para cantar, chamar alguém que vai ter presença, que vai trazer sua imagem para complementar também é uma coisa nova.

Falando em feat., você e a Pitty dividem o sofá no programa “Saia Justa” e certamente alguém já deve ter questionado vocês para uma parceria. Até porque vocês tem um discurso de força bem similar.
(risos) A gente tem uma brincadeira nos bastidores que temos já tem um álbum juntos, vocês até podem provocar isso hein?! Nas reuniões de pauta ou eu falo uma coisa ou ela fala uma coisa que tipo ‘ó, rende uma música’. Semana passada ela estava com um vestido de paetê e ela se arranhou toda porque ela é branquinha, né? Ela estava toda arranhada e ela disse ‘nossa eu tô toda lanhada no paetê’ e eu já ‘ó, isso é nome de música’ e a gente fica nessa brincadeira! O álbum já tem umas 10 músicas só falta a gente sentar e consolidar! (risos) Na hora certa vai ser demais mesmo! Eu estou torcendo para isso, pois instiguem! (risos).